A ação climática, as causas sociais e de boa governança são objeto de análise e debate um pouco por todo o mundo e, portanto, nos mercados financeiros não poderiam ser, senão, uma prioridade. Todos consideram imperativo que essas causas influenciem, cada vez mais, a tomada de decisão aquando da composição de uma carteira. No entanto, Joel Carvalheira, João Zorro, Ricardo Duarte Silva e Ramón Carrasco, presentes nesta conversa, não escondem uma certa frustração pela complexidade e, porventura, sobreposição da regulamentação que abunda sobre esta matéria, bem como as discrepâncias de dados entre os diversos fornecedores. Num evento promovido pela Carmignac e focando no mercado de rendimento fixo, os quatro gestores contam como está a ser o processo de integração de políticas ESG e investimento sustentável por parte de cada uma das gestoras.
O lado verde do mercado de rendimento fixo
Em termos de integração de políticas ESG, Joel Carvalheira afirma que a entidade tem uma política de investimento dedicada à sustentabilidade, com limites concretos no que respeita às classificações ESG. No entanto, o gestor é bastante assertivo ao afirmar que o facto de ter uma boa classificação, por si só, não significa que o título se enquadre na sua carteira. “Temos, também, de combinar o risco de crédito, a valorização dos títulos, o spread, a perspetiva de investimento e o setor em que opera. Por isso, misturamos tudo para obter, de facto, uma pontuação que agregue métricas financeiras e também de ESG”, explica. Joel Carvalheira afirma que, nesta matéria, está mais atento às emissões de empresas do que às de dívida pública, devido a uma maior disponibilidade de dados.
O gestor não tem dúvidas e diz que é fundamental que se mudem hábitos individual e coletivamente. Isso aplica-se, diz, “especialmente às empresas e, de certo modo, aos países, apesar de que os países e as empresas têm métricas diferentes e as primeiras serem alvo de maior escrutínio”, refere.
Porém, para o gestor da Caixa GA, as permanentes mudanças e imensa regulação em torno da sustentabilidade, acabam por levantar mais dúvidas do que as que, por vezes, esclarecem, o que se traduz num enorme desafio. “Seria importante a harmonização de conceitos para perceber como podemos evoluir”, conclui.
1/4João Zorro, da GNB GA, confirma a utilização de critérios ESG na construção de carteiras de títulos de dívida e conta que a gestora se encontra na fase final de preparação de uma metodologia adequada, que adapte esses critérios às exigências específicas da entidade. Ainda assim, mostra prudência nos passos a seguir “para não se cair numa armadilha e para que, de repente, não se esteja a praticar greenwashing de forma não intencional”, alerta o gestor.
Ainda que considere imperativo a aplicação dessas políticas e de forma permanente, o gestor está consciente das exigências do processo, também ao nível financeiro. “Todas estas coisas, no final do dia, significam mais custos”, refere e explica o porquê: “Temos de contratar consultores, temos de contratar agências de notação, ou seja, no final do dia, há uma mudança na nossa metodologia e no nosso fluxo de trabalho”.
2/4O gestor da CA Gest afirma que a entidade adotou uma metodologia ESG no processo de investimentos e, tal como anteriormente mencionado, com um foco no lado de dívida corporativa devido à maior disponibilidade de dados. Essa metodologia assenta, sobretudo, “numa mistura de critérios que engloba a exclusão automática de alguns setores mais controversos”, explica.
Aponta, igualmente, as mudanças constantes na regulação como um dos maiores desafios do investimento sustentável. “É muito difícil a adaptação”, diz, “principalmente, quando se trata, como nós somos, de um pequeno operador”, acrescenta.
Outra das adversidades, segundo o gestor, prende-se com os diferentes critérios de avaliação por parte dos mais diversos fornecedores de ratings. O gestor atesta que, “por vezes, é difícil perceber por que razão um fornecedor de dados apresenta uma determinada classificação e outro uma totalmente diferente”.
3/4Por fim, segundo a opinião de Ramón Carrasco, a adoção de políticas ESG não é, propriamente, algo novo para a gestora de ativos francesa que representa. Para o justificar, o gestor dá o exemplo do que acontece no mercado francês há mais de duas décadas, onde a ação governativa tem acompanhado a adoção dessas políticas de forma muito próxima. “Temos fundos classificados como artigo 8º e 9º e, além disso, temos o certificado de investimento responsável francês”, conta. O gestor explica que há, há várias décadas, um departamento ministerial dedicado à análise e confirmação da implementação de políticas ESG e sustentabilidade, que atribui um certificado que o comprova, anualmente. Desta forma, o diretor da Carmignac considera que esta constância e rigor têm trazido consistência e transparência aos portefólios, na ótica da sustentabilidade.
“Podemos dizer que integramos ESG na nossa análise, que não temos qualquer tipo de greenwashing e que continuaremos a seguir o regulamento francês, mesmo a par de outros regulamentos locais, nomeadamente, o luxemburguês e SFDR”, refere. Com respeito a este último, o diretor deixa ainda nota sobre algumas limitações na constituição de carteiras de rendimento fixo, especifica e exclusivamente de dívida pública, que atendam aos critérios exigidos pelo artigo 8º do SFDR. “É altamente improvável que um fundo, exclusivamente, de dívida pública, seja classificado como artigo 8º”, conclui.
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