João Caldeira: “As alterações procuram combater o facto de as sociedades cotadas estarem muitas vezes orientadas para resultados de curto prazo”

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Cedida

As alterações à Diretiva dos Direitos dos Acionistas representam a “constatação de que a gestão das sociedades cotadas contribuiu de uma forma relevante para a crise de 2008, em resultado da forma agressiva com que algumas empresas, fundos de investimento e instituições financeiras intervieram no mercado imobiliário”, introduz João Caldeira, sócio fundador da CMS Rui Pena & Arnaut. Em conversa com a Funds People o advogado propôs-se a dissecar os diferentes vectores das alterações à diretiva indicada que impactam as operações de acionistas relevantes das sociedades cotadas, como os investidores institucionais e os fundos de investimento, entidades que se destacam pelo peso que habitualmente têm no capital destas sociedades. Falamos de uma diretiva de 2007, que regula o exercício por parte dos acionistas de determinados direitos em sociedades cotadas, impactando a forma como os acionistas podem e devem participar nas assembleias gerais. As alterações deverão ser aprovadas nos próximos meses e entram imediatamente em vigor, estando previsto um prazo de dois anos para a transposição para os respectivos estados membros.

Para João Caldeira, as alterações procuram combater o facto de as sociedades cotadas estarem muitas vezes orientadas para resultados de curto prazo, maximização do lucro e/ou para políticas de distribuição de dividendos agressivas, “não dando o devido peso a preocupações de médio e longo prazo, em aspectos não puramente financeiros e que se relacionam com a sustentabilidade das empresas”, quando “vemos frequentemente uma falta de acompanhamento que os acionistas das sociedades cotadas têm da sua gestão”.

Eis os cinco vectores essenciais desta proposta de alteração, segundo o sócio da CMS Rui Pena & Arnaut:

1. Reforço do envolvimento dos acionistas na vida das sociedades e no controlo da gestão

O advogado destaca três medidas no sentido do cumprimento deste objetivo. Por um lado cria-se a possibilidade das sociedades cotadas acederem à identidade de todos os seus acionistas: “vão ser criados mecanismos que garantam isso mesmo e que ultrapassam o problema gerado pelo facto da detenção de ações ser muitas vezes efectuada por uma cadeia de intermediários financeiros, que impossibilita saber quem são os reais acionistas, tendo sempre em consideração as preocupações ao nível do tratamento dos dados”.

Em segundo lugar, vai existir “uma obrigação, por parte das entidades financeiras custodiantes, de transmitir efetivamente a informação relevante para que os acionistas possam acompanhar a atividade das sociedades cotadas”.

Por fim, há a preocupação de garantir que os intermediários financeiros facilitam o procedimento de participação dos acionistas nas assembleias gerais e de exercício do direito de voto, a par da regulação do nível de custos cobrado para o efeito. “Embora isto tenha sido já realizado em muitos dos ordenamentos, nesta revisão vai-se um pouco mais longe neste capítulo”.

2. Incentivar o envolvimento dos acionistas na vida das sociedades cotadas com uma perspetiva de médio/longo prazo e no controlo da gestão

“Embora os investidores institucionais e os gestores de ativos sejam de algum modo ativos atualmente, não basta participar e votar. É preciso conhecer a sério as empresas, qual é a sua estratégia, não só no curto prazo, mas também numa perspectiva de sustentabilidade a longo prazo”, salienta João Caldeira.  

Neste sentido vai haver uma obrigação, por parte dos gestores de ativos e investidores institucionais, de disponibilizar uma publicação anual gratuita em que está patente a sua política de investimentos. “Uma política de investimentos que seja completa e detalhada, onde estejam perceptíveis os objetivos, em que medida estão a investir na empresa, quando e se pensam sair, em que circunstâncias, o que esperam da sociedade cotada, entre outros detalhes”, descreve. Destaca, no entanto, que “esta é uma obrigação que tem uma natureza muito especial, já que os investidores podem não definir esta política de investimento, embora tenham que, nesse caso, explicar porque não o fizeram”.

Para o especialista, este vector representa um estímulo à transparência. “À medida que alguns investidores adiram a esta divulgação, outros deverão acompanhar”, remata.

3. Reforço do controlo dos acionistas sobre a política de remuneração da gestão das sociedades cotadas

Como destaca o profissional, este vector almeja alinhar os objetivos da gestão das sociedades cotadas com resultados sustentáveis e de longo prazo, baseando os critérios de remuneração em factores que não sejam puramente financeiros. “Vai implicar um controlo prévio e subsequente da remuneração da gestão por parte do acionista, sendo definida uma política de remuneração detalhada, com as diversas componentes fixas e variáveis e as respetivas métricas de cálculo, sujeita a aprovação na assembleia geral”, explica.

“Embora já exista algum tipo de regulação neste campo, no código de corporate governance da CMVM de 2013, por exemplo, estas são meramente soft rules, recomendações, e não impõem consequências ao nível do incumprimento. Estas alterações vão mais longe. Está a dar-se à assembleia geral o poder para aprovar a política de remunerações”, refere o especialista. Este destaca também que o voto na assembleia pode ter uma natureza vinculativa ou não, dependendo da forma de transposição por parte dos estados membros. No entanto, não sendo vinculativo, “a sociedade cotada terá que submeter todos os anos uma nova política de remuneração e sujeitá-la a voto na assembleia geral”.

4. Controlo das transações com partes relacionadas

Este ponto procura regular as transações que muitas vezes as sociedades gestoras, por exemplo, têm com partes relacionadas, seja a casa mãe - muitas vezes um banco - seja uma subsidiária, da qual podem ou não ser acionistas maioritários. “Muitas dessas transações são muito significativas em termos de valor e há uma preocupação em verificar se implicam uma transferência de valor entre as sociedades com prejuízo para os acionistas”, descreve João Caldeira. “Vai haver uma obrigação de publicitação, com base em critérios de materialidade, daquelas que são as transações com entidades relacionadas em cada ano. Os estados membros vão ter alguma liberdade na transposição da forma de aprovação dessas transações. Podem ser aprovadas por um órgão de administração ou pela assembleia geral, podendo, eventualmente, ser necessário a produção de um relatório com a análise e justificação da transação”, explica.

5. O papel das consultoras para investimento em matéria de voto

“Muitas vezes, os investidores confiam a consultoras a análise e decisão do sentido de voto. Neste sentido, vamos ter uma obrigação do lado das consultoras muito semelhante à prevista no ponto #2. Falo de uma obrigação de publicar o código de conduta, que define um conjunto de regras que asseguram que a análise é adequada, compreensiva, séria e credível e que explica como é que esse código de conduta está a ser cumprido. Mais uma vez, esta é uma obrigação de ‘comply or explain’. Se não cumprem, têm que explicar porque não o fazem”, descreve o especialista.

Impacto das alterações?

João Caldeira considera que as alterações à diretiva são positivas, “considerando que um dos problemas das sociedades cotadas é o distanciamento entre a gestão e os acionistas que de facto detêm o controlo, muitas vezes por falta de interesse dos próprios acionistas na vida das sociedades”. O profissional considera  que representam um estímulo para “uma crescente preocupação em criticar a gestão, em olhar para as decisões e analisar o positivo e o negativo”.

Conclui, afirmando categoricamente: “Enquanto não houver um controlo mais eficaz, são os gestores que decidem com total liberdade e um enfoque no imediato e nos reflexos que as decisões têm na remuneração, em detrimento do enfoque na vida das empresas, no seu valor, não só no presente mas também no futuro”.