Fed abre a porta a cortes de taxas em 2024: as primeiras reações

Jerome Powell.
Jerome Powell. Créditos: Cedida

Surpresa Dovish na Fed. O mercado previa um tom cauteloso por parte da Fed, mas a última reunião do ano tomou a direção oposta. De acordo com o mais recente gráfico de pontos, o banco central dos EUA planeia agora baixar as taxas de juro até 75 pontos base em 2024. A previsão é, agora, de que as taxas fechem em 4,6% no final do próximo ano. Tal representaria uma redução adicional de 25 pontos de base em relação ao previsto no anterior gráfico de pontos, apresentado em setembro.

Eric Winograd, economista-chefe da AllianceBernstein, é claro quanto às duas mensagens que a Fed está a enviar. "O ciclo de subidas terminou, a menos que haja uma surpresa significativa, e começa a contagem decrescente para o primeiro corte nas taxas", diz ele. "Parece que a Fed está a ter plenamente em conta o atual abrandamento da economia dos EUA (e da inflação) e um possível abrandamento que poderá mergulhar a principal economia do mundo numa recessão no início de 2024. Não esqueçamos que 2024 é um ano de eleições...", afirma John Plassard, da Mirabaud.

Risk on nos mercados

A projeção mais acomodatícia da Fed ainda está aquém dos quase cinco cortes de taxas de 25 pontos do mercado, mas, na opinião de James McCann, economista-chefe adjunto da abrdn, a reviravolta nesta reunião é suscetível de encorajar os investidores que, nos últimos meses, duvidaram da mensagem da Fed de taxas mais elevadas durante mais tempo, à medida que vemos sinais de abrandamento da inflação e arrefecimento do crescimento.

E, de facto, foi isso que vimos na primeira reação do mercado. "Brusca", como diz David Page, diretor de Análise Macro da AXA IM. "As taxas de curto prazo moveram-se para refletir no preço mais cortes", resume. Dado o modo que o mercado está a descontar, a Fed começaria a cortar em março, depois de as taxas terem movido 10 pontos base após o discurso de Powell. "O contrato de novembro sugere agora taxas em torno dos 4% (mais de 5 cortes), tendo caído 30 pontos de base", salienta Page.

Tanto as obrigações como o mercado de ações entraram em modo de risk on. Dois ativos que Page destaca: a yield do Tesouro dos EUA a 2 anos caiu 21 pontos base para 4,46% e a de 10 anos caiu 13 pontos base para 4,03%. Ao mesmo tempo, o dólar caiu acentuadamente 1% e o S&P 500 estabeleceu um novo recorde, ultrapassando brevemente os 4.700 pontos antes de recuar para se fixar 1% acima.

Novas projeções económicas

Também atualizaram as projeções económicas (as SEP, Summary of Economic Projections). A previsão mediana para a taxa de desemprego manteve-se inalterada em 4,1%, mas o PIB real em 2024 foi revisto de 1,5% em setembro para 1,4% e o IPC subjacente foi revisto em baixa de 2,6% em setembro para 2,4%. Por outras palavras, prevêem um ano de 2024 ligeiramente melhor do que o anterior. "A Fed parece cada vez mais confiante numa aterragem suave no próximo ano. As projeções económicas dos responsáveis da Fed mostram que eles esperam que a inflação desça significativamente, com uma taxa de crescimento apenas ligeiramente abaixo da tendência e um desemprego semelhante à tendência", interpreta Tiffany Wilding, economista da PIMCO.

"A cereja no topo do bolo do SEP foi o comentário de Powell, na conferência de imprensa, de que os cortes nas taxas são algo que está a começar a fazer parte do horizonte e que este é claramente um tópico de discussão", acrescenta Sonia Meskin, economista macro dos EUA na BNY Mellon IM, nesse sentido.

"Olhando para as projeções económicas atualizadas, parece que os bancos centrais podem ter-se tornado mais confiantes de que as suas anteriores subidas de taxas acabarão por reduzir a inflação; as suas previsões para o próximo ano e para 2025 foram reduzidas", comenta Christian Scherrmann, economista norte-americano da DWS. E Whitney Watson, corresponsável e co-CIO de Soluções de Rendimento Fixo e Liquidez na Goldman Sachs AM, acredita que a Fed pode terminar o seu ano com um ligeiro sentimento de satisfação, uma vez que a inflação subjacente desceu do seu pico de 6,6% para 4%, sem um abrandamento importante da economia ou um aumento acentuado do desemprego.

Começam as apostas: quando e quanto?

Agora que a Reserva Federal moveu a balança na direção exigida pelo mercado, começam as apostas sobre quando começarão os cortes nas taxas de juro nos Estados Unidos. Existe uma grande variedade de opiniões entre as gestoras de ativos internacionais quanto ao grau de acomodação que a Fed poderá ou não ter em 2024. Por exemplo, Paolo Zanghieri, economista sénior da Generali Investments, acredita que esta reunião confirma a sua opinião de um corte de 100 pontos base no próximo ano. "Prevemos o primeiro corte em maio, quando a Fed tiver provas suficientes de desinflação", afirma.

Em contrapartida, Keith Wade, economista-chefe e estratega da Schroders, defende que a Fed será o último grande banco central a cortar as taxas (atrás do BCE e do BoE). "De facto, adiámos as nossas expetativas e esperamos agora um primeiro corte nas taxas por parte da Fed em setembro de 2024, com as taxas a caírem 200 pontos base para 3,5% em 2025, um pouco mais tarde do que o mercado atualmente desconta", afirma.

O que é consensual entre as entidades gestoras estrangeiras é que não assistiremos a um ciclo de redução das taxas tão agressivo como o que o mercado está atualmente a descontar. "O tipo de flexibilização agressiva que o mercado está a prever (bem mais de 100 pontos base no próximo ano, com início já em março) exigiria uma aceleração da desinflação e fortes indícios de fragilidade económica. Nenhuma delas é evidente neste momento, e penso que seria necessário algo muito dramático para que a Fed decidisse reduzir as taxas de acordo com o atual calendário do mercado", argumenta Winograd.