Há um ditado no setor que reflete muito bem a resiliência do mercado de luxo em tempos de crise: “O consumidor de bens de luxo é o último a entrar e o primeiro a sair em momentos de volatilidade”. Nos 30 anos de existência do luxo enquanto indústria verdadeiramente investível, as vendas do setor cresceram a um ritmo anualizado de 6%. Na opinião de Flavio Cereda, diretor de Investimentos na GAM, é um ritmo perfeitamente sustentável para os próximos 10 anos, independentemente do momento atual.
Cereda fala com a autoridade de quem é um verdadeiro veterano nesta classe de ativos. O codiretor da estratégia GAM Luxury Brands está ligado profissionalmente ao setor desde a entrada em bolsa da Gucci em 1995, um momento pioneiro para as empresas de luxo.
Na verdade, o luxo enquanto segmento de negócio é relativamente jovem e, ainda assim, registou um crescimento assinalável nestes 30 anos. Na década de 1994 a 2004, as vendas agregadas ascenderam a 1,1 biliões de euros; na década de 2014 a 2024 esse valor quase triplicou para 3,1 biliões. “Suspeito que, nos próximos 10 anos, esse número se vá duplicar. Tal é o momentum do setor”, antecipa o especialista.
Um período de normalização após anos de crescimento
Dito isto, não foi um crescimento linear para o setor. Apesar de mais resistente do que a economia global, não foi imune à grande crise financeira de 2008 nem à contração durante a pandemia. “O que se destaca nesta classe de ativos é que recupera sempre e regressa com mais força”, explica Cereda. Assim aconteceu em 2010 e novamente em 2021. Mas, entre 2021 e 2023, os rendimentos do setor registaram um crescimento espetacular, de dois dígitos em cada ano, principalmente devido ao aumento dos preços.
O outro lado da moeda? Agora, a indústria encontra-se num momento de consolidação. Em 2024, o crescimento do setor do luxo foi de 0% e até ligeiramente negativo. Uma mudança estrutural? Para Cereda, não — apenas uma normalização cíclica após três anos históricos. “A minha previsão é que em 2027 regressemos à tendência de crescimento anualizado de 6%”, projeta o especialista.
Impacto da guerra comercial no setor do luxo
Mas esta é a visão de longo prazo de Cereda. No curto prazo, o ruído geopolítico tem um efeito inevitável no setor. Isto obrigou o gestor a rever em baixa as suas estimativas para 2025, embora a tendência de fundo possa recuperar dentro de um ano, por uma razão clara: o consumidor norte-americano. “No final de 2024, o consumidor de luxo dos EUA era o motor mais forte do setor, mas agora verá o seu poder enfraquecido. Não pelas tarifas em si, mas pelo impacto indireto na economia americana”, explica. Esse momentum que o gestor previa para 2025 já não será tão forte. Também não o surpreenderia que a volatilidade afetasse as próprias empresas de luxo, levando ao adiamento de projetos e investimentos.
Reduziu igualmente as suas previsões para o consumidor chinês (de um crescimento de 2% para uma tendência plana) e para o europeu (que deverá contrair em 2025). “Mas isto é a média do setor. Há marcas de luxo que continuam a crescer independentemente do contexto. Outras, como as mais inseridas no segmento do luxo aspiracional, estão a passar por um momento mais delicado”, esclarece. “Nesta indústria, o que importa é a qualidade do teu comprador”, sentencia.
O que se passa com o luxo na China?
A China é outro ponto interessante a analisar. Desde 2017, os chineses são os principais consumidores de luxo, mas os seus hábitos de consumo estão a mudar. Historicamente, o motor do setor eram clientes chineses a comprar bens de luxo durante as suas férias no estrangeiro. “Era quase aspiracional, comprar uma mala de luxo na Europa”, conta Cereda.
Agora, após o fecho de fronteiras em 2020, o turismo internacional ainda não se reativou. No entanto, os consumidores chineses passaram a fazer as suas compras de luxo no mercado interno. Nesse sentido, as grandes marcas estão a melhorar a experiência de compra nas suas lojas locais, bem como a abrir novas lojas. “E não creio que voltemos à dinâmica de 2019. O próprio governo chinês prefere que o consumo aconteça dentro das suas fronteiras”, observa o gestor.