A irrupção da chinesa DeepSeek, com modelos mais eficientes e económicos, desafia a infraestrutura tradicional da IA.
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O setor tecnológico, particularmente as empresas vinculadas à inteligência artificial (IA), estão a atravessar uma fase de correção. Durante a sessão de segunda-feira, 27 de janeiro, índices como o Nasdaq caíram 3% no fecho da bolsa europeia, um nervosismo que também se estendeu a outras bolsas norte-americanas como o S&P 500 e o Dow Jones, que desceram 2% e 0,2%, respetivamente. O motivo: o aparecimento do DeepSeek, uma startup chinesa que revolucionou a eficiência dos modelos de IA. Isto está a colocar em causa a necessidade de grandes investimentos em infraestruturas tecnológicas, alterando as perspetivas de crescimento do setor.
Apesar da incerteza que domina o curto prazo, várias gestoras salientam que a evolução do setor dependerá da sua capacidade de se adaptar a estas novas realidades e de aproveitar as oportunidades estratégicas numa indústria em constante transformação.
DeepSeek: a revolução na eficiência da IA
O DeepSeek mostrou ser capaz de alcançar um desempenho comparável ao de modelos como o ChatGPT, mas com uma eficiência entre 40 a 50 vezes superior. Este avanço levanta questões importantes sobre as infraestruturas da IA, em particular sobre a necessidade dos elevados custos dos chips da Nvidia, que até agora têm dominado o mercado.
Investigadores do DeepSeek anunciaram no mês passado que o modelo DeepSeek-V3, lançado a 10 de janeiro, utilizava chips H800 da Nvidia para treinar esta tecnologia por menos de seis milhões de dólares, uma fração dos tradicionais custos associados a modelos desta escala. “Ainda não conhecemos os detalhes e nada foi 100% confirmado, mas se houver realmente um avanço em termos de custos para treinar modelos, passando de mais de 100 milhões de dólares para apenas seis milhões, isso poderá ser muito positivo tanto para a produtividade como para os utilizadores finais, pois implica um menor custo de acesso”, explica Jon Withaar, diretor de Investimentos da Pictet AM.
Juan de Dios Gómez Gómez-Villalva, partner da Andomeda Capital, destaca que “se se pode fazer mais com menos, a questão é saber se é realmente necessário tanta capacidade de computação, como a proporcionada pelas GPU da Nvidia”. Estas dúvidas, diz o especialista, surgem numa altura em que as Sete Magníficas investiram milhares de milhões em capital relacionado com a IA, uma tendência que poderá sofrer uma revisão significativa se a eficiência se tornar o novo padrão.
Por outro lado, Amadeo Alentorn, diretor da equipa de Ações Sistemáticas da Jupiter AM, explica que os denominados Small Language Models (SLM), modelos mais pequenos como o DeepSeek, utilizam menos recursos de hardware, reduzem os custos de treino e otimizam o desenvolvimento da IA. “O progresso da tecnologia não é linear, mas ocorre em saltos repentinos que transformam a indústria”, afirma.
As implicações para a indústria de semicondutores
O desenvolvimento do DeepSeek não só afetou negativamente as ações da Nvidia, como também está a exercer pressão sobre todo o ecossistema dos semicondutores. A crescente perceção de um excesso de capacidade na produção de chips avançados poderá alterar a procura a médio prazo.
Yan Taw Boon, diretor-geral da Neuberger Berman, assinala que “se a tecnologia da IA estagnar em modelos como o ChatGPT-4, o mundo enfrentará um problema de excesso de capacidade”. No entanto, esclarece que os avanços em algoritmos de raciocínio para a próxima geração de IA (IA genetic) continuarão a impulsionar a procura de chips de nova geração, como os GB200/300.
Por outro lado, o setor também enfrenta desafios geopolíticos. Os EUA continuam a restringir o acesso da China a chips avançados e a ferramentas de fabrico de semicondutores, o que, segundo indica Yan Taw Boon, poderá atrasar os avanços chineses neste âmbito.
Impacto nos mercados e no ecossistema tecnológico
A irrupção desta nova tecnologia provocou uma onda de volatilidade nos mercados. Sobre este tema, Oliver Blackbourn, gestor de fundos na Janus Henderson, descreve como o mercado está a reagir com alguma preocupação face à possibilidade de uma mudança estrutural no setor tecnológico. “O Nasdaq caiu 3,9%, enquanto empresas como a ASML Holdings, uma das mais expostas na Europa à IA, caíram mais de 10%”, afirma o especialista.
Esta correção poderá estender-se para além dos EUA, afetando outras regiões como a Europa e a Ásia, onde as valorizações também têm estado elevadas. Além disso, com os consumidores norte-americanos mais expostos do que nunca ao mercado de ações, um ajuste prolongado poderá gerar efeitos secundários na confiança dos consumidores e nas condições financeiras gerais.
No entanto, as gestoras também destacam oportunidades após a chegada do DeepSeek. Amadeo Alentorn explica que este avanço não só põe em causa a necessidade de grandes investimentos em hardware, como também abre a porta a uma maior diversificação no setor. “A curto prazo, isto poderá gerar volatilidade nas empresas tecnológicas, mas, a longo prazo, poderá gerar benefícios significativos para a economia, a produtividade e para a adoção desta tecnologia em vários setores”, acrescenta.