Enquanto a Europa dormia, os mercados encontraram uma nova razão para carregar no botão de pânico. Quem quis comprar durante as quedas da semana passada teve esta segunda-feira um duro despertar perante a realidade que representa investir em tempos de volatilidade.
Vamos resumir a tragédia. Esta madrugada o barril do petróleo Brent, o de referência na Europa, abriu com quedas de 30%. É a maior queda intradiária desde 17 de janeiro de 1991 quando começou a Guerra do Golfo. Por sua vez, os futuros dos índices americanos apontavam para quedas de 5%; um movimento dramático que se materializou na abertura das bolsas europeias. O Eurostoxx 600 registou a sua pior queda desde 2016 e vários índices estão a poucos escalões de entrar tecnicamente num mercado bearish. As ações japonesas, por sua vez, entraram ao abrirem com uma correção de 6% nesta sessão. Tal é a procura de refúgio que o yen japonês chegou a subir 3% face ao dólar americano. E pela primeira vez na história toda a curva do Tesouro americano move-se abaixo do 1%, até a emissão a 30 anos.
O que se está a passar agora nos mercados? As empresas internacionais analisam os pontos-chave e consequência de todos os movimentos atuais.
1. E agora o que se passa com o petróleo
Como se a propagação do coronavírus não fosse motivo suficiente para nos agarrarmos à cautela, este fim de semana uma disputa entre a OPEP e aliados desencadeou uma grave correção nas matérias-primas.
Tudo começou na passada quinta-feira. Com o objetivo de enfrentar a menor procura de crude devido ao coronavírus, a OPEP propôs retirar por sua conta um milhão de barris diários da produção e assim mitigar o efeito nos preços. Mas também pediu que os estados aliados (o OPEP+) colaborassem com a retirada de outros 500.000. A Rússia recusou. Essa nega de um país tão influente já chegou na passada sexta-feira ao Brent ao ser registada uma descida de 9%. Porquê essa postura? “A Rússia tomou medidas duras para conter o seu orçamento doméstico, por isso agora podem permitir um petróleo mais baixo”, explica Randeep Somel, diretor de ações da M&G.
A resposta não tardou em chegar. A Arábia Saudita, o segundo maior produtor de crude, só atrás dos EUA, anunciou no fim de semana que não só não vai baixar a sua produção, como vai aumentar e descontar o crude que se exporta para outros países. É preciso recordar que face aos 19,21 dólares que custa à Rússia produzir um barril de crude e gás, à Arábia Saudita custa 8,98 dólares, segundo dados da Rystad Energy Ucube citados pelo WSJ.
Quais poderão ser as consequências? Para Esty Dwek, responsável global da estratégia de mercados da Natixis IM, o maior impacto será no mercado de high yield, onde o sector energético é um componente muito grande, mas não descarta que o alargamento dos spreads contagie outros segmentos.
Quanto à indústria em si, “a pressão sobre os preços sentir-se-á mais nas zonas produtoras de petróleo de xisto, onde se espera que o crescimento diminua significativamente este ano. Além disso, as regiões produtoras poderão enfrentar distúrbios sociais”, analisa Michel Salden, gestor da Vontobel AM. “Não obstante, as perspetivas melhoraram, já que os preços do petróleo a mais longa duração vão subir a um mínimo devido ao aumento dos custos de produção a longo prazo. Os produtores de petróleo de xisto verão bloqueado o seu acesso ao financiamento barato e deixarão de atuar como produtores marginais de swing a 50 dólares por barril. Independentemente dos movimentos atuais, prevê-se que os mercados de petróleo passem a ter uma insuficiência estrutural de oferta para 2023-2025. Isto deve-se ao facto dos principais produtores de petróleo não investirem em novos projetos de infraestruturas e os de xisto terem vindo a favorecer os dividendos em vez do investimento em novas instalações de produção”, conta o especialista.
2. A dívida não se livra do risk-off
Estes são os últimos movimentos do mercado, mas não devemos deixar de lado os sinais de preocupação que enviaram as obrigações. Há duas semanas com dificuldades nos mercados de obrigações. “O sentimento de risk off reina”, resume Wolfgang Bauer, da M&G. “Olho para o meu ecrã e o iTrazz Xover, o termómetro de risco de crédito em high yield europeu saltou para o seu nível mais elevado desde 2013. Por sua vez, o bund alemão a 10 anos caiu para o mínimo histórico de -0,8%”, conta. O movimento tão brusco nos mercados de crédito resume-se claramente no gráfico que partilha:
As obrigações talvez sejam o ponto que mais preocupa as gestoras. Na PIMCO, Joachim Fels, assessor económico global da gestora, alerta sobre as potenciais brechas no ciclo de crédito americano num contexto de cash flows corporativos decrescentes, o que poderá derivar num forte ajuste das condições financeiras que por sua vez impacte a economia real.