Edouard Carmignac (Carmignac): “Hoje em dia toda a gente gosta de odiar a China”

Edouard Carmignac.
Edouard Carmignac. Créditos: Cedida (Carmignac)

Otimistas de um lado, pessimistas de outro. Foi assim que o veterano de mercado Edouard Carmignac começou por assinalar a sua estranheza face a um início de ano tão bipolarizado nos mercados. “É um início de ano atípico, este. Nunca tinha assistido a um início de ano com tanta discrepância entre os otimistas e os pessimistas, ou seja, entre os que acreditam que os mercados continuarão a subir, e aqueles que esperam uma correção severa”, disse. E assim abriu o evento anual da gestora francesa para os media, e que mais uma vez teve de ser maioritariamente digital, devido à pandemia.

Para o gestor estrela, foi de facto a COVID-19 que trouxe o que apelida de uma “atípica combinação entre apoio fiscal e monetário”, algo que realmente trouxe as suas distorções ao mercado. No campo do mercado de trabalho, por exemplo, os efeitos foram também muitos. “Muitas pessoas deixaram de trabalhar, pediram reformas antecipadas, e acreditaram que os mercados vão continuar a sair-se bem e que, portanto, continuarão a ver remunerados os seus investimentos”, assinalou.

Claro que para o economista, “os programas fiscais que apoiam estas atitudes não podem durar para sempre”. Está convicto de que “quando o apoio fiscal terminar, veremos muito provavelmente um abrandamento da economia, pelo menos nos EUA”.  Biden, por seu lado, sentirá, na sua opinião, “uma grande pressão para resolver o problema da inflação”.  Por isso, acredita que a Fed será mais hawkish daqui em diante. Mas com uma nuance: “Mais hawkish do que o mercado espera”.

A visão contrarian sobre a China

Mas foi sobre a China que o especialista quis deixar maior detalhe, embora o tema tenha sido desenvolvido por Raphaël Gallardo, economista chefe, mais adiante.

Toda a gente gosta de odiar a China, hoje em dia. É verdade que tiveram alguns problemas de governação no ano passado, mas em 2020 foi um mercado que nos favoreceu muito, e este ano prepara-se para ser um dos melhores mercados”, avançou Edouard Carmignac. E os elogios não se ficaram por aqui. “A China tem-se desenvolvido à nossa frente, tendo uma política monetária mais acomodatícia, mais ativa no apoio fiscal ao crescimento”, sublinhou.

Ora Raphaël Gallardo desenvolveu a ideia. “A China liderará o ciclo económico de novo em 2022.  Já começaram a tornar a sua política monetária mais acomodatícia, e isso ajudará o crescimento global no terceiro trimestre. Por outro lado, o  crescimento do crédito na China está a liderar globalmente, a oito meses. É por isso que estamos mais otimistas”, iniciou.

No entanto, há algumas pedras no caminho da China por ultrapassar, mais concretamente três headwinds de crescimento: a sua política COVID 0, a redução do tamanho do mercado imobiliário e, por fim, a confiança das exportações.

Sobre o primeiro ponto, Raphaël Gallardo mencionou que  “a estratégia de contenção de números de COVID-19 é muito difícil de viabilizar, porque as vacinas chinesas não são tão eficazes; no entanto, recusaram as ocidentais”. No mercado imobiliário, por sua vez, “as vendas de casas caíram 20%, mas a grande preocupação são as construções iniciadas, que nesta primeira metade do semestre não irão recuperar, pois os construtores têm como prioridade reduzir as suas necessidades de liquidez”, depois do que aconteceu em 2021.

Por fim, a confiança nas exportações. Raphaël Gallardo recorda que “a  recuperação na indústria foi massiva depois dos efeitos iniciais da COVID-19, mas os volumes de vendas a retalho têm-se atrasado. Por outras palavras, a China tem importado os estímulos fiscais que a América tem recebido”, explicou.

Estabilização do crescimento

Mas as boas notícias suplantam os headwinds. A China já começou a colocar em prática a sua política fiscal mais acomodatícia, “depois de alguns momentos mais negros no ano passado”. Por isso, para o economista chefe da Carmignac,  as palavras de ordem são agora “estabilização do crescimento”. E há vários movimentos que o comprovam. Recorda que “emitiram recentemente 1,5 biliões de yuans de obrigações locais”, sendo já visível um grande impulso do lado do crédito. Por outro lado, acrescenta, “reportaram recentemente um corte nas taxas de juro de empréstimos de melhor qualidade”, e são esperados ainda mais movimentos fiscais acomodatícios, anunciados para março no Congresso Nacional.