À beira de um ataque de nervos!

Jorge Silveira Botelho BBVA_noticia
Jorge Silveira Botelho. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Jorge Silveira Botelho, CIO da BBVA AM Portugal.

A Dr.ª Noélia estava num daqueles maus dias, as autorizações que vinham da sede na Alemanha ainda não haviam chegado e necessitava quanto antes da papelada para dar seguimento aos desenvolvimentos que ia fazer na fábrica em Portugal. Era a responsável pelo departamento de engenharia que constrói as torres eólicas e tinha desenvolvido um novo conector muito mais eficiente.

Todos os empregados da fábrica a viam como a futura Diretora Geral, dadas as suas diversas competências e a forma como demonstrava ter capacidade para fazer todo o tipo de análises financeiras que faziam vingar os projetos do seu departamento, muitos dos quais adotados por fábricas em outros países.

Enquanto ansiosamente esperava pela papelada, ligou-lhe a sua gestora do Banco, a Carolina:

- Olá Doutora, espero que se encontre bem e de saúde!

- Sim, sim tudo bem, e espero que consigo também, respondeu a Dr.ª Noélia, tentando abreviar a conversa. Antecipava que a Carolina vinha outra vez com aquela conversa mole de rentabilizar o dinheiro que está à ordem e na realidade não se equivocou:

- Dr.ª Noélia venho-lhe falar de umas das nossas melhores soluções de poupança, que trazem vantagens de diversificação e cuja permanência também oferece benefícios fiscais que não são de desconsiderar, sobretudo tendo em conta a evidente erosão financeira que a inflação e as taxas de juro reais de longo prazo estão a provocar.

- Pois, pois… respondendo apressadamente, ao mesmo tempo que pensava para si:

- Mas afinal que culpa tenho eu que os bancos não façam dinheiro com estas taxas de juro. Estou a ficar farta desta conversa fiada da inflação... o que querem mesmo é que eu aposte o meu dinheiro em risco. E depois, com uma voz seca, disse:

- Então conte lá Carolina, mas aviso já que estou sem muito tempo Carolina.

A Carolina confrontando-se com o tom de impaciência da Dr.ª Noélia, decidiu tentar fazer uma abordagem diferente:

- Como sei que não está com muito tempo, gostava de lhe fazer uma pergunta. Sei que com a sua carreira brilhante tem conseguido amealhar algumas economias ao longo destes anos e sei que tem feito alguns investimentos, a avaliar pelo dinheiro que tem tirado da conta, posso saber quais?

- Claro que pode saber Carolina! Disse a Dr.ª Noélia com um ar quase triunfante:

- Sabe, eu não percebo porque é que de um momento para outro, nesta coisa das bolsas tudo cai e depois sobe, para mim é tudo um jogo e eu não gosto de jogar com o meu dinheiro, detesto aquela coisa que vocês chamam de volatilidade. Depois sinto que este mundo está cada vez mais complexo, muitos riscos geopolíticos, as alterações climáticas e dá a sensação que nunca ninguém se entende e há sempre muita confusão.

- Mas não percebi. Afinal o que faz com o seu dinheiro?, perguntou de novo a Carolina.

- Bem minha querida, tenho investido muito em imobiliário. Tenho comprado uns apartamentos para alugar para pequenas famílias e estudantes e tem corrido muito bem. Não há volatilidade, é sólido e tem subido sempre de preço. O meu filho também me aconselhou a comprar um fundo de private equity. Lá está, não há flutuações e só se compram boas empresas. Como vê só faço investimentos em coisas muito sólidas e que mexem muito pouco, não especulo como vocês nas bolsas.

- Pois, retorquiu a Carolina. Tem feito muito bem porque essas são duas classes de ativos nas quais nós continuamos a ver valor e também temos sugerido esse tipo de investimento aos nossos clientes, embora não o comercializemos diretamente. Em tudo aquilo que é poupança temos de ter sempre uma visão de longo prazo em todos os investimentos. Nós classificamos esses investimentos que fala, de mercados ilíquidos e procuramos integrá-los de forma diversificada e através de especialistas num portefólio extremamente diversificado.

- Mas, oh Carolina, o que é quer dizer com isso de mercados ilíquidos?! Perguntou em tom de exclamação a Dr.ª Noélia.

- Bem, são mercados ilíquidos porque não detêm a liquidez dos mercados regulamentados, onde tem acesso à liquidez do seu investimento de forma quase imediata, normalmente ao fim de dois dias. É a existência dessa liquidez que explica a volatilidade que você não entende, mas esse é o maior seguro que o aforrador tem quando investe as suas poupanças de uma forma totalmente diversificada em mercados totalmente regulados.

- Ah, já entendo mas o que isso tem a ver com o que lhe disse? Perguntou de novo a Dr.ª Noélia.

- Por natureza do investimento imobiliário que tem feito, não tem diversificação praticamente nenhuma, a liquidez não é de todo instantânea como praticamente só existe quando o mercado imobiliário sobe. É importante não esquecer, que quando a maré vira, como ocorreu aqui em Portugal há menos de uma década atrás, a falta de liquidez implica reduções significativas no preço. É importante também ter presente que o próprio valor da casa está essencialmente dependente da taxa de juro e da taxa de esforço das famílias. E, quanto me apercebo, hoje parece-me que as taxas de juro estão em mínimos e a taxa de esforço das famílias está em máximos, o que dificulta uma valorização sustentada deste tipo de ativos no médio e longo prazo, apesar de nós considerarmos que este mercado ainda tem valor.

Em relação aos fundos de private equity, estes intrinsecamente ainda detêm menos liquidez e quando a têm é geralmente à custa de elevadas penalizações. Este mercado de fundos de private equity é muito específico e recentemente estes fundos têm tido grandes entradas de liquidez e o que temos assistido é que muitos dos gestores desses fundos queixam-se da dificuldade em comprar empresas a preços interessantes. E o que começa a ser cada vez mais percetível e interessante é que muitas das empresas que cotizam em mercados regulamentados têm métricas financeiras muito mais atrativas que as que cotizam nos mercados privados e pouco líquidos. Aliás, ainda recentemente um grande fundo americano de private equity lançou uma oferta sobre uma empresa de telecomunicações cotada em Itália e nesse dia as ações dessa empresa subiram mais de 30%.

-Oh Carolina, confesso que nunca tinha pensado dessa maneira. Muito interessante aquilo que me conta, rematou a Dr.ª Noélia

E num tom de desabafo a Carolina prosseguiu:

- Então ora veja, se a Doutora se sente à beira de um a ataque de nervos quando olha para o comportamento dos mercados financeiros extremamente regulados porque não entende o valor deste seguro que é a liquidez, imagine como eu me sinto, quando quero explicar o valor implícito que está subjacente à poupança a médio e longo prazo em investimentos financeiros regulados, diversificados e extremamente líquidos e ninguém me liga nenhuma.

E de seguida num tom ainda mais eloquente a Carolina repete:

- Imagine como eu me sinto Doutora! Estamos a falar de investimentos em empresas cotadas, com uma missão comprovada, com negócios estabelecidos e que transacionam em mercados extremamente transparentes e maduros, totalmente líquidos e diversificados. E mais ainda, que se encontram intrinsecamente atrativos quando eu comparo estes investimentos com outras alternativas de classes de ativos reais. Mas mesmo assim, e com tudo isto, o que realmente sinto quando quero explicar o valor que está subjacente a esta alternativa de investimentos, os meus clientes só me querem despachar e ninguém me liga nenhuma…

- Pois Carolina, agora entendo e eu estou a ouvi-la muito atentamente e estou muito grata pelas suas explicações. Mas então diga-me uma coisa, e porque não investir em criptomoedas, têm subido tanto? Elas também têm liquidez, não têm?

Do outo lado ouve-se um surdo silêncio e de repente escuta-se a voz da Dr.ª Noélia:

- Estou Carolina? Estou? Estou Carolina… ainda aí está?

- Ah! Que pena, a linha deve ter caído... A conversa até estava a ser bem interessante, pensou alto a Drª Noélia e de seguida murmurou:

- Pudera, com tantos problemas nas linhas, não admira que essa gente dos private equity esteja a  comprar essas empresas de telecomunicações. Bem vou ver se os alemães já me enviaram as autorizações…