Paulo Barradas, chief transaction officer da Norfin, apresenta as suas perspetivas para o segundo semestre de 2021.
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TRIBUNA de Paulo Barradas, chief transaction officer da Norfin.
As baixas taxas de juro e o Quantitative Easing (QE) já fazem parte do léxico da discussão económica, tendo-se tornado numa presença constante da política monetária a nível mundial. A sua presença tem tido uma impunidade inflacionária surpreendente, mas parece ser agora que surgem reais dúvidas sobre que inflação devemos esperar.
Chegámos aqui com economias a produzir significativamente abaixo da sua capacidade instalada, em consequência da prolongada disrupção das cadeias de produção e restrições à procura, acompanhados da quase duplicação dos balanços da Reserva Federal e do BCE no espaço de pouco mais de 1 ano com a enorme e consequente aumento da massa monetária em circulação.
A inflação nos EUA atingiu já os 5% YoY, e na UE, onde chegaram a falar de riscos de deflação, os 2%. Longe de muito alarmantes, levantam pelo menos a questão sobre se irão realmente estabilizar e quando ou como será necessário cortar estímulos e aumentar taxas de juro para responder a estas pressões, pressupondo que a economia não se tornou já estímulo-dependente.
Algo que a história nos tem ensinado é que os juros têm vindo a ficar cada vez mais baixos nas principais economias, nalguns casos a zero ou negativos (Japão), ressentindo-se os mercados de cada vez que se fala em escaladas das taxas de juro, sendo por isso evitado pelos decisores políticos ao máximo, ou não estivéssemos nós na maior bull-run da história, com índices como o S&P 500 e o NASDAQ a baterem continuamente novos recordes. E esta é uma outra forma de inflação à paisana. A métrica clássica de inflação, o CPI, mede a flutuação de preços do cabaz do consumidor comum, mas acaba por deixar de fora os ativos de investimento a que este tipicamente tem menos acesso, ocultando assim os impactos na desigualdade destas políticas monetárias. Quem tem ativos vê o seu valor apreciar muito materialmente, quem não tem vê-se com mais dificuldade de lhes aceder.
Mas nem tudo é inflação, nem são más notícias.
De acordo com a OCDE, o crescimento da economia mundial é agora estimado em 5.8% vs. os 4.2% esperados inicialmente, fundamentalmente alimentados pelo otimismo e recuperação de direitos que a distribuição de vacinas tem trazido à população e consequente retoma da atividade económica. Depois da falsa partida do ano passado, a tão aguardada recuperação económica poderá ser mais em V do que alguns esperariam… É notável e supera as melhores expectativas que países como os EUA ou a Coreia do Sul estejam já a atingir o PIB per capita que tinham pré-crise e que mesmo países como o Japão e a Alemanha também o devam conseguir antes do final do ano. Contudo, todos muito mais lentos que a China que o conseguiu ainda em 2020.
Por cá as políticas Keynesianas estão de volta, com os governos e instituições europeias a procurar embarcar em grandes obras públicas e financiamento a investimentos privados (veja-se a bazuca europeia), que só podemos esperar que, mais do que gerar emprego, possam criar infraestrutura produtiva que potencie crescimento sustentável. Do lado do mercado, as poupanças das famílias acumuladas em conjunção com os estímulos monetários e fiscais, bem como a procura latente que foi ficando por satisfazer, estão a levar a um fenómeno de revenge spending que nalguns casos gera uma recuperação muito mais rápida do que o que a oferta consegue responder, criando pressões nos preços e nas cadeias de produção que reforçam as preocupações inflacionistas que começam a surgir.
Isto tem sido verdade quer com matérias-primas, muitas das quais mais do que duplicaram de valor neste período, quer com o trabalho, que em países como os EUA, e não obstante ainda não terem voltado à taxa de desemprego do pré-pandemia (estão a ~6% vs. 3.5%) tem sido difícil para muitas empresas recuperar a sua atividade pela dificuldade de arranjar trabalhadores, pelo menos ao mesmo preço que anteriormente. Entre as preocupações sanitárias e os estímulos que sustiveram a procura durante os períodos de desemprego, não tem sido fácil repor a mesma força de trabalho que anteriormente, repercutindo-se assim em melhores condições negociais para quem entra no mercado, pressão na estrutura de custos das empresas e consequentemente dos preços (ver também NAIRU). Todos os caminhos parecem assim ir dar à inflação.
Apesar de toda esta euforia de novo consumo e de redução do desemprego, os decisores políticos das principais economias do mundo terão de temporizar bem a altura de começar a reduzir os estímulos, quer para evitar overshooting, quer para garantir que de facto a trajetória de crescimento se mantém, pois há muitos sectores da economia ainda em dificuldades e é natural que só agora se comecem a materializar muitas das falências que foram adiadas com as medidas extraordinárias dos anos que passaram.
Quanto ao investimento, e com a inflação novamente no horizonte, institucionais e privados devem reforçar a sua exposição ao sector imobiliário, hedge clássico da inflação, especialmente nos segmentos que apresentaram uma resiliência notável a toda esta crise (residencial para arrendamento PRS e logística), ou indiretamente através de REIT, que sofreram muito com a incerteza sobre os escritórios e retalho, mas que começam agora a apresentar alguma recuperação.
Entretanto no mundo real:
- Epicentro da pandemia na fase inicial, a China foi também a primeira a controlar a situação e conseguiu o feito de ser das poucas economias a crescer em 2020. Ainda que 2.3% tenha sido pálido para os seus padrões, isto significa que enquanto o principal rival, os EUA, decresceu, a China ganhou bastante mais terreno, e o expectável é que assim continue, especialmente numa altura em que as tensões entre ambos os países passaram para segundo plano, para que todos se foquem na própria recuperação.
- Os EUA por seu lado gostam de ser o número um e tendem a conseguir sê-lo em tudo. Maior economia, maiores estímulos, maior impacto da pandemia, maior inflação… Os EUA têm o maior mercado bolsista do mundo e muita da sua política acaba por viver para o alimentar, pelo que será interessante perceber no segundo semestre como se posicionará a Reserva Federal caso a inflação continue a escalar. A mera ameaça de subida de taxas de juro gera um impacto imediato e significativo nos mercados, mas a manutenção de uma inflação significativa prejudicará o nível de vida e a relevância do dólar como moeda de reserva internacional.
- A União Europeia é cada vez mais o Império Otomano dos tempos modernos, o homem doente do Ocidente, literalmente… A Europa tornou-se cedo o novo epicentro da pandemia e mantém-se atrás dos seus pares no quase messiânico processo de vacinação, que exige como contrapartida para a libertação dos seus povos. Não obstante isso, o verão e alguma reorganização estão a permitir recuperar algum do tempo perdido e começa a assistir-se ao levantamento de restrições, embora de forma heterogénea, e com isso a recuperação económica. Apesar de todos os estímulos monetários de proporções quase similares às dos EUA, a inflação, que tanto tempo tem ameaçado converter-se em deflação, bateu apenas no target de 2% e este será o principal ponto de interesse a observar. A escolha será entre o bem-vindo rompimento do processo de Japanificação, ainda que com o risco de deflagrar no problema oposto, e a margem para manter estímulos desta magnitude durante mais tempo. O certo é que não se esperam grandes milagres económicos, com o crescimento esperado somente na casa dos 4% (vs. ~7% EUA e 8.5% China)
- Felizmente para a Europa, a cauda dos desenvolvidos encontra-se a oriente, com o Japão a ter tido uma estratégia diferente. Para um país com tamanha densidade populacional e população envelhecida, a sua gestão da pandemia foi de fazer inveja, justificando o impacto na sua economia menor que noutros casos (-4.7%, depois de não ter crescido em 2019 e vs. a generalidade do mundo que caiu cerca de 10%). Por isso, agora a recuperação será ténue e estimada em apenas 2.6% (OCDE), não podendo beneficiar do efeito dos jogos olímpicos a 100% uma vez que não irão receber cidadãos estrangeiros. O comportamento do Japão, ainda que mais pálido, poderá oferecer algumas dicas sobre o que pode acontecer à Europa se seguir a mesma estratégia de política monetária.