O que é o tiering? Como é que a nova política monetária afeta os mercados

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European Parliament, Flickr, Creative Commons

Do “o que fizer falta” até ao “o que for necessário”. A Europa entra numa nova ronda de políticas monetárias acomodatícias sem ter passado por uma fase de normalização. E, não obstante, a última reunião do Banco Central Europeu não caiu mal ao sector bancário, um dos mais afetados por tais medidas. Pelo contrário. Na semana passada os títulos financeiros reagiram em alta enquanto os prémios de risco se estreitavam. Como é isso possível? A chave está no tiering que Mario Draghi anunciou.

O tiering é um sistema de hierarquização das taxas que se aplicará aos depósitos a partir de 30 de outubro. Até ao momento o BCE tinha remunerado as reservas mínimas a 0% e à taxa de depósito (-0,5% agora) as reservas em excesso. Agora as primeiras continuarão a 0%, mas a chave está em que nas reservas em excesso nas contas bancárias, até seis vezes o nível das reservas mínimas obrigatórias, irão remunerar-se a 0% também. Além desse montante serão pagas a -0,5%.

Ou como resume facilmente Mondher Bettaieb, diretor de crédito corporativo da Vontobel AM: os bancos não terão de pagar taxas de juro negativas sobre um volume maior de depósitos no BCE. “Isto é um grande apoio para os bancos apesar do corte da taxa de depósito. Como resultado, as ações dos bancos e os Coco’s serão beneficiados, já que o lucro líquido dos bancos não será afetado como se teme”, analisa o especialista.

“Dado que os bancos mantêm cerca de 1,86 biliões de euros de reservas em excesso no BCE, o custo direto para a indústria bancária do corte da taxa de depósito de 10 pontos base, sem escalonamento, ascenderia a 1.860 milhões de euros por ano”, explica Rosie McMellin, gestora de obrigações da Fidelity International. Segundo cálculos adicionais da PIMCO, 788.000 milhões de euros passarão a ser remunerados a 0%, enquanto o excesso de 1 bilião de euros restante será pago a -0,5%.

Para Andrew Bosomworth, responsável de gestão de carteiras da PIMCO Germany, tem três implicações:

1. As reservas que se remuneram a -0,5% continuam a ser suficientes para assegurar que o ESTER (o unsecured overnight rate do BCE) negoceie próximo da taxa de depósito. Se a isenção tivesse sido aplicada a 10 vezes as reservas mínimas este indicador ter-se-ia movido em alta.

2. As reservas isentas de, em essência, pagar a taxa de depósito representam uma quase transferência fiscal que beneficiará os bancos de países com altas reservas, como a Alemanha e a França.

3. Um pacote de reservas passa agora a ser um ativo com uma rentabilidade de 0%. Isto incentiva os bancos de países com reservas insuficientes a gerar novas transações para beneficiarem dos depósitos a 0% no BCE. Isto pressionará as emissões com yields negativas em mercados regionais, como Itália, onde há uma escassez de reservas face à nova quota. Assim se mitiga nas obrigações parte dos efeitos secundários das taxas negativas.

É uma medida que procura alegrar ambas as partes. “O desafio das taxas negativas é que, pelo menos para a banca, a cura para a inflação baixa pode ser pior do que a doença”, defende Andrew Mulliner, gestor de obrigações da Janus Henderson. Na sua opinião, esta primeira medida é bastante técnica, pelo que só o tempo dirá a sua eficácia. O seu impacto na rentabilidade da banca ainda está por ver.