Das retrocessões ao greenwashing: o discurso incisivo de João Pratas

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João Pratas. Créditos: Vítor Duarte

O presidente da APFIPP, João Pratas, discursou nos últimos prémios Morningstar. Numa intervenção com vários temas que suscitaram a reflexão dos presentes , o presidente abordou três tópicos regulatórios que levantam dúvidas aos participantes dos mercados financeiros.

O primeiro tema foi o fim das retrocessões. A APFIPP, como demonstrado anteriormente, sempre se mostrou contra o fim deste modelo de comissionamento. Para João Pratas, o modelo de retrocessões “é um modelo continental, testado em vários países da Europa”. Para o especialista, o fim das retrocessões, como aconteceu na Inglaterra ou na Holanda, traria grandes problemas de adaptação ao negócio de gestão de ativos em Portugal. 

O principal argumento contra as retrocessões é o custo adicional que estas acarretam para os investidores. João Pratas discorda. “Um fundo de investimento tem vários custos associados. A comissão de gestão, por exemplo, possibilita remunerar a equipa de gestão pelo trabalho que realizam. Também a distribuição de um fundo tem custos elevados. Há, inclusivamente, uma seleção de fundos conduzida pelo distribuidor que representa um custo. É aqui que as retrocessões entram. Estas permitem premiar o trabalho de distribuição feito pelas várias entidades”, explicou o presidente assertivamente.

Ainda sobre o tema, João Pratas defende que muito raramente são as retrocessões a definir qual o fundo distribuído. Segundo a experiência do profissional, estas tendem a ser muito similares entre os diversos fundos. Por outro lado, João Pratas defende ainda que, na sua generalidade, os agentes acabam por “querer distribuir o fundo que, no fim de contas, gera mais retorno para o cliente. A ideia de que se vende um fundo que paga mais pela distribuição pode ser um equívoco”.

Greenwashing: uma medida a tomar

O segundo tema abordado interliga-se com a sustentabilidade. Como foi referido no discurso, o ano de 2022 foi muito interessante para o mercado português em termos de ESG. Foram lançados diversos fundos artigo 8º da SFDR e os primeiros fundos artigo 9º. Sobre estes últimos, João Pratas destaca que o player em causa “manteve sempre uma proximidade muito elevada com os reguladores durante o processo de abertura, o que garante um elevado nível de transparência”.

As novas regras propostas pela ESMA para combater o greenwashing, resultam num pacote de medidas a incidir sobre a nomenclatura dos fundos de investimento. João Pratas confessa que entende que estas medidas são demasiado complexas. Sugere outra medida alternativa: “Porque não declarar apenas um limite inferior para a componente realmente ESG do fundo? Por exemplo, um fundo que se assume como 50% ESG teria sempre que manter metade do seu portefólio alocado a ativos considerados sustentáveis. Um processo muito mais simples”. Para além da simplicidade, o presidente da APFIPP acredita que esta medida seria muito mais inclusiva. “Não há necessidade de excluir um fundo que investe apenas 50% em instrumentos sustentáveis. Adicionalmente, todos os fundos almejarão subir este limite. Seria uma mudança gradual e motivada pelo cliente, e não uma mudança radical forçada pela legislação”, determina João Pratas.

A ELTIF 2.0

Ainda deu tempo ao especialista para tocar na nova versão da regulação ELTIF, o ELTIF 2.0. O presidente da APFIPP confessa que sempre teve dúvidas relativamente ao sucesso da primeira versão do produto, e que, inclusive, as partilhou com a EFAMA.

Para João Pratas, a principal vantagem das medidas “é o nível de liquidez que traz para os fundos de longo prazo”. O novo limite requer 50% de ativos transacionáveis, garantindo mais proteção aos investidores. Por outro lado, demonstra preocupações sobre os retornos possíveis de este tipo de instrumento. “Um fundo de infraestruturas, ou um outro fundo de longo prazo, gera retorno devido à capacidade que tem de reter a sua liquidez e investir em ativos de muito longo prazo. O que se propõe é um fundo que seja metade dedicado ao longo prazo e metade como um UCITS: em que resulta isto?”, questiona retoricamente o presidente em tom de conclusão.