O elevado grau de correlação entre as ações e dívida corporativa está a incomodar os responsáveis destes produtos, muitos dos quais não estão dispostos a tolerar esse risco. Alguns não permaneceram quietos e deram cartas no assunto.
Os gestores dos fundos mistos estão a ver-se obrigados a recorrer ao engenho para fazer uma diversificação real das suas carteiras. O maior desafio dos responsáveis destes produtos é fazer com que o braço de obrigações da carteira apresente uma correlação elevada com o braço de ações. Contar com duas classes de ativos que se comportam de forma muito semelhante é um dos principais riscos a evitar, já que não serve de nada dizer que se diversifica uma carteira com ações e obrigações quando, no fim, ambas se comportam de forma igual. A diversificação não seria real.
O problema é que no contexto de mercado atual, o grau de correlação entre as ações e muitos mercados de dívida de países desenvolvidos é mais elevado do que muitos gestores de fundos mistos gostariam. E isso é algo que os incomoda especialmente porque representa assumir um risco excessivo, que não estão dispostos a tolerar. Para se esquivarem desta situação, o caminho que estão a seguir, até gestores de carteiras com um perfil de risco cauteloso, é o de procurar mais além das classes de ativos tradicionais.
Um dos segmentos de mercado que mais interesse está a despertar é a dívida emergente, tanto em divisa estrangeira (hard currency), como em divisa local (local currency) por duas razões. A primeira, porque se trata de uma categoria que permite investir em obrigações que oferecem um cupão muito mais generoso do que se encontra nos mercados desenvolvidos, onde em muitos casos é preciso estender o prazo para que a TIR seja positiva. E, a segunda, porque isto pode ser feito sem sair do que é o investment grade.
Gestores como Klaus Kaldemorgen estão a apostar claramente em continuar uma estratégia deste tipo. Ao longo de 2019, o gestor do DWS Concept Kaldemorgen cortou para metade o peso em carteira da dívida corporativa, deixando-a nos 13%, ao considerar que os atuais níveis a que este segmento de mercado negoceia faz com que o risco seja muito elevado. Esta tendência para a redução é algo que, tal como explicou o gestor à Funds People numa entrevista recente, previsivelmente terá a sua continuidade em 2020. Nem sequer tem já dívida periférica europeia em carteira.
O que o gestor necessita para o braço de obrigações da carteira são ativos que apresentem uma baixa correlação com ações e que, além disso, ofereçam uma yield atrativa. Encontrou isso em dois lugares. O primeiro, em obrigações do tesouro dos Estados Unidos a 10 anos, onde não se importa de assumir duração pela segurança que o ativo oferece. E, em segundo, em dívida emergente. “Gostamos da dívida emergente em hard currency de países como o México, a Turquia, o Brasil ou o Omã. Em obrigações soberanas em moeda local, a nossa principal aposta é a Rússia”, revela.
Uma estratégia muito semelhante é a que estão a seguir os gestores do Capital Group Global Allocation, produto englobado dentro da categoria misto moderado que divide a parte destinada às obrigações em três grandes áreas: investimento em vencimentos longos da curva americana (concretamente nas obrigações do tesouro dos Estados Unidos a seis anos que poderá ajudá-los no caso de as coisas ficarem feias nos mercados), dívida soberana a muito longo prazo da Alemanha e do Japão (para tentar capturar alguma yield e dar estabilidade à carteira) e dívida de mercados emergentes, tanto em divisa local como estrangeira.
“Em obrigações, acrescentámos treasuries e continuamos a encontrar boas oportunidades em dívida emergente, onde investimos cerca de 10% da carteira. Os mercados de alguns destes países apresentam uma grande estabilidade, o mesmo que as suas divisas e, além disso, oferecem um cupão muito atrativo. Neste sentido, temos dívida emergente em moeda local em países como a Indonésia, a Coreia do Sul, a Índia, a Malásia e a Croácia. São posições, quase na sua totalidade em investment grade, muito pequenas, que servem para capturar yield e diversificar a carteira”, explica à Funds People Julie Dickson, diretora de Investimentos na Capital Group.
Ao fim e ao cabo, no atual contexto de mercado, a yield está onde está e quem quiser obtê-la deve expor-se a uma classe de ativos na qual, historicamente, os gestores de fundos mistos não investiriam, e que hoje desempenha um papel importante nas carteiras.