O BCE inclui as alterações climáticas entre as considerações para as suas compras: reações das gestoras

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Créditos: Aniket Bhattacharya (Unsplash)

Viragem verde do BCE.  O Conselho da instituição decidiu dar mais passos para a integração das considerações sobre as alterações climáticas no quadro da política monetária. O objetivo é duplo: por um lado pretende ter mais em conta os riscos financeiros relacionados com o clima e, por outro lado, pretende apoiar a transição verde da economia em conformidade com os objetivos da UE em matéria de neutralidade climática.

Especificamente, o BCE decidiu “ajustar as participações em obrigações corporativas nas carteiras de política monetária do Eurosistema e o seu enquadramento colateral e introduzir requisitos de informação sobre o clima e melhorar as suas práticas de gestão de riscos”, lê-se na nota emitida pela autoridade monetária. “Com estas decisões, estamos a transformar o nosso compromisso de combater as alterações climáticas em ações reais”, disse a sua presidente, Christine Lagarde.

As medidas na prática

Participações em obrigações corporativas: O Eurosistema orientará as suas participações para os emitentes com melhor desempenho climático, reinvestindo os reembolsos significativos esperados para os próximos anos.

Enquadramento das garantias: O Eurosistema limitará a proporção de ativos emitidos por instituições com uma elevada pegada de carbono que pode ser usada por contrapartes individuais quando forem entregues como garantia ao Eurosistema. Inicialmente, o Eurosistema aplicará estes limites apenas aos instrumentos de dívida negociáveis emitidos por empresas fora do setor financeiro (sociedades não financeiras). Outras classes de ativos podem cair no regime de limites à medida que a qualidade dos dados climáticos melhora.

Requisitos de divulgação climática para garantias: o Eurosistema aceitará como garantia nas operações de crédito do Eurosistema (quando a diretiva estiver totalmente implementada) apenas ativos comercializáveis e ativos de empresas e prestatários que cumpram a Diretiva de Informação de Sustentabilidade das Empresas (CSRD).

Reações das gestoras

A indústria da gestão de ativos congratula-se com a iniciativa de Frankfurt. No entanto, existem algumas dúvidas. Segundo Irina Kurochkina, gestora de obrigações da Aegon AM, a implementação da nova medida deverá ser gradual, de modo a não interferir com o mandato principal do banco central para manter a estabilidade dos preços na zona euro.

“O BCE pretende usar esta nova ferramenta de tilting para induzir a descarbonização para um emitente se manter elegível para a carteira do BCE, mas também promete ser gradual, pelo que o impacto nos preços das obrigações imediatamente após o lançamento da nova ferramenta não deve ser substancial”, explica.

Como resultado deste anúncio, é provável que a procura de obrigações emitidas por empresas alinhadas com os objetivos climáticos aumente, o que poderá motivar os gestores a adotarem o mesmo modelo climático para construir as suas carteiras de obrigações corporativas, tanto para o ESG como para as estratégias de investimento tradicionais.  No entanto, a questão mais importante, segundo Irina Kurochkina, é como é que o BCE avaliará exatamente o perfil climático de uma empresa. "Em particular, no que diz respeito aos emitentes corporativos, continuam a existir grandes dificuldades com os dados (geralmente auto-reportados) e falta de transparência e normalização", diz.

Para Katharine Neiss, responsável de Economia Europeia da PGIM Fixed Income, as alterações anunciadas confirmam que o BCE é uma das principais instituições centrais na integração das considerações climáticas nas suas políticas. "Dito isto, a autoridade monetária está legitimamente a desempenhar um papel complementar e não um papel de liderança nas alterações climáticas, dado o seu mandato de estabilidade de preços", observa.

"Ao alinhar-se com as metas do governo, dando o exemplo e incentivando os planos de investimento empresarial a serem consistentes com as metas climáticas acordadas, o impacto positivo irá aumentar ao longo do tempo", continua. Mas, segundo Katharine Neiss, as medidas anunciadas são simplesmente demasiado limitadas em relação à dimensão do desafio climático e não devem ser vistas como um substituto da quantidade substancial de investimento público e privado exigida.

Os bancos centrais não podem fazer muito sozinhos

Embora a iniciativa do BCE seja um passo na direção certa, os bancos centrais não podem fazer muito para enfrentar as alterações climáticas dentro do seu mandato limitado. Esta é a opinião de Silvia Dall'Angelo, economista sénior da Federated Hermes, que acredita que cabe, em última análise, aos políticos apresentar planos concretos para combater seriamente as alterações climáticas e as suas implicações.

"Os governos devem liderar a transição verde, recorrendo à regulação e aos incentivos, coordenando-se globalmente para garantir uma ação coerente (por exemplo, no que diz respeito à fixação de preços de carbono) e uma transição justa e inclusiva, e garantir que o setor privado está a par de parcerias e projetos conjuntos. É verdade que, no atual ambiente de elevados preços dos combustíveis fósseis e de uma preocupação esmagadora com a segurança energética a curto prazo, esta é uma tarefa particularmente difícil."