Objetivo: boicotar o investimento ESG

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Ao longo do seu mandato, ficou claro que Donald Trump não tem uma especial sensibilidade para com o cuidado e proteção do meio ambiente. Ainda que a rejeição dos objetivos do Acordo de Paris por parte do presidente dos Estados Unidos tenha sido o acontecimento mais badalado da sua legislatura no que em matéria ambiental se refere, não foi a única bofetada que o atual inquilino da Casa Branca deu aos defensores de um planeta mais verde e sustentável. Revogação de leis de proteção dos rios, entraves às normas orientadas para o controlo dos derrames ou modificação dos planos-chave para reduzir a emissão de dióxido de carbono são só algumas das iniciativas governamentais aprovadas durante estes quatro anos pela sua Administração.

A mais recente medida representa uma nova reviravolta que vai na mesma direção e que afeta a indústria da gestão de ativos. O Departamento de Trabalho dos Estados Unidos tem a intenção de aprovar uma lei para limitar o suo de fundos que sigam critérios ambientais, sociais e de governance (ESG) nos planos de pensões que muitas empresas americanas oferecem, os denominados 401(k). Para isso, propôs uma norma que restringirá o uso de investidores que considerem fatores ESG nos planos de pensões dos trabalhadores sujeitos a ERISA (Employee Retirement Income Security Act), nos quais se incluem estes planos de reforma.

Tal como explica num artigo Jon Hale, responsável global de Análise sobre Investimento Responsável na Morningstar, o projeto de lei questiona a materialidade financeira dos fatores ESG e assume que as estratégias e fundos que seguem esta filosofia centram-se em proporcionar lucros “não pecuniários”, muitas vezes às custas dos lucros “pecuniários”. Dito de outra forma: a ESG renuncia a rentabilidade em troca de alcançar outros objetivos. Em consequência, a proposta estabelece novas e onerosas normas sobre as condições nas quais os fiduciários dos planos podem incluir investimentos ESG, proibindo também que se designem como alternativas de investimento nos planos 401(k).

Esta iniciativa não só se encontrou com a frontal rejeição da Morningstar e do mundo da gestão de ativos, como também de outros organismos da sociedade americana. Quando a agência federal propõe uma norma como esta, deve permitir que se opine sobre ela publicamente durante um período que normalmente oscila entre os 60 e os 90 dias. Neste caso, o Departamento de Trabalho limitou-o a 30 dias apesar de ser um assunto que está a suscitar um interesse significativo e crescente por parte dos investidores, participantes e beneficiários dos planos de pensões. Apesar deste período de comentários ser incomummente curto, o Aviso de Proposta de Regulamentação gerou 8.737 reações, incluindo várias cartas de petição assinadas por milhares de pessoas”, revela Hale.

Apesar de o Departamento de Trabalho ter o dever de ler e considerar os argumentos expostos nos comentários antes de tomar uma decisão final, o responsável global de Análise sobre Investimento Sustentável na Morningstar acredita que o escasso período que foi dado para realizar alegações ao texto e o pouco tempo que sobra até às eleições de novembro apontam para uma intenção por parte do Governo dos Estados Unidos de definir a nova lei precipitadamente. “Antes que isso aconteça pode ser interessante saber o que o público e as partes interessadas têm a dizer sobre a proposta”, recorda o especialista.

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A equipa de investigação da Morningstar fez um exercício: analisou se cada comentário expressava o apoio ou a oposição à proposta de lei, englobando cada um deles em três grupos: pessoas, empresas e organizações relacionadas com investimentos, e empresas e organizações não vinculadas com o setor. “Os comentários do público opunham-se esmagadoramente à iniciativa. 95% dos comentários eram contra. Surpreendeu-me que o nível de oposição fosse tão alto entre empresas e organizações vinculadas aos investimentos. Dos 229 comentários de profissionais do setor, 94% opunha-se à proposta e só 2% estava a favor. Não houve nem um único comentário de apoio à iniciativa por parte de associações de investidores ou planos de pensões”, sublinha Hale.

As gestoras de ativos foram quase unânimes na sua rejeição ao texto, com apenas um dos 86 comentários a favor. “As opiniões contra não só vieram das entidades focadas no investimento ESG, mas também de muitas grandes entidades de ativos convencionais, entre elas a BlackRock, Fidelity, State Street Global Advisors, T. Rowe Price e Vanguard. O único comentário de apoio proveio de uma pequena gestora de fundos que negoceia na bolsa chamada Vident Financial. Os provedores de serviços financeiros, incluindo a Morningstar, opuseram-se às intenções da Administração Trump por 24 a 2. Do mesmo modo, os assessores financeiros expressaram uma forte oposição, e 44 dos 46 que comentaram a proposta posicionaram-se contra”.

As razões argumentadas pelos que emitiram os seus comentários nesse plano de 30 dias giram em torno de que a proposta não se baseie na evidência de que exista realmente um problema, mas sim na suposição errada e sem fundamento de que os fundos ESG sacrificam a rentabilidade a favor de recompensas “não pecuniárias”. Para além disso,  a incorporação dos fatores ESG  nas decisões de investimento deve considerar-se uma parte do dever fiduciário. Ou seja: excluir da análise estes critérios poderá ser prejudicial para os beneficiários dos planos. Também se assinalou que, o facto de se submeter a um maior nível de escrutínio e restrição o investimento ESG, é inapropriado e não está justificado. São os argumentos mais repetidos.