A FOMOBTINA

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Jorge Silveira Botelho. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Jorge Silveira Botelho, CIO da BBVA AM Portugal.

A FOMOBTINA é o princípio ativo financeiro que compõe atualmente um dos mais potentes antibióticos de largo espetro, dado que esta substância tem sido extremamente eficaz em estimular os anticorpos, mantendo-os ativos durante muito mais tempo do que aquele que era previsto.

Esta foi a principal razão porque durante esta época estival as coisas andaram atipicamente calmas, apesar das habituais peripécias políticas e financeiras no tradicional ilíquido mês de agosto, como foi o caso da retirada de Cabul e o novo surto regulatório na China que está a afetar um conjunto relevante de setores económicos.

Mas nestes tempos pandémicos é de referir que durante estas últimas semanas de estio, sucederam dois eventos que não devem passar despercebidos e que nos fazem pensar que o uso da FOMOBTINA vai continuar a ser administrado em todas as regiões do globo de forma transversal, mesmo sabendo-se que ainda não são conhecidos os seus efeitos secundários, apesar de serem visíveis alguns dos efeitos perversos...

O primeiro evento foi a divulgação do relatório sobre as alterações climáticas do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), que conclui sem sombra para dúvidas que desde 1750 os seres humanos contribuíram para o aquecimento do planeta e que o volume das emissões de dióxido de carbono e de outros gases de efeito estufa tem aumentado exponencialmente nos últimos anos, o que torna irreversível nos próximo anos o aquecimento do planeta, independentemente das medidas que forem tomadas. Para se ter uma ideia, nos últimos 50 anos o aquecimento das temperaturas na terra foi superior a qualquer período de 50 anos ao longo dos últimos dois mil anos. Se quisermos pensar de forma mais financeira, o que no essencial este relatório nos transmite é que vai ser preciso investir cerca de 50 biliões de dólares durante os próximos 30 anos para se travar o aquecimento global, ou seja, quase 60% do PIB global. Isto obviamente só vai ser possível com uma grande coordenação entre Estados, onde os distintos governos vão ter de emitir mais dívida e os respetivos bancos centrais vão ter que garantir que o custo dessa dívida é mitigado.

O segundo evento de referência foi mais uma vez a conferência anual da Reserva Federal Americana de Jackson Hole. Esta conferência virtual ganhou particular relevo, porque ficou a ideia que pela primeira vez a FED implicitamente assume “quase” a supressão parcial do ciclo tradicional de taxas de juro.

A gestão do balanço através dos programas de compra de ativos é atualmente o core da política monetária, sendo a taxa de juro um instrumento a ser usado de forma pontual e não seguramente durante os próximos tempos. O que fica no ar desta conferência é que por um lado, a redução do balanço pode começar mais cedo mas pode ser finalizada mais tarde, e por outro lado, aumentou-se a perceção do hiato entre o fim do programa de compras de ativos e o início de uma eventual subida de taxas de juro.

É neste contexto que nos parece cada vez mais esgotado, o uso do instrumento de taxa de juro diretora para a gestão do ciclo tradicional da política monetária, sendo por isso a evolução dos balanços o fator crucial de análise.

Daí que dificilmente passamos sem a FOMOBTINA, dado que independentemente de algum ajustamento, os níveis dos balanços dos Bancos Centrais terão de se manter elevados durante bastante tempo, uma vez que é a única forma de se conseguir manter as taxas de juro reais muito baixas, dados os elevados níveis de endividamento global, tanto ao nível privado como público.

Enquanto muitos investigadores estão preocupados com os efeitos secundários da FOMOBTINA à procura de marcas consistentes de inflação, esquecem-se que num mundo envelhecido, endividado e tecnologicamente disruptivo, para já a única inflação consistente é aquela que advém do repricing dos ativos reais derivada da supressão do tradicional ciclo monetário de taxa de juro. Está é uma das razões porque a primeira derivada de ESG; Equities, Soils & Gold, tem-se valorizado de forma tão consistente. Por outro lado, a cada vez mais célere adoção das tecnologias disruptivas (5G, IA, Robótica, Impressão 3D, digitalização, etc.), vai provocar rápidas e fortes alterações no mercado de trabalho, o que em termos agregados vai inibir uma subida significativa da massa salarial e consequentemente da inflação.

É neste contexto que a FOMOBTINA se tornou em algo muito mais poderoso do que a soma de acrónimos: Fear Of Missing Out Because There Is No Alternative. Este princípio ativo financeiro é muito mais real e não devemos subestimá-lo. Para aqueles que ainda não tomaram nenhuma dose e não sabem o que fazer com as suas poupanças, por favor consultem o vosso médico e mediquem-se enquanto é tempo, porque o vírus vai permanecer ativo durante muito tempo...