Nas últimas semanas, várias gestoras internacionais alertaram para o risco de um erro de política monetária. Olhamos para três casos em que os bancos centrais estavam seriamente errados.
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Nas últimas semanas, várias gestoras internacionais alertaram para o risco de um erro de política monetária. É algo que os investidores temem especialmente porque, historicamente, teve efeitos muito importantes nos mercados. Hoje, a visibilidade é escassa. No caso do BCE, algumas entidades alertaram para este risco, afirmando diretamente que a sua presidente, Christine Lagarde, “não tem feito um grande trabalho na comunicação da posição do BCE”.
Assim o expressou Chris Iggo, diretor de Core Investments da AXA IM, para quem o mercado ficou com a ideia de que as taxas na Europa poderiam subir este ano. “Há uma grande variedade de opiniões sobre quando o primeiro movimento vai ocorrer. Há também a descrença entre os economistas de que o BCE está mesmo a contemplar uma subida das taxas”, reconhece. Um erro de política monetária pode vir de movimentos prematuros. E é isso que preocupa os investidores.
“Os bancos centrais têm diante de si um delicado ato de equilíbrio para não cometer um erro de política monetária. Subir as taxas demasiado (ou demasiado rápido) vai sufocar a economia, uma vez que as falências vão disparar (devido aos elevados níveis de dívida). Mas, por outro lado, a inflação poderá criar raízes se forem tomadas medidas demasiado lentas. A história mostra que a inflação pode ser tremendamente difícil de controlar quando ganha raízes”, disse Toby Gibb, responsável global de Ações da Fidelity International.
Os bancos centrais estão encurralados
No atual ambiente, é evidente que, depois de décadas a preocuparem-se com uma inflação baixa e não excessiva, os banqueiros centrais têm sido encurralados por persistentes aumentos de preços decorrentes da reabertura pós-COVID da economia global. Com uma inflação média de 7% nos EUA, 5,1% na zona euro, e 5,4% no Reino Unido, os investidores perderam a confiança de que este ressurgimento global da inflação é meramente transitório e fizeram disparar as yields da dívida pública com as obrigações do Tesouro dos EUA a 10 anos a atingirem máximos de dois anos em janeiro e com perdas também nos mercados de dívida corporativa.
“Os bancos centrais de hoje têm pouca margem de manobra. Arriscam-se a cometer um erro de política monetária potencialmente prejudicial em 2022”, alerta Gordon Shannon, gestor de carteiras na TwentyFour AM, filial da Vontobel AM. Como explica, se analisarmos alguns dos famosos erros de política monetária dos bancos centrais, podemos pôr em evidência alguns dos potenciais problemas.
2013: o taper tantrum da Fed
No rescaldo da crise financeira global, a Reserva Federal dos EUA apoiou os mercados ao comprar cerca de dois biliões de dólares de obrigações do tesouro e outros ativos financeiros. A utilização do quantitative easing (QE) como ferramenta política plurianual foi uma nova abordagem na altura que triplicou o tamanho do balanço anterior a 2008 da Fed.
Em maio de 2013, o seu então presidente, Ben Bernanke, sugeriu que a Fed começasse a abrandar o ritmo das suas compras. Não foi indicada qualquer data para a mudança, mas, como os participantes do mercado se tinham habituado ao apoio da Fed (ou talvez se tivessem tornado dependentes), os mercados obrigacionistas reagiram mal e as yields das obrigações do Tesouro a 10 anos subiram mais, atingindo 3% em setembro, quando estavam nos 1,92% antes dos comentários de Bernanke.
“As yields dos tresuries voltaram a níveis de pré-tapering relativamente rápidos – na verdade, caíram enquanto a Fed estava a levar a cabo o tapering entre dezembro de 2013 e outubro de 2014 – mas não antes de causar danos significativos, uma vez que a reação atingiu tudo, desde a dívida corporativa de invesment grade até às obrigações de mercados emergentes. A turbulência nos mercados provavelmente também persuadiu a Fed a adiar o início do tapering, um luxo que os bancos centrais nem sempre podem pagar”.
2008: a subida das taxas do BCE para o abismo
Julho de 2008 foi uma demonstração perfeita do que pode acontecer quando uma obsessão pela inflação domina a política do banco central. É provável que a crise financeira mundial ainda estivesse a começar nessa altura. No entanto, os mercados de crédito já tinham entrado em colapso e o crescimento económico na Europa não foi nada positivo. Tanto a Fed como o Banco de Inglaterra reagiram à crise incipiente aplicando vários cortes nas taxas de juro. No entanto, a inflação na zona euro situou-se nos 4%. Era o dobro do objetivo do BCE. Por isso, o seu presidente, Jean-Claude Trichet, decidiu aumentar as taxas base em 0,25%, para 4,25.
“Esta aparente indiferença à deterioração da situação financeira global deve-se principalmente à posição dominante da Alemanha no BCE e ao profundo medo da inflação no país, na sequência do episódio destrutivo de hiperinflação da República de Weimar na década de 1920. O BCE também ignorou que a inflação foi alimentada pela subida dos preços do petróleo, enquanto a inflação de base (a medida mais popular hoje entre os bancos centrais, que exclui a energia e a alimentação) foi inferior a 2%.Numa questão de dois meses, a economia global foi penalizada e o BCE rapidamente recuou, reduzindo a sua principal taxa de refinanciamento para 1% em meados de 2009”, recorda Shannon.
1929: o amor por ouro do Banco de Inglaterra
Por vezes, o erro político não é adotar ferramentas novas suficientemente rápidas. Nos tempos da Grande Depressão, o governador do Banco de Inglaterra, Norman Montagu, foi considerado habilidoso na antevisão de riscos. Soou o alarme nos anos 20 quando o mundo começou a ficar sem reservas de ouro. Também alertou para os perigos da bolha bolsista americana. No entanto, o seu legado histórico está manchado pela sua firme crença nos benefícios do padrão de ouro. Isto é: o apoio de todo o dinheiro papel usando o metal precioso.
“No início do século XX, todas as grandes economias do mundo eram governadas pelo padrão ouro. A rigidez deste sistema é hoje considerada uma causa fundamental da catástrofe económica que devastou a Europa e os EUA durante a Grande Depressão. Quando os investidores entraram em pânico e começaram a trocar dinheiro em papel por ouro, o Banco de Inglaterra corria o risco de ficar sem dinheiro. Em última análise, foi preciso o colapso nervoso de Montagu em 1931, para que o Reino Unido abandonasse o padrão ouro. Esta rutura com o metal dourado foi necessária para dar aos políticos as novas ferramentas necessárias para estimular as suas economias e retirá-las da Grande Depressão”.