Elena Domecq (J.P. Morgan AM): “As tarifas alfandegárias quebraram o roteiro previsto para 2025”

Elena Domecq J.P. Morgan AM
Elena Domecq. Créditos: FundsPeople

A primeira metade de 2025 não correspondeu às previsões iniciais, como reconhece Elena Domecq, diretora-adjunta de Estratégia e responsável pelo Investimento Sustentável em Espanha e Portugal na J.P. Morgan Asset Management. Embora no início do ano a gestora antecipasse um crescimento moderado acompanhado de estímulos do novo governo dos EUA, a realidade foi bastante diferente. “O cenário foi muito mais adverso do que o esperado, sobretudo devido às tarifas alfandegárias”, apontou.

A especialista recordou que o mercado norte-americano foi o primeiro a ressentir-se com a imposição de tarifas a Canadá e México. Embora o impacto inicial tenha sido desigual entre regiões, o denominado Liberation Day desencadeou uma correção generalizada. Em abril, apesar de quedas intramensais de quase 12%, os índices terminaram o mês estáveis. Os investidores que venderam no pior momento não beneficiaram da recuperação posterior”, referiu.

Apesar de os mercados não terem cumprido as expectativas do início do ano, Elena Domecq sublinha que o ambiente atual exige disciplina e uma visão de longo prazo. A incerteza obriga a manter a calma e continuar investido, mesmo num contexto de elevada volatilidade.

O impacto económico ainda é incerto

A mudança de rumo deixou os mercados num estado de grande incerteza. Como explicou Elena Domecq, as tarifas anunciadas no início de abril superaram as expectativas do consenso. “Não víamos tarifas tão elevadas desde 1930, e o seu impacto dependerá das negociações atualmente em curso”, advertiu.

Para os EUA, a gestora considera três cenários. O menos provável contempla o cancelamento das tarifas. O mais adverso, em que não haja qualquer acordo, resultaria num crescimento estagnado e uma probabilidade de recessão próxima de 50%. O cenário base — aquele a que atribuem maior probabilidade — prevê uma redução parcial das tarifas, com um crescimento mais baixo, mas ainda positivo. “O ponto de partida é sólido. As famílias e as empresas entram nesta fase com uma espécie de amortecedor, graças ao consumo e a um mercado de trabalho ainda resiliente”, salientou.

A tensão comercial com a China representa outro grande foco de risco. “Se não houver acordo, o impacto no crescimento da China será significativo, precisamente quando a sua economia já estava fragilizada pelo setor imobiliário”, explicou. Na Europa, por outro lado, destacou uma mudança na mentalidade política e fiscal. Embora o crescimento continue fraco, os planos de investimento em defesa e infraestruturas podem marcar um ponto de viragem a médio prazo.

Revisão das carteiras: mais duration, neutralidade em ações

Face a esta nova realidade, a J.P. Morgan AM ajustou as suas carteiras. “Reduzimos risco progressivamente desde o início do ano e aumentámos a duration”, comentou a estratega. No rendimento fixo, mantêm preferência por crédito — tanto investment grade como high yield — e nas ações estão neutros.

A cautela também se estende às previsões de lucros empresariais. “Os resultados do primeiro trimestre foram sólidos, mas ainda não refletem o impacto das tarifas. Estamos um pouco mais prudentes do que o consenso nas nossas estimativas”, explicou Elena Domecq.

Neste ambiente, insistiu na importância de evitar decisões precipitadas. “A tentação do cliente é refugiar-se em monetários, mas os dados mostram que uma carteira 60/40 supera a liquidez na maioria dos contextos, mesmo após crises”, afirmou. “O erro é comparar-se com Buffett. O investidor médio tem objetivos financeiros concretos que não se atingem com o dinheiro parado”, concluiu.

Tendências de investimento: rotação para a Europa e alternativos

Elena Domecq identificou duas mudanças recentes na procura dos clientes. A primeira, uma maior inclinação para ações europeias, após anos de forte viés para os EUA. A segunda, um renovado interesse por estratégias alternativas, que permitem descorrelacionar carteiras e oferecer cobertura contra um eventual ressurgimento inflacionário. “Uma carteira multiativos hoje deve incluir obrigações, ações e gestão alternativa”, sublinhou.

Paralelamente, destacou o crescimento dos ETF de gestão ativa da casa. “Lançámos três novas estratégias na Europa, inspiradas em produtos de sucesso nos EUA, que combinam exposição a índices com geração de rendimentos via opções”, explicou.

Prudência, sim. Mas sem perder o horizonte de longo prazo

Apesar da volatilidade e da falta de visibilidade no curto prazo, a mensagem da J.P. Morgan AM é clara: não se deve agir por impulso nem abandonar os princípios fundamentais de investimento. “Estamos num cenário incerto, e não se trata de adivinhar o próximo movimento, mas de construir carteiras resilientes”, lembrou Elena Domecq.

Uma afirmação que encontra respaldo na experiência de mercado. A história mostra que, mesmo após grandes crises económicas ou geopolíticas, as carteiras diversificadas superaram largamente a liquidez em horizontes de um e três anos. O gráfico seguinte ilustra-o com clareza: manter-se investido foi, na maioria dos casos, uma decisão acertada e rentável.