A divergência entre as economias dos EUA e da Europa antecipa uma falta de coordenação nas suas políticas monetárias. Desta vez, parece que o BCE poderá adiantar-se nas descidas de taxas de juro, o que pode ter consequências nas alocações de ativos das carteiras de obrigações.
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A divergência entre as economias dos EUA e da Europa antecipa uma falta de coordenação nas suas políticas monetárias. Desta vez, parece que o BCE poderá adiantar-se nas descidas de taxas de juro, o que pode ter consequências nas alocações de ativos das carteiras de obrigações. Conforme o ano foi evoluindo e se foi conhecendo a tendência dos dados macro, sobretudo os de atividade económica e preços, tornou-se mais evidente uma possível divergência nos ciclos monetários da Fed e do BCE. Não é a primeira vez, mas parece que a Europa poderá adiantar-se nas descidas de taxas de juro.
Divergência nas políticas monetárias
Durante muitos anos, a Fed marcou o caminho quanto às mudanças na política monetária. Se a Fed subia ou baixava as taxas, o BCE tipicamente seguia-a com um ligeiro atraso (como, por exemplo, nos ciclos 1999-2000 e 2007-2009). A premissa era que o ciclo económico americano liderava o europeu. “No entanto, a divergência em políticas não é infrequente. Em 2011, o BCE, sob o mandato de Jean-Claude Trichet, subiu as taxas duas vezes, enquanto a Fed ficou à espera. Em 2016-2018, a Fed levou a cabo um ciclo de subida de taxas, enquanto o BCE manteve a sua política de taxas negativa”, explica Martin Van Vliet, estratega na Robeco.
Tendo em conta o atual cenário, cabe perguntar o que essa falta de coordenação pode implicar. “Uma política coordenada dos bancos centrais significa uma menor volatilidade e mercados mais orientados para o beta. Uma menor coordenação significa uma maior volatilidade e mercados mais orientados para o alfa”, opina George Brown, economista na Schroders.
Na sua opinião, a Fed poderá aguentar até para além de 2024 porque o consumidor americano não é tão sensível às variações das taxas de juro a curto prazo. “A maior parte da dívida dos consumidores dos EUA é de taxa fixa com vencimentos longos. A das empresas é, em geral, de taxa fixa, e é sensível principalmente às taxas a cinco e dez anos. A dívida imobiliária comercial é sensível principalmente às taxas de juro a dez anos”, detalha George Brown.
Yields dos títulos do Tesouro americano a dez anos
Em contraste, assinala que, fora dos EUA, as taxas hipotecárias e ao consumo são reajustadas com muito mais frequência e as hipotecas a taxa variável são mais comuns. “Em consequência, o consumidor não americano é mais sensível às variações das taxas de juro oficiais. Os cortes são talvez mais necessários, visto que a tensão se tem feito sentir mais diretamente devido ao aumento das taxas dos bancos centrais não americanos”, acrescenta.
Inflação: fundamental para a estratégia dos bancos centrais
Olivier de Larouzière, CIO de Obrigações na BNP Paribas AM, salienta algo importante a ter muito tem conta neste novo ciclo económico pós-taxas zero e que junta americanos e europeus: “Os bancos centrais preferem que as suas economias tenham alguma inflação, visto que esta contribui para manter a rentabilidade das empresas, permite uma curva de yields normal com inclinação positiva e oferece maior flexibilidade no momento de gerir a economia. Os últimos dez anos foram complicados para os responsáveis da política monetária”.
Na sua opinião, a maioria desses bancos centrais não deseja voltar a um período de taxas negativas. De facto, considera que têm os seus motivos para manter a inflação num nível mais elevado do que no que tiveram na última década. Uma das consequências deste desejo partilhado pelas autoridades monetárias é uma divergência sustentada (como a observada entre 2015 e 2018) “parecer pouco provável, visto que a Era de inflação ultrabaixa na zona euro parece ter ficado para trás”, aponta Martin van Vliet da Robeco.
Obrigações europeias para combater a queda
Quanto ao reflexo nas carteiras desta ausência de coordenação monetária, embora seja temporária, predomina uma preferência pela curva europeia. Para Brice Perin, co-head de Multiativos e Retorno Absoluto da LBP AM, grupo a que a LFDE pertence, “se as yields europeias caírem mais rapidamente do que as americanas, tal fará com que o mercado de obrigações do velho continente seja mais atrativo nos próximos meses”.
Considera também que se vão criar “oportunidades nas inclinações das curvas de yields, com uma inclinação ascendente mais atrativa no lado europeu”. Além disso, o crédito neste lado do Atlântico “também beneficia de margens mais amplas, o que reforça o seu posicionamento”.
Neste sentido manifesta-se também Phil Gronniger, gestor de carteira das estratégias Balanced e de Obrigações da Janus Henderson Investors. “Uma maior exposição às taxas não americanas pode ser benéfica. Consideramos a Europa relativamente atrativa dada a trajetória mais clara para taxas mais baixas, enquanto a dívida dos mercados emergentes também parece atrativa devido à margem para uma maior flexibilização da política monetária”.
Martin Van Vliet, da Robeco, também considera fazer sentido ser um pouco mais construtivo em obrigações do governo da zona euro em comparação com as do Tesouro dos EUA. “Além disso, dado que a inversão da curva de yields pode ser um bom indicador da postura da política monetária (curva invertida, política monetária restritiva e vice-versa), não será surpreendente se as curvas de yields europeias se inclinarem um pouco mais do que as dos EUA”.