A Diretiva DMIF II Quick Fix

Sofia Araújo Matias - Diana Ribeiro Duarte - Pedro Capitão Barbosa
Sofia Araújo Matias, Diana Ribeiro Duarte e Pedro Capitão Barbosa. Créditos: Cedida (Morais Leitão)

Tribuna de Sofia Araújo Matias, advogada estagiária; Diana Ribeiro Duarte, sócia; e Pedro Capitão Barbosa, associado principal, da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados.

A regulação da intermediação financeira na União Europeia continua a fluir: após a sua publicação em 2004, a Diretiva 2004/39/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, evoluiu para a Diretiva 2014/65/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014 (DMIF II), estando a denominada DMIF III já a caminho (a Comissão Europeia publicou uma alteração legislativa à DMIF II em 25 de novembro de 2021).

Enquanto aguardamos a análise da proposta da Comissão Europeia da DMIF III pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, resta-nos destacar as mais recentes e significativas alterações ao quadro da DMIF: a 26 de fevereiro de 2021, a chamada DMIF II Quick Fix (solução rápida). A este propósito, a Diretiva 2021/338/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia. Esta Diretiva foi transposta para o ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei n.º 109-H/2021, de 10 de dezembro, que entrou em vigor a 28 de fevereiro de 2022.

A Quick Fix teve como objetivo simplificar determinados requisitos regulamentares e promover o investimento, sem, contudo, comprometer a proteção dos investidores, reduzindo simultaneamente os custos de compliance e os constrangimentos burocráticos das empresas de investimento na sequência da pandemia da COVID-19, alterando assim a DMIF II no que diz respeito aos requisitos de informação, à governação dos produtos e aos limites de posição.

A diretiva focou-se, assim, em flexibilizar e minimizar algumas reservas que foram suscitadas a propósito da DMIF II: as regras de distribuição excessivamente pesadas ou redundantes, a incapacidade de considerar adequadamente as características específicas de cada categoria de investidores, e a inflexibilidade do regime de limites às posições. Esta Diretiva veio permitir a revisão dos processos relacionados com a DMIF II, nivelando adequadamente os seus procedimentos de compliance. 

Principais novidades

A Diretiva simplificou, em particular, os requisitos de informação e divulgação da DMIF II.

Em primeiro lugar, a Quick Fix alterou o formato de comunicação, passando do papel para um formato eletrónico (qualquer suporte duradouro que não o papel). Os clientes não profissionais, por outro lado, podem ainda solicitar que as empresas de investimento forneçam as informações necessárias em papel. As empresas de investimento devem informar os clientes não profissionais desta alteração e da opção de receberem as informações em papel, pelo menos oito semanas antes de transmitirem a informação eletronicamente.

Embora esta alteração tenha reduzido custos e danos ecológicos e aumentado a segurança, as empresas de investimento permanecem oneradas com o facto de terem de estar preparadas para fornecer informações tanto em formato eletrónico como em papel.

Em segundo lugar, os seguintes requisitos deixaram de se aplicar aos clientes profissionais (e no caso de deveres de reporte sobre o serviço prestado, também às contrapartes elegíveis), a menos que decidam por escrito voluntariamente por tal optar:

  1. a exigência de as empresas de investimento realizarem uma avaliação custo-benefício de determinadas atividades da carteira (um teste de adequação) e informarem o cliente se as vantagens superam os custos aquando da prestação de serviços de consultoria para investimento ou de gestão de carteiras que envolvam a mudança de instrumentos financeiros, e 
  2. a exigência de relatórios ex-post sobre os serviços de execução (que incluem o tipo e a complexidade dos instrumentos financeiros utilizados, a natureza do serviço prestado e os custos associados).

Estas modificações tiveram como intuito facilitar e encorajar os clientes profissionais a alterar as suas estratégias de investimento e produtos, bem como reduzir os reportes obrigatórios que eram considerados excessivos e mesmo contraproducentes. A desvantagem, por outro lado, é o sistema de tudo ou nada que foi criado para os clientes profissionais: estes clientes ou optam por não receber nenhum reporte ou, alternativa, por os receber todos.

Em terceiro lugar, a Quick Fix introduziu isenções quanto aos requisitos de divulgação de custos e encargos: as empresas de investimento estão isentas de divulgar informações sobre custos e encargos a clientes profissionais e contrapartes elegíveis se prestarem serviços que não sejam de gestão de carteiras ou consultoria para investimento. Os clientes profissionais mantiveram a possibilidade de optar voluntariamente por receber essas informações.

Infelizmente, a lógica empregue pelo legislador é difícil de compreender: se estes clientes podem negociar contratos com intermediários financeiros contendo informação personalizada e detalhada, e não precisam de ser protegidos por requisitos de informação padronizados sobre custos e encargos, não é claro por que razão devem ser protegidos quando recebem serviços de consultoria para investimento ou de gestão de carteiras.

Em quarto lugar, para diminuir a carga burocrática, a Quick Fix suspendeu até 28 de fevereiro de 2023 a aplicação do artigo 27.º, n.º 3, da DMIF II, nomeadamente a obrigação de apresentação periódica ao público de reportes (ao abrigo da RTS 27, Regulamento Delegado (UE) 2017/575 da Comissão, de 8 de junho de 2016). Por outras palavras, os reportes periódicos sobre os dados relativos ao nível de qualidade de execução das transações, que permitem aos participantes no mercado comparar a qualidade de execução em várias plataformas de negociação, estão suspensos.

Além disso, a Quick Fix permitiu que o fornecimento de informações sobre os custos e encargos fosse adiado (sem atrasos indevidos, após a conclusão da transação) quando se utilizem meios de comunicação à distância para um acordo de compra ou venda de um instrumento financeiro, quando as seguintes condições estejam cumpridas: i) a empresa de investimento obteve o consentimento do cliente e ii) o cliente foi informado da opção de adiamento da conclusão da transação até receber as informações. 

Esta isenção da obrigação de fornecer informações ex ante sobre custos e encargos permite um processamento mais rápido das transações, reduzindo o risco de flutuações de preços entre o fornecimento de informações e a conclusão das transações.

Outra importante novidade é o facto de os serviços de investimento prestados relacionados com obrigações sem outros derivados embutidos para além de uma cláusula de reembolso antecipado e os instrumentos financeiros comercializados ou distribuídos exclusivamente a contrapartes elegíveis estarem agora isentos dos requisitos em matéria de governação dos produtos. Estas alterações visaram tornar estas obrigações empresariais, que têm uma estrutura simples e um padrão uniforme, facilmente acessíveis aos pequenos investidores, reduzindo os custos dos seus emitentes, e permitindo que os emitentes tenham acesso a um leque diversificado de investidores. 

Na área dos derivados de mercadorias, os limites às posições passaram a ser aplicados apenas a derivados de mercadorias críticos ou significativos que sejam negociados em plataformas de negociação e a derivados de mercadorias agrícolas. Note-se que esta alteração tornou o regime mais eficaz, uma vez que os limites às posições impediam alguns derivados de mercadorias de crescer, limitando a sua liquidez.

Quanto aos limites às posições, estes passaram a não ser aplicáveis a posições detidas por, ou por conta de, uma entidade financeira que integre um grupo essencialmente comercial (i.e. não-financeira) e atue por conta de uma entidade não financeira do grupo essencialmente comercial (i.e. não financeira), sempre que as referidas posições reduzam, de forma objetivamente mensurável, os riscos diretamente relacionados com a atividade comercial dessa entidade não financeira.

Adicionalmente, o teste da atividade auxiliar foi simplificado. Anteriormente, os participantes no mercado eram obrigados a notificar anualmente as autoridades nacionais competentes quando recorressem à isenção de atividade auxiliar, bem como a fornecer dados específicos para satisfazer testes quantitativos complexos específicos. A Quick Fix decidiu descomplicar, eliminando a exigência de notificação e implementando apenas um critério de teste qualitativo

Por fim, destaque-se que a prestação de serviços de estudos por terceiros passou a poder ser obtida por empresas de investimento que prestam serviços de gestão de carteiras ou outros serviços de investimento sem os terem de pagar separadamente dos serviços de execução. No entanto, as partes devem celebrar um acordo com o prestador de serviços de estudo, identificando a parte de eventuais pagamentos conjuntos que diz respeito a serviços de execução e de estudo que pode ser atribuída à investigação, e devem informar os seus clientes sobre estes pagamentos conjuntos. 

Tudo considerado, as alterações da Quick Fix foram bem-vindas e estão a ajudar a preparar as empresas de investimento para as futuras alterações ao quadro legislativo da DMIF II.

DMIF III

Ainda que a Quick Fix não pretendesse (nem podia) substituir a revisão em curso da DMIF II, acabou por reconhecer a inegável importância dessa revisão, concentrando-se, ao mesmo tempo, na necessidade de proteger os investidores, nas exigências de transparência para os diferentes tipos de plataformas de negociação, bem como na criação do sistema de prestação de informações consolidadas.

Por outro lado, a Comissão Europeia, na sua proposta de diretiva publicada 25 de novembro de 2021, pretende alterar estruturalmente a DMIF II, a fim de melhorar a transparência e competitividade dos mercados de capitais da UE, a robustez das infraestruturas do mercado, e o acesso, disponibilidade e qualidade dos dados do mercado.

Em particular, esta proposta de DMIF III inclui medidas para apoiar a criação e implementação de uma base de dados centralizada, um sistema de prestação de informações consolidadas, que foi agora transferido da DMIF II para o Regulamento do Mercado de Instrumentos Financeiros (RMIF). Este sistema ajudará na criação de uma visão integrada do mercado da UE e na melhoria da transparência do processo no que diz respeito às plataformas de negociação. O objetivo final é aumentar a liquidez do mercado e o potencial dos mercados de capitais para financiar empresas, nivelando assim o campo de jogo.

Ainda, embora represente um passo em frente, a proposta da Comissão Europeia fica aquém do que era antecipado após a Quick Fix, sendo as alterações na sua maioria relacionadas com o RMIF, destinando-se, no essencial, à harmonização do texto atual com as alterações feitas nesta proposta ao RMIF. 

Não restam por isso dúvidas que, a manter-se a proposta da Comissão, esta não será a última alteração ao quadro da DMIF.