A armadilha do endividamento

Carlos_Bastardo
Vitor Duarte

Com um cenário de baixas taxas de juro na zona euro, que provavelmente continuará mais tempo do que o previsto há uns meses atrás, temos dois efeitos muito negativos: um sobre a remuneração da poupança e outro sobre o apetite consumista alicerçado em crédito.

A remuneração da poupança via depósitos a prazo ou outras aplicações de risco reduzido é extremamente baixa e afeta os aforradores em geral e em especial, os reformados que deixaram de ter nos juros da poupança acumulada ao longo de uma vida de trabalho (os que conseguiram!) um complemento ao valor das suas pensões.

As baixas taxas de juro também alimentam a armadilha do endividamento, preocupação crescente do Banco de Portugal (BdP), uma vez que já vimos este filme no passado e as consequências foram gravíssimas.

O governador do BdP referiu recentemente que a armadilha do endividamento se deslocou da concessão de crédito para o momento da venda. E todos nós sabemos que o consumo está muitas vezes associado a crédito (cartão de crédito e demais instrumentos financeiros), o que poderá ser um grande problema a prazo, caso o ciclo económico não seja favorável ou as taxas de juro subam.

Por exemplo, os portugueses recorrem cada vez mais a crédito para comprar automóvel e outros bens de consumo, inclusive viagens e até nas compras do supermercado.

O BdP anunciou em 13 de março as taxas de juro máximas que as instituições podem cobrar aos seus clientes no crédito ao consumo. No que diz respeito ao crédito automóvel, as taxas de juro anunciadas para o segundo trimestre de 2019 são mais reduzidas do que as que vigoraram no primeiro trimestre e igualam o valor mínimo registado no quarto trimestre de 2018.

Nas operações de locação financeira ou ALD de automóveis novos, a taxa de juro máxima que os bancos podem praticar / cobrar no segundo trimestre de 2019 é de 4,8%. Desde 2013, ano em que o BdP impôs limites às taxas de juro no crédito ao consumo, apenas no 4º trimestre do ano passado foi fixada uma taxa de juro tão baixa. Para a compra de automóveis usados, a taxa de juro máxima do segundo trimestre é de 5,9% para o mesmo instrumento de crédito.

O crédito ao consumo atingiu um recorde em Portugal em 2018, devido essencialmente ao crescimento do crédito automóvel.

Quanto ao crédito à habitação, apesar do crescimento do valor concedido nos últimos anos, ainda não chegamos à loucura dos spreads de 0,29% e 0,33% do passado. Para já, os spreads situam-se em 1,2 a 1,3%. Contudo, é necessário ter em conta que os níveis atuais das taxas de juro são bem mais baixos do que em 2003/2004, época em que a guerra dos spreads baixos no crédito à habitação estava ao rubro na banca.

Em 2018, houve um aumento dos pedidos de ajuda das famílias com elevados níveis de endividamento face ao rendimento disponível, apesar de estarmos numa época em que o desemprego está mais baixo e em que o PIB tem crescido.

As preocupações com o excessivo endividamento das famílias portuguesas são legítimas, em especial nas famílias da classe média, cujos rendimentos ainda não recuperaram para os níveis antes da crise.

Contudo, ter preocupações não chega. Tem que haver mais controlo na concessão de crédito ao consumo por parte dos bancos e empresas financeiras especializadas. Apesar dos lucros de 2018, o crédito vencido na banca ainda se encontra num nível elevado.

E o endividamento total da economia continua a aumentar: em janeiro de 2019, o endividamento aumentou 4 mil milhões de euros face ao mês anterior para 720 mil milhões de euros, praticamente a 3,6 anos de PIB.