A diretiva Retail Investment Strategy vai gerar impactos profundos na indústria. É a vez de olhar para Portugal, e perceber como é que esta diretiva afetará o negócio no nosso país.
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COLABORAÇÃO de Afonso Barbosa, diretor executivo da Az.R.
Depois de analisados os requisitos da Diretiva RIS, começaremos agora a analisar os impactos na indústria.
Apesar de definida a estrutura da RIS, a indústria será influenciada por aspetos ainda desconhecidos, tais como:
- A transposição para a legislação e regulamentação nacionais poderá gerar medidas mais restritivas;
- Incerteza técnica em temas como (a) o conjunto alargado de produtos, no modelo de advisory, ou (b) os critérios e granularidade na construção de benchmarks e análise custo-benefício.
Mas a moldura da Diretiva e as características da indústria em Portugal permitem a identificação inicial dos impactos mais prováveis e a análise de como endereçar os desafios de distribuidores e produtores.
O mapeamento dos impactos da Diretiva RIS na indústria de WM – o modelo de negócio
A figura abaixo evidencia, de forma sumária, mudanças muito relevantes ao nível dos modelos de negócio e operativo. De momento, focamos a análise apenas ao nível dos impactos no modelo de negócio dos participantes na indústria, descritos de forma transversal.
Independente da profundidade da análise, tais mudanças vão requerer uma abordagem estratégica aos requisitos da Diretiva, não apenas uma visão processual de adaptação a exigências regulatórias.
Como consequência das alterações na forma como os players se relacionam e vendem produtos ao cliente, vamos assistir a ajustamentos importantes no posicionamento daqueles ao longo da cadeia de valor do negócio.
Uma das mais relevantes ocorrerá na proposta de valor dos distribuidores: com a inibição dos incentivos no negócio de execução simples, os distribuidores terão de evoluir para uma oferta baseada em serviços de aconselhamento e/ou de gestão discricionária. E terão de o fazer nos vários segmentos de clientes, com comissionamento explícito de tais serviços (por motivos económicos), um desafio significativo no mercado português, pela elevada sensibilidade ao preço nestas ofertas.
O melhor exemplo deste impacto ocorrerá nos supermercados (D2C) de produtos. Embora alguns players tenham iniciativas de advisory, são restritas e limitadas pelo perímetro regulatório. O seu modelo de negócio será, na nossa opinião, revisitado nos próximos dois anos.
Por outro lado, o efeito conjugado das análises de custo-benefício, do modelo de aconselhamento e das restrições aos incentivos, vai forçar alterações na oferta dos produtores, nomeadamente ao nível da:
(i) Evolução para ofertas menos complexas, consequente aos serviços com comissionamento explícito – o distribuidor posiciona-se como um advisor, mantendo a eficiência nos custos do cliente pela seleção ou recomendação de investimentos. A abordagem pressionará o produtor em direção a uma oferta de baixo custo, como a de ETF;
(ii) Redução na oferta de produtos por efeito dos critérios de elegibilidade e das regras de aconselhamento. Esta é uma questão de particular relevância no mercado nacional, considerando o binómio custo / rentabilidade da oferta existente em Portugal.
Um exemplo, conceptual e simplificado, ajudará a compreender os efeitos potenciais no negócio de distribuidores e produtores. Para o efeito, imaginemos um grupo bancário, com uma oferta de fundos de investimento manufaturados por uma sociedade gestora integrada verticalmente nesse grupo.
O mix de fundos comercializados gera hoje uma comissão de gestão anual de 100 bps, repartidos em 70% pelo banco comercializador e 30% pela gestora.
Com a nova Diretiva, a venda não aconselhada inibirá o distribuidor de receber 70 bps em incentivos pagos pela gestora. Em conformidade, o distribuidor reformulará o negócio, de uma distribuição direta de fundos para, por exemplo, um serviço baseado em mandatos de gestão discricionária. Comissionará tal serviço com, pelo menos, 70 bps anuais (potencialmente, com este processo, o distribuidor procurará expandir a margem).
Para superar o potencial ceticismo do cliente, o distribuidor evidenciará que o novo serviço endereça melhor as suas necessidades e objetivos, e que os custos globais serão similares aos da compra direta de fundos.
Por outro lado, o distribuidor terá de organizar os recursos internos para assegurar o novo serviço – evitará replicar as capacidades de uma sociedade gestora, pelo que focará na definição de portfólios-modelo (com vários perfis de risco), promovendo a alocação real das carteiras através de veículos de investimento de terceiros.
As consequências práticas serão óbvias:
- Para manter o total cost do cliente sob controlo, as carteiras serão constituídas maioritariamente por fundos de gestão passiva (eg. com custos de 20 a 50 bps);
- Apenas uma pequena parte poderá ser investida em produtos diferenciados, por exemplo, para o reforço da geração de alpha nas carteiras.
Estas tendências deverão pressionar muito o modelo de receitas dos produtores (como evidenciado, gera também consequências para o distribuidor, mas este terá uma superior capacidade de adaptação ao novo enquadramento de negócio).
Recorrendo ao nosso exemplo: o banco distribuidor enfrentará desafios comerciais e de implementação; mas a sociedade gestora poderá vir a estar fora do mercado, se não tiver ajustado a oferta às novas necessidades do seu (provável) maior distribuidor!
Os produtores nacionais já enfrentavam um contexto de elevada incerteza económica, retornos potenciais pouco atrativos, consumidores cada vez mais exigentes e mudanças geracionais. Encaram agora alterações induzidas por mudanças regulatórias e no modelo de negócio dos seus distribuidores.
De facto, uma das características da RIS é a de colocar os distribuidores no centro das transformações na indústria, condicionando, a montante, o negócio dos produtores.
Por estes motivos, os produtores terão de repensar o seu posicionamento no mercado, o que significará uma crescente especialização, incontornável quando os intervenientes são forçados a optar entre concorrer pelo preço com qualidade razoável ou concorrer pela diferenciação com um preço premium, ficando, os que não o fizerem, sem vantagens competitivas sustentáveis. Nada de invulgar - aconteceu em outros setores – mas mudará o mercado tal como o conhecemos.
No contexto das mudanças na oferta evidenciámos alguns impactos no modelo de distribuição, mas outros deverão ocorrer, tais como:
(i) Reforços nas arquiteturas abertas de distribuição e seleção de fornecedores (mesmo em Grupos integrados, como vimos)
(ii) Reavaliação pelos produtores dos canais alternativos de distribuição - as decisões poderão ser diametralmente opostas, em função de distintos contextos de negócio;
(iii) Necessidade de forte capacidade digital para suportar uma abordagem massificada ao advisory. Um aspeto crítico, porque todos os players sentirão a necessidade de compensar as pressões sobre as margens unitárias do negócio com mais volume, a partir da configuração de serviços que democratizem o acesso ao investimento.
Discutimos impactos e soluções ao nível da variável crítica “O quê?” (modelo de negócio). No próximo artigo, focaremos a análise na variável “Como?”, i.e ao nível das consequências e possíveis abordagens ao modelo operativo dos players na indústria.