Numa parceria entre a GAM e a APAF, Michael Biggs, estratega macro da equipa de dívida emergente da casa, apresenta o conceito por si desenvolvido de “credit impulse” e a sua melhor correlação com a evolução do PIB do que o crescimento do crédito per si.
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Michael Biggs, estratega macro e gestor de investimentos na GAM, num evento em parceria com a Associação Portuguesa de Analistas Financeiros (APAF), à qual preside Manuel Puerta da Costa, abordou alguns conceitos pré-concebidos e muito estabelecidos, apresentando uma forma diferente de olhar para o endividamento e evolução das economias.
“Os ciclos económicos têm fases específicas que o consenso de mercado tende a não entender, e porque o mercado não os entende da forma mais acertiva, tende a cometer erros sistemáticos nas suas previsões. Se os erros são sistemáticos, são também previsíveis, e se são previsíveis, é, de alguma forma, possível antecipar alguns desses erros e adequar o posicionamento dos investimentos.”, introduz o profissional da casa de investimentos que para além de independente, se pauta pela sua matriz suíça mais conservadora. Biggs aponta alguns casos nos quais o mercado tem uma tendência para cometer erros sistemáticos. Destaca, por exemplo, que “o mercado frequentemente confunde mudanças nos preços relativos com inflação”, ou que os investidores “tendem a procurar adquirir crescimento ao invés de retornos de capital”. Mas o factor que o profissional veio a Portugal desenvolver e que considera que tem sido crítico nos últimos anos, é o facto de que “o mercado não entende fundamentalmente a relação entre a despesa privada e o crédito”.
O especialista opina que uma pessoa atenta aos mercados nos últimos cinco anos terá ouvido certamente afirmações como, “este país está a desalavancar-se, pelo que o crescimento da despesa será menor”, ou no sentido oposto, que “neste país o crescimento do crédito tem sido forte, pelo que o crescimento da despesa será elevado”. Não obstante, é decisivo na análise a estes comentários: “De um ponto de vista histórico, estes comentários estão errados. Embora possa parecer contraintuitivo, é possível uma economia que apresente forte endividamento, registar um crescimento do crédito favorável à evolução da economia, ou seja, a registar uma velocidade de desalavancagem menos negativa”.
A matemática é simples: “Imaginemos uma economia com uma receita anual de 100 unidades monetárias. No ano 1, resolve reduzir o endividamento em 10 unidades, podendo então gastar 90. Se no ano 2, a redução do endividamento for apenas de 5, esta economia hipotética poderá gastar 95 unidades, o que representa um potencial gasto de 5 unidades mais que no ano 1, mesmo com o crédito em contração”. Basicamente, o que o profissional aponta é que o crescimento ou a contração do crédito não é o factor determinante e não mostra uma correlação com o PIB (crescimento efectivo da economia), como mostra a velocidade ou a medida a que varia esse crescimento do crédito, conceito que batizou de “credit impulse”.
O gráfico seguinte mostra, exatamente, como o credit impulse se move em consonância com o crescimento da procura do sector privado nos EUA ao longo dos últimos 80 anos.
No entanto, Michael Biggs ressalva que isto não quer “dizer que o crédito deva ser a única variável a ter em conta”. Contudo a sua boa interpretação, assim como da sua evolução e da intensidade da variação, permite ter uma ideia mais concreta da evolução da despesa privada.
Novamente no caso dos EUA, nos gráficos seguintes é evidente a maior correlação do credit impulse com a despesa privada (do lado direito), em detrimento do crescimento do crédito per si (no lado esquerdo).
O profissional exemplifica com o processo de desalavancagem das famílias que se deu nos EUA durante os anos pós 2009: “Na altura, a convicção era de que, se as famílias se estavam a desalavancar, o crescimento da procura seria fraco, mas na verdade, à medida que a desalavancagem foi abrandando, o credit impulse subiu e a despesa privada foi melhor do que o esperado, com o sector do consumo discricionário a comportar-se melhor que os restantes”.
O caso português
No caso nacional, o que vimos depois de 2008 foi uma contração do crédito na economia para -4% em 2012, medida que se manteve negativa desde então. No entanto, o crescimento do crédito inverteu a tendência no início de 2013 e à medida que essa variável foi invertendo a tendência, o credit impulse regressou a terreno positivo e a economia registou uma recuperação. “Se em dois anos a velocidade do crescimento do crédito (credit impulse) continuar a estabilizar e evoluir progressivamente para 0%, Portugal poderá apresentar crescimento, já que uma das necessidades para se impulsionar o mesmo é precisamente um ritmo mais lento de desalavancagem”, conclui.