O pico da inflação foi ultrapassado? O enganador efeito base

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Créditos: Towfiqu Barbhuiya (Unsplash)

Há pelo menos um ano e meio que a inflação tem aumentado mais rapidamente do que os bancos centrais podem tolerar. As autoridades monetárias dos principais países industrializados tiveram que restringir a sua política monetária para contrariar as pressões inflacionistas que inicialmente consideraram temporárias. Nas últimas semanas, a queda da taxa de inflação nos EUA provocou euforia nos mercados por gerar a expetativa de que a Reserva Federal poderá desacelerar o seu ritmo de endurecimento monetário. Mas a inflação está realmente a diminuir ou estamos apenas a assistir a um efeito base devido ao facto de a inflação ter aumentado tão rapidamente no ano passado?

Inflação e efeito base

É a pergunta que Pablo Duarte, analista sénior do Instituto de Investigação Flossbach von Storch, quis responder. Tal como explica, a inflação é definida como a variação de um índice de preços no consumidor em relação ao mesmo mês do ano anterior (YoY%). Nos Estados Unidos, por exemplo, a inflação em outubro de 2022 foi de 7,8%, a variação percentual do Índice de Preços no Consumidor (CPI)  de outubro de 2021 (276,59) a outubro de 2022 (298,06).

“As alterações na taxa de inflação refletem, consequentemente, não só a dinâmica da inflação atual como a dos últimos 12 meses. A taxa de inflação nos Estados Unidos diminuiu de 8,2% em setembro para 7,8% em outubro, supondo uma variação de -0,4 pontos percentuais. Esta variação resulta da diferença entre duas taxas de variação mensais: +0,44% entre setembro e outubro de 2022 e +0,84% entre setembro e outubro de 2021 (0,44% - 0,84% = -0,4%). Como o CPI subiu menos entre setembro e outubro de 2022 do que entre os mesmos meses do ano anterior, a taxa de inflação diminuiu. O efeito base fez com que a taxa de inflação diminuísse”, indica o especialista.

Efeito base nos EUA e na zona euro

Uma vez que a evolução da taxa de inflação depende, por definição, da dinâmica do mês anterior, Duarte acredita que é possível ver uma taxa de inflação descendente, embora a pressão inflacionista tenha permanecido constante de um mês para outro.

“A modo de exemplo: a taxa de inflação de outubro de 2022 nos Estados Unidos foi de 7,8%. Assim, a variação mensal média do CPI foi de 0,62%. Supondo que o CPI mantém o seu ritmo e cresce 0,62% todos os meses a partir de novembro de 2022, a taxa de inflação anual continuará inicialmente a cair. Esta queda da inflação seria o efeito base. A partir de julho de 2023, a taxa de inflação voltaria a subir porque, desta vez, as variações mensais seriam superiores às dos mesmos meses do ano anterior. A taxa de inflação atingiria então o valor anual de 7,8% a partir de outubro de 2023”.

Efeito base da taxa de inflação subjacente do PCE

O efeito base da taxa de inflação subjacente do PCE, o índice preferido pela Fed, é menor. “Se o índice mudasse mensalmente como na média dos últimos 12 meses (0,42%), a taxa de inflação subjacente diminuiria ligeiramente no início devido ao efeito base e logo voltaria a subir para a taxa de inflação de 5,2%”, aponta o analista sénior do Instituto de Investigação Flossbach von Storch.

Na zona euro, Duarte considera que é provável que ainda se avizinhe um aumento da inflação devido ao efeito base. “Assumindo que as taxas de variação mensais do IPCA permaneceriam em 0,8%, a média mensal desde novembro de 2021, a inflação da zona euro continuaria a aumentar para 11% em janeiro de 2023 e logo diminuiria ligeiramente, graças ao efeito base. Portanto, o pico da taxa de inflação pode ser uma ilusão”.

Quando será vencida a inflação?

Como foi mencionado anteriormente, a variação da taxa de inflação anual pode ser expressa como a diferença entre a variação mensal do índice de preços do ano em curso e a variação mensal do mesmo mês do ano anterior. Para que a diminuição da taxa de inflação não seja uma ilusão, as taxas de variação mensais devem ter uma tendência descendente. Este foi o caso dos Estados Unidos entre 1978 e 1983. Se a alteração mensal (barras amarelas na Figura 5) foi maior do que no mesmo mês do ano anterior (barras azuis), houve um efeito base negativo.

“Em geral, se as barras azuis são maiores do que as amarelas, a taxa de inflação anual diminui. As taxas de variação anual do CPI aumentaram até se inverter a tendência a partir de março de 1980. Em parte, isto foi resultado do efeito base, uma vez que as variações mensais foram maiores em 1979 do que em 1980. No entanto, o mais importante é que as taxas de inflação mensais tenderam a diminuir à medida que diminuíam as pressões inflacionistas”, explica.

O pico da inflação anual deve-se ao efeito base?

De acordo com o analista, atualmente, a questão é se o pico da taxa de inflação anual registada recentemente se deve principalmente ao efeito base. Desde julho de 2022, as variações mensais do CPI foram notavelmente inferiores à dos anos anteriores, embora com uma tendência ascendente.

“Além disso, as taxas de variação mensais, tanto do IPC total como do IPC subjacente (excluindo a energia e os alimentos), não mostram, contudo, uma tendência decrescente (Figura 7). O mesmo acontece na zona euro, onde a tendência das taxas de variação mensais do índice subjacente está apenas ligeiramente abaixo da tendência nos EUA, mas a do índice geral é consideravelmente superior (Figura 8)”, afirma.