A história não se repete, mas muitas vezes rima

Miguel Dias João
Miguel Dias João, Créditos: Cedida

TRIBUNA de Miguel Dias João, membro do departamento de Gestão de Ativos do ITIC – ISCTE Trading & Investment Club.

A economia mundial continua com uma enorme pressão inflacionária, esta sente-se praticamente em todos os países e a Europa foi particularmente afetada. A trajetória para a inflação crescente em agosto, a zona euro atingiu 9%. Os Estados Unidos também não escaparam, a inflação também ultrapassou os 9% logo em junho, e desde então mantém-se acima de 8%. Há mais de 40 anos que os Estados Unidos e a Europa não apresentavam valores tão altos para a inflação. O que é que estes dados podem indicar?  Irá a inflação persistir?

Para ajudar a responder a estas perguntas, podemos analisar o último período em que a taxa de inflação esteve tão alta como a atual. A história não se repete, mas muitas vezes rima. O período em análise começa nos finais dos anos 60 e termina no início dos anos 80.

Em 1971/73 aconteceu algo que viria a mudar a política monetária de uma maneira bastante drástica. Em 1971, o presidente Nixon acabou com o padrão dólar-ouro, decisão que viria a ser ratificada pelo FMI dois anos depois, em 1973. Esta decisão permitiu a abolição das restrições monetárias, ou seja, permitiu que houvesse criação de dinheiro para além das reservas de ouro existentes, algo que foi encaminhando a economia mundial para uma economia baseada em credit money.

Desde 2008/10, após a crise financeira, os bancos centrais levaram a política monetária à exaustão, as taxas de juro desceram para mínimos históricos, inclusive na Europa passaram a negativas, e iniciou-se o quantitative easing. Durante os anos seguintes, até 2019, os bancos centrais debatiam com o fenómeno da falta de inflação na década de 2010/19. Em 2020, os bancos centrais foram obrigados a aumentar substancialmente a massa monetária, baixando ainda mais as taxas de juro e a aumentando o volume de quantitative easing, por forma a combater a crise do Covid-19.

Tal como nos anos 70 e por motivos idênticos o preço das energias disparou, algo que provoca imensa pressão nos preços, em 1971 devido ao conflito israelo-árabe e atualmente devido ao conflito entre a Ucrânia e a Rússia.

A inflação nos anos 60 esteve relativamente baixa e estável, mantendo-se abaixo de 2% a maioria da década. Só em 1973/74 com o fim da guerra do Vietname e a ratificação do FMI em relação ao padrão dólar-ouro é que se verificou um aumento considerável na inflação, atingiu os 12%. Atualmente também partimos de um período onde a inflação era baixa para um pico bastante rápido da mesma.

A solução de Volcker

Como resolveram então o problema da inflação de 1970? Em 1979 foi necessário o presidente da reserva federal dos Estados Unidos, Paul Volcker (de 1979 a 1987) fazer o que mais nenhum presidente fez, colocou a taxa de juro acima da taxa de inflação. Dois meses após ter assumido o controlo, as taxas de juro duplicaram, passaram de 9% para 18% e mantiveram-se acima da inflação até 1982, onde atingiram o seu ponto máximo de 20% em 1981.

Atualmente o trabalho de Volcker é reconhecido pela maioria dos economistas, dado que as suas decisões foram fulcrais para arrefecer a economia, combater inflação e recuperar a confiança na capacidade dos bancos centrais de estabilizar os preços. Passado 2 anos a inflação voltou a estar controlada e em maio de 1981 a inflação já só rondava os 3%.

Será necessário tomar medidas tão drásticas como em 1979? É sempre indesejável criar uma crise, mas se os bancos centrais estiverem a adiar o inevitável no futuro pagar-se-á mais caro. Caso se revele necessário uma política mais agressiva por parte dos bancos centrais, um atraso na resposta pode levar à deterioração das condições económicas e o desencadear um período de estagflação, um fenómeno que consiste numa época inflacionista acompanhada de desemprego elevado e quebras no produto. Assim, a economia ficaria numa situação mais vulnerável, atrasaria a recuperação e dificultava a capacidade dos governos e bancos centrais de intervir.

A ideia de Paul Volcker foi forçar a economia a recomeçar o ciclo, foi uma medida extrema mas, talvez, necessária dada a conjuntura atual da economia.

Esta ideia parece descabida se acreditarmos que a inflação é realmente transitória e que após a descida dos preços das energias, da normalização da oferta e a regressão das políticas monetárias (aumento da taxa de juro e diminuição do balanço dos bancos centrais) a inflação irá abrandar.

De qualquer modo, uma recessão parece inevitável, se é induzida pelos bancos centrais ou é resultado da deterioração das condições económicas teremos de esperar para ver.