A Trilogia das nossas vidas: Vacina-Economia-Mercados; Em que ponto estamos e o que nos espera?

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Vitor Duarte

Vacina

Na semana transacta, o presidente Russo Vladimir Putin anunciou com pompa e circunstância aquela que seria a primeira vacina desenvolvida para fazer face à Covid-19. Depois dos escândalos de espionagem e de roubo de propriedade intelectual que o Mundo Ocidental acusou a Rússia sobre ensaios clínicos que estavam a ser desenvolvidos na Europa e EUA, as críticas à vacina Russa rapidamente se fizeram sentir por países como os EUA, Reino Unido, Canadá e até por organizações supranacionais como a própria OMS. O denominador comum das críticas reside na fraca evidência científica quanto à eficácia da nova vacina denominada Sputnik V e desta ter, literalmente, evitado níveis de avaliação (a OMS ainda classificava a vacina russa como estando na Fase 1 de testes) e de testagem (pouco mais de uma centena foram feitos em humanos) que são críticos para monitorizar e salvaguardar a eficácia e a segurança da vacina Russa. 

O anúncio da nova Sputnik V por Putin teve, acima de tudo, um objectivo político e ideológico - num país que está nos escombros do ponto de vista económico e muito afectado tanto pela questão pandémica como pelo colapso do preço do crude nos mercados internacionais. O presidente russo procurou assim fazer um undercut a um eventual anúncio similar de Trump que é provável que aconteça até às eleições de Novembro no âmbito da operação Warp Speed (fundos públicos alocados ao desenvolvimento supersónico de uma vacina) que o próprio desesperadamente necessita para atenuar aquela que foi uma acção desastrosa da sua Administração face ao surgimento daquele que continua a apelidar como o “vírus chinês”. A própria China procura que o Mundo esqueça a origem do vírus e uma vacina Chinesa seria uma manifestação de força na cena internacional. O mesmo procura o Reino Unido que, depois do Brexit e de um certo enfraquecimento geoestratégico, também concorre por esse espaço de afirmação global.

A Sputnik V nem é a primeira vacina para a Covid-19 que o mundo conheceu. Esse feito pertence à China que já registou uma vacina aprovada e que está a ser testada em militares. No global, existem mais de 130 vacinas que estão a ser desenvolvidas e na última fase de testes de aprovação encontram-se apenas 8 (duas nos EUA, uma no Reino Unido, uma na Austrália e quatro na China). Segundo os especialistas é pouco provável que qualquer uma destas vacinas esteja disponível para comercialização antes do final do 1H21, ainda que até final deste ano poderá haver avanços importantes. Se considerarmos que o desenvolvimento anterior mais rápido de uma vacina foi alcançado em 4 anos, percebemos melhor a complexidade do desafio enfrentado pela comunidade científica.

Economia

O acordeão pandémico-económico acabou por ditar o colapso da actividade no segundo trimestre do ano, uma vez que os lockdowns mais intensos (Europa e EUA) vigoraram nos 3 meses entre Março e Maio. Centrando-me na economia americana que é absolutamente decisiva para o rumo dos mercados financeiros internacionais, apesar da queda superior a 30% do PIB no último trimestre em relação ao período homólogo, os sinais de recuperação são já evidentes - sobretudo ao nível do mercado laboral com a taxa de desemprego a situar-se pouco acima dos 10%. Se pensarmos nalgumas das principais variáveis que contribuem para o PIB, é muito provável que o nível de consumo recupere nos próximos trimestres, uma vez que a taxa de poupança dos norte-americanos situa-se a níveis historicamente elevados e o nível de investimento das empresas tenderá a acelerar, mesmo com a vigência de uma recuperação cíclica mais lenta, uma vez que uma parte significativa da produção colapsou e as empresas escoaram grande parte dos inventários para ir ao encontro de uma procura mais frágil. O investimento público foi o único que contribuiu de forma positiva para a evolução do PIB, uma situação que deverá repetir-se no 3T/20, uma vez que Trump já renovou a linha de suporte (USD 300-400 por semana) a pessoas que solicitam apoio de prestações sociais e concedeu novas regalias/diferimentos fiscais a empresas/colaboradores. Mantém-se igualmente a negociação entre democratas-republicanos de um novo plano de estímulo fiscal (consenso sobre um eventual acordo aponta para um plano de USD 1,5 biliões), o qual poderá/deverá ser aprovado até final de Setembro. Em vésperas de eleições presidenciais e muito acossada pela pandemia, a economia americana parece já relativamente firme no trajecto de saída da recessão - ainda que a recuperação não se fará de forma célere até aos níveis pré-Covid.

Mercado Accionista

O mercado de acções protagonizou uma recuperação arrepiante desde os mínimos de Março – o índice de referência S&P 500 está praticamente a transaccionar sobre máximos históricos e o índice Nasdaq negoceia já 17% acima dos máximos observados no pré-Covid. A rápida resposta fiscal e monetária que poderá conduzir a uma recuperação cíclica mais rápida, o nível de liquidez abundante e a concentração de ganhos em megacaps tecnológicas com um peso cada vez maior nos índices de referência acabam por justificar o que praticamente ninguém conseguiu antecipar no período das trevas em Março. Com a perspectiva de uma vacina a ganhar alguma forma, surge a questão: Podemos continuar a assistir a um rally desenfreado das acções como até aqui ou, pelo contrário, poderemos ter uma reacção assimétrica entre acções-sectores e as diferentes classes de activos? Interessa, antes de mais, destacar que o nível de volatilidade do S&P 500 atingiu níveis mínimos de Fevereiro e a correlação entre todas as acções do S&P 500 está igualmente em patamares muito baixos, o que exponencia a possibilidade de um choque assimétrico daqui para a frente. No nosso entender, o caminho de menor resistência persiste no trajecto ascendente das acções, mas os riscos de um pullback são evidentes face à dimensão do rally vigente.

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A concretizar-se um eventual downturn de mercado, os winners actuais (tecnológico) são os que estão mais expostos a esse risco – uma vez que o diferencial de preços e de avaliação destes face a tudo o resto desafia limites importantes. No pólo oposto, com o mercado progressivamente a escalar “o muro das preocupações” e com a expectativa de novos estímulos fiscais/monetários e o surgimento de uma vacina para a Covid-19 mais credível, o upside mais interessante recai sobre os sectores cíclicos e alguns nomes Value (Industriais, Banca, Energia, etc) que estão ainda muito atrasados no ciclo de recuperação. O unwind do posicionamento excessivamente crowded no sector tecnológico com o surgimento de uma vacina é um risco evidente que paira sobre o sector, pelo que a rotação para nomes cíclicos e out-of-favour será feito ou de forma gradual (provável) até o game changer que se consubstancia numa vacina eficaz ou de forma violenta a partir dessa data. Considerando que o mercado acionista tende a antecipar o rumo dos acontecimentos entre 6-9 meses e que uma vacina poderá ser anunciada até final de 2020 ou no 1T/21, a “grande rotação” de tecnologia para sectores cíclicos e Value deve começar a ser preparada e obriga no imediato a um rebalanceamento dos portfolios actuais com uma maior exposição aos temas identificados.

(Este artigo de opinião está escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico)