João Pina Pereira (GNB Gestão de Ativos): “Fundos domésticos e internacionais deveriam ser colocados no mesmo pé de igualdade em termos de fiscalidade”

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João Pina Pereira. Créditos: Vítor Duarte

A GNB Gestão de Ativos conta com João Pina Pereira como CEO da gestora desde 2018, embora o seu percurso na entidade seja muito anterior a essa data. Conhece muito bem a casa que comanda e, por isso, numa entrevista à FundsPeople colocou em cima da mesa as suas ambições, mas também as estratégias que estão a colocar em prática atualmente.

Crescer na área de fundos mobiliários continua a ser um dos grandes desejos do responsável.  “A nossa grande ambição é crescer em termos de quota de mercado de fundos mobiliários. A nossa quota situa-se nos 4,5%, e o desafio é aproximarmo-nos de uma quota mais natural, que reflita o número de clientes que existe no novobanco”, referiu. A próxima etapa é, portanto, ultrapassar os 5% de preponderância de mercado. Contudo, aproximarem-se cada vez mais dos 10%, é o que na sua perspetiva reflete melhor o potencial da entidade.

Como para muitas outras casas gestoras, a COVID-19 trouxe as suas marcas. Recorda o lançamento de uma gama de três fundos balanceados há dois anos, que define como o principal cavalo de batalha da casa hoje em dia. “A COVID-19 foi um percalço para estes fundos, pois quando a pandemia surgiu tinham pouco histórico, e a recuperação das quedas de março de 2020, em termos de volumes sob gestão custou mais a fazer-se”, recorda agora. Dois anos depois, os fluxos para estes fundos começam a ser mais simpáticos, e João Pina Pereira explica o porquê de os considerar produtos impulsionadores da casa. “São o nosso cavalo de batalha porque entendemos que uma das nossas grandes valências é a capacidade de asset allocation. A capacidade de escolha da classe de ativos no momento adequado é aquilo que nos define”, afiançou.

Progressivamente artigo 8º

A gama de fundos da entidade é, em termos genéricos, para manter estável, mas existem mudanças provenientes das exigências da SFDR, e do mundo ESG. “Na GNB GA cada vez iremos ser mais artigo 8º, mas há certos nichos de mercado em que não iremos passar por essa classificação”, evidenciou o profissional. Nesse sentido, exclui integrar nesse artigo por exemplo o fundo de ações portuguesas que gerem ou os produtos mais de curto prazo da casa. “Não faz sentido serem catalogados dessa forma”, elucida.

Por agora, os planos são formalizar a passagem de dois fundos para o artigo 8º da SFDR. João Pina Pereira explica que um desses produtos é um fundo de pensões de ações europeias, que veem já como cumpridor de critérios de sustentabilidade. “Fomos, por curiosidade, ver quais os scores das ações deste fundo em termos de sustentabilidade recorrendo a um dos fornecedores de mercado. De 0 a 100, o score de sustentabilidade mostrou-nos uma pontuação de 72. Concluímos então que é já um score médio bastante elevado, sem termos feito qualquer tipo de enviesamento para empresas com maior score ESG”, revela.

O outro fundo que formalmente será integrado no artigo 8º é o NB Momentum Sustentável, que há 12 meses sofreu alterações de política de investimento. “É claramente um fundo artigo 8º, embora no seu prospeto ainda não esteja referido explicitamente que o é”, analisa.

Em termos gerais, o CEO entende que a política de sustentabilidade da casa em termos de produto será a definição de produtos entre o artigo 6º e o artigo 8º. É contundente: “Será muito difícil para nós termos um fundo artigo 9º. Achamos que uma empresa pequena à escala global, como é o caso da nossa, não pode ter quaisquer veleidades de querer fazer o que é feito num fundo com artigo 9º”, revela. Deste modo, resume a estratégia: “Na nossa oferta, creio que progressivamente vários fundos passarão a ser inseridos no artigo 8º”.

Esta definição estratégica acaba por estar relacionada com o próprio entendimento que a entidade tem do mercado. Na opinião do CEO, a dimensão da gestora - ou até de outras nacionais - não permite “ter uma voz relevante em qualquer tipo de assembleia de voto”, nomeadamente em ações de lobbying sobre determinado tema.

Concorrência externa

Quando o responsável olha para o percurso da indústria nos últimos anos, aponta sem dificuldade um fator que a tem vindo a moldar: a concorrência externa. Se há 10 ou 20 anos os fundos domésticos dominavam o mercado nacional, hoje em dia o rácio na colocação de fundos é equilibrado entre produtos domésticos e internacionais. “Na minha perspetiva de produtor de fundos, a questão da concorrência é boa e é má”, começa por dizer. Mais concorrência significa que “para o mesmo bolo teremos vários e diferentes agentes a competir”, mas, ao mesmo tempo,  entra na equação “o fator de crescimento desse bolo”.

Na opinião de João Pina Pereira, a abertura de mercado à concorrência externa foi uma faca de dois gumes. “Trouxe-nos um desafio interno, mas também fez com que mais aforradores começassem a olhar para fundos de investimento. A concorrência para o mesmo bolo foi maior, mas o bolo também cresceu. Para nós o balanço é mais positivo do que negativo”, atesta.

Diferenças de tratamento fiscal

Embora a concorrência não tenha de todo sido negativa, existem aspetos menos bons no tratamento fiscal e regulatório que, para o CEO, continuam a ser prejudiciais para a indústria nacional. Logo à cabeça, frisa o diferente tratamento fiscal no resgate de fundos. “Quando se pede um resgate num fundo doméstico, depois de ser realizada uma mais-valia, é-se taxado a 28%; no caso dos fundos internacionais, as mais e menos valias são tratadas como no investimento em ações e obrigações”, aponta.

O profissional recorda que esta é uma diferença que pode até ser benéfica para alguns investidores, que aquando da sua declaração fiscal não querem estar sujeitos a confusões entre mais e menos valias, mas que genericamente é prejudicial. “Do ponto de vista meramente financeiro é mais atrativo ter um produto onde se possa equilibrar as mais e menos valias. Existe uma clara disfunção do sistema, algo que agora voltou a ser debatido por causa do orçamento de estado”, diz João Pina Pereira. Para o responsável é inequívoco: “Fundos domésticos e internacionais deveriam ser colocados no mesmo pé de igualdade em termos de fiscalidade”.

Mas esta não foi a única diferença de tratamento fiscal que quis apontar. João Pina Pereira coloca em cima da mesa a diferente fiscalidade entre produtos de seguradoras - como os unit linkeds - e os fundos mobiliários. “Para mim, é tão importante ter o dinheiro aplicado num produto de uma seguradora durante oito anos, como num fundo de investimento mobiliário; ainda para mais quando dentro dos unit linked estão muitas vezes fundos nacionais ou internacionais”, coloca. A poupança é, para si, algo que deveria ser democratizado. “Achamos que deveria haver este incentivo fiscal para qualquer poupança de médio ou de longo prazo”, entende. Ainda neste campo da diferenciação de tratamento fiscal, o profissional não esqueceu de apontar a questão do trespasse entre fundos de investimento que é possível em Espanha, mas não em Portugal. “Dentro de um unit linked isso de alguma forma pode ser feito, mas em termos genéricos, ao nível dos fundos de investimento, não. A poupança de médio e longo prazo deve ser tratada da mesma forma em termos fiscais”, concluiu o CEO.