O mercado não quer uma nova presidência peronista na Argentina. Mas porquê? As gestoras explicam

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Carlos Shibata, Flickr, Creative Commons

O país latino-americano celebrou no passado fim-de-semana as suas primárias e o resultado das mesmas não agradou nada aos investidores. “As eleições presidenciais primárias celebradas na Argentina durante o fim-de-semana trouxeram um resultado surpreendentemente bom para o principal candidato da oposição, Alberto Fernández. O candidato de Cristina Fernández Kirchner, Alberto Fernández, ganhou 47,7% dos votos, significativamente à frente do candidato do atual presidente Macri, Pichetto, que obteve 32,1%”, afirma Edwin Gutierrez, diretor de dívida soberana de mercados emergentes da Aberdeen Standard Investment. Diferença, portanto, muito superior aos oito pontos dados pelas sondagens (e que o mercado esperava).

Embora se tratem apenas das primárias, o mercado começou a descontar uma clara vitória da frente peronista liderada por Alberto Fernández e Cristina Kirchner nas eleições presidenciais que se celebrarão na Argentina no final do mês de outubro e a reação do mesmo tem sido o mais negativa. “As reações falam por si: o peso argentino colapsou cerca de -20% vs o dólar (até mínimos históricos), a bolsa de Buenos Aires abriu a cair cerca de -10% (maior colapso em 11 anos) e as apostas num default da dívida soberana subiram. Do movimento dos CDS (Seguros de incumprimento) da sua dívida, podemos extrair que cerca de 70% dos investidores prevê um incumprimento durante os próximos 5 anos, face aos 49% previstos há uns dias”, aponta Felipe Gálvez do Self Bank, ao  mesmo tempo que recorda o colapso sofrido na sessão de ontem dos títulos espanhóis com mais elevada presença na Argentina, como a Prosegur ou o BBVA.

As razões de semelhante colapso são simples. Tal como explica Andressa Tezine, analista sénior de dívida da Fidelity, a “Argentina encontra-se em recessão e o peso perdeu metade do seu valor face ao dólar desde o ano passado. O país tem uma das taxas de inflação mais altas do mundo, embora se tenha reduzido recentemente depois de alcançar um máximo de 57,3% em maio. Os mercados esperavam que as reformas pro-mercado de Macri animassem os investimentos internos na Argentina. No entanto, os resultados indicam que o país poderá voltar a políticas como o controlo da dívida e do capital, a reestruturação da dívida e o aumento  dos subsídios”.

Na mesma linha pronuncia-se Dorothea Fröhlich, gestora da MainFirst, que considera que “a atenção se centrará agora na retórica da oposição tendo em vista as eleições gerais. A sua forte liderança nas primárias, combinado com a melhoria da economia, leva-nos a esperar um comportamento moderado e racional. Alberto Fernández ainda não fez grandes comunicações acerca dos seus planos para a economia, mas declarou que tem “vontade absoluta de pagar” a dívida externa. No entanto, também diz que planeia renegociar com o FMI os termos da devolução do dinheiro emprestado pelo organismo ao país”.

No entanto, o resultado das primárias da Argentina não foi o único que colocou em check o temperamento dos investidores já que o seu nervosismo aumentou depois de conhecido o encerramento do aeroporto de Hong kong (já reaberto) pelo motivo dos protestos que estão a ter lugar na cidade. Isto demonstra uma vez mais o impacto que os riscos geopolíticos têm no mercado e sobretudo que se espera que continuem a ter neste segundo semestre do ano.

Voltando ao caso argentino, fica por perceber se o impacto fica apenas neste mercado à medida que se avança na carreira eleitoral pela presidência Argentina ou se, pelo contrário, se estende ao universo dos mercados emergentes. No caso de suceder a segunda hipótese, Tezine considera que “se poderiam criar oportunidades para os investidores ágeis nos países sem conexão com este processo eleitoral”.

De momento, o certo é que inclusive com Macri, o presidente mais market friendly, cuja renovação de mandato está em perigo agora, a Argentina continua a ser um mercado que conta com pouco peso nos fundos de mercados emergentes. Segundo dados da Morningstar, dos produtos domiciliados na Europa que mais exposição têm à Argentina, em média são os que investem em dívida emergente, que destinam cerca de 3% a obrigações argentinas. O peso médio nos fundos de ações é entre 0,35% e 1,69%.

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