Banca Privada: como vencer no novo ciclo pós 2020

João de Brito e Cunha e Nuno Cordeiro.
João de Brito e Cunha e Nuno Cordeiro. Créditos: Cedida (Roland Berger)

Estamos num momento de mudança que culminará num novo ciclo de crescimento no horizonte pós-2020, mais lento e incerto, pondo termo a uma fase de forte crescimento dos ativos bankable dos segmentos alvo dos operadores de banca privada em Portugal – ser bem-sucedido requererá a estes operadores uma reorientação do seu enfoque estratégico. Uma reflexão da Roland Berger.

1.     Contexto e evolução do mercado de banca privada em Portugal

Este artigo procura isolar e substanciar um conjunto de observações chave relativamente ao contexto e evolução do mercado de banca privada em Portugal, e em simultâneo, discutir as suas implicações estratégicas.

1.1   Fim de um ciclo de crescimento forte

Para efeitos de dimensionamento do mercado de banca privada em Portugal, focamo-nos no perímetro de ativos bankable, dado que estes são os endereçáveis pelos operadores de banca privada.

Depois da estabilidade da fase pós crise, 2008-16, o período 2016-19 caracterizou-se por um crescimento acelerado dos ativos bankable (5,8% CAGR16-19) apesar de abaixo do observado para ativos reais (16,6% CAGR16-19). Este ciclo terminará em 2020, ano em que projetamos um decréscimo significativo dos ativos bankable (-9,6%) superior ao previsto para ativos reais (-7,3%).

Após 2020, projetamos um crescimento dos ativos bankable (1,5% CAGR20-25) substancialmente inferior àquele observado em anos recentes e ao projetado para os ativos reais (4,0% CAGR20-25). Este crescimento não será suficiente para assegurar o break-even em 2025 face à quebra de ativos bankable projetada em 2020.

1.2   Continuação da tendência de redução da proporção de ativos bankable

O peso dos ativos bankable na riqueza total tem vindo a cair de um valor histórico de 38% para 28% em 2019. Esta evolução evidencia a tendência de transformação de ativos bankable em ativos reais para investimento. Note-se que o início deste período de queda coincide com o momento em que as taxas de referência em Portugal chegaram a zero. Esta tendência deverá manter-se face à continuação do contexto de baixas taxas de juro.

1.3   Peso desproporcional do segmento affluent e existência de um segmento 'ultra' material

A concentração de ativos bankable tem-se mantido estável, apesar de uma ligeira tendência de redução desde 2016.Portugal é um mercado predominantemente affluent com o segmento a deter 39% dos ativos agregados dos segmentos affluent[1] e private[2]. O peso equivalente a nível mundial e Europeu é de 26% e 34% respetivamente – estando o nível de concentração de ativos bankable em Portugal 22% abaixo da média mundial e 16% abaixo da média Europeia[3].

O peso do segmento affluent tem vindo a aumentar devido ao seu crescimento mais acelerado (8,7% vs. 3,7% CAGR16-19 para segmentos private) em linha com o decréscimo do nível de concentração. Notável é a dimensão média de indivíduos no segmento private de >€5Mi de ativos bankable, que ao nível de €13Mi em 2019 é significativa. Apesar de representar apenas 0,4% dos indivíduos de segmentos affluent e private, este grupo detém 10% do total de ativos bankable (23% quando adicionados os ativos offshore).

[1] Indivíduos com ativos bankable entre €0.25Mi e 0.5Mi

[2] Indivíduos com ativos bankable acima de €0.5Mi

[3] Diferenças entre coeficientes Gini em 2019

1.4   Peso desproporcional de residentes não nacionais no book 'Português' offshore

Os ativos bankable em booking centers offshore têm-se mantido constantes, e representaram em 2019 9% do total de ativos bankable em Portugal, ou 24% considerando apenas ativos bankable de segmentos affluent e private.Em termos do perfil e comportamento de clientes private residentes nas suas relações offshore, salientamos o fato de a seleção de centros offshore e das soluções de investimento utilizadas ser variada e de uma proporção significativa destes clientes terem nacionalidade estrangeira.

1.5   Tendência de compressão de margens e pressão no crescimento de ativos sob gestão

O grupo de bancos privados 'nacionais', detendo 90% dos ativos sob gestão de operadores em Portugal, tem vindo a atingir um crescimento material (3,0% CAGR16-19). Apesar disso, os ativos de segmentos affluent e private cresceram a um ritmo mais acelerado (5,5% CAGR16-19) reduzindo a quota de bancos privados nos ativos bankable destes segmentos – estimamos que essa quota se situe entre 30% a 40%. Este decréscimo é em parte justificado por clientes private testando outros tipos de operadores.

"Através de uma relação pessoal com um gestor decidi experimentar a Atrium dado que são um pouco mais 'técnicos' e ajudam em temas fiscais de otimização", Cliente private

Para o crescimento observado contribuiu o bom desempenho dos mercados. Assumindo uma performance média de 2%, o crescimento dos ativos sob gestão líquido de efeitos de mercado terá sido de 1%, ou 1/3 do crescimento dos bancos privados no período 2016-19, o que evidência os desafios de crescimento.

"Em ciclos económicos de maior contração algumas das fontes tradicionais de crescimento são fortemente impactadas (nomeadamente a geração de riqueza pela via empresarial), e no limite até assistimos a uma maior canalização de ativos bankable para a economia real",  Pedro Lobo, Diretor da área de Private Banking, Bankinter

Em termos de margens, estas têm vindo a comprimir-se em anos mais recentes, em alguns casos caindo 10%-12% As implicações desta compressão em termos de crescimento futuro são críticas, dado que, à medida que as margens caem, o crescimento dos ativos sob gestão necessário para atingir o break-even da receita aumenta de forma exponencial.

"Neste contexto (de compressão de margens) os volumes tornam-se ainda mais importantes",  Pedro Lobo, Diretor da área de Private Banking, Bankinter

Este contexto favorece a criação de um ciclo vicioso, em que, devido à pressão de crescimento, margens sofrem maiores níveis de desconto, facilitando a aquisição de ativos, mas acelerando a tendência de compressão das margens e aumentando a pressão de crescimento.

"O modelo de banca privada terá de se transformar substancialmente […] incorporando uma forte componente tecnológica, elevados níveis de transparência e fundamentalmente uma proposta de valor alargada",  António Luna Vaz, responsável da área de Private Banking, Banco BPI

2.     Implicações estratégicas para operadores de banca privada

Com base nas observações efetuadas, selecionámos três grandes temas para os operadores em Portugal:

-Criação de uma proposta de valor na área de investimentos diretos em ativos reais, para mitigar o impacto da transformação de ativos bankable em ativos reais;

­- Sistematização e diferenciação da abordagem ao segmento 'ultra', para capturar uma SoW[4] mais significativa, considerando a maior acessibilidade aos seus ativos offshore;

­- Sistematização da abordagem ao subsegmento de residentes não nacionais, para capturar uma maior SoW, particularmente dos ativos offshore, e criar novas opções estratégicas.

Apesar de não detalhados, isolámos dois temas adicionais de relevância dada a conjuntura pós 2020:

- Fortalecimento da proposta de valor private para clientes 'híbridos', para diferenciar e potenciar crescimento futuro[5];­  

- Sistematização da abordagem à gestão de descontos, para evitar a criação de um ciclo vicioso que sacrifique margens a favor do crescimento de ativos.

[4] Share of Wallet

[5] No caso particular de bancos privados, este tema ajudaria também a infletir a perda recente de quota de mercado de ativos bankable

2.1   Criação de proposta de valor na área de investimentos diretos em ativos reais

Estimamos que 10%-15% da riqueza total se encontra alocada a ativos reais para investimento, um aumento sobre os níveis históricos de 2%-5% da riqueza total.

"Eu alocaria 50% a 60% do meu património a ativos reais se encontrasse oportunidades suficientes", Cliente private

Esta tendência acentuou-se em 2012, momento em que as taxas de juro de referência se tornaram nulas, e tem vindo a ser financiada maioritariamente por ativos bankable.

O apelo deste tipo de investimentos para clientes private é forte devido à ligação emocional que muitos estabelecem com estes ativos e ao maior nível de envolvimento possível na sua gestão. Para clientes orientados para renda fixa, estes investimentos são a forma de criar uma yield fixa de longo prazo no contexto atual de baixas taxas de juro.

"Dado o meu perfil muito conservador, neste ambiente de taxas de juro baixas e até negativas, não consegui encontrar alternativas em termos de investimentos financeiros", Cliente private

Dada a permanência e magnitude desta tendência, os operadores deverão posicionar-se nesta área, suportando os seus clientes no seu processo de investimento com modelos ajustados às particularidades de cada operador.

Direccionalmente vemos três modelos (não mutuamente exclusivos) – acesso à network de clientes, criação de uma plataforma de investimentos diretos (P2P) e criação de veículos para investimentos em ativos reais.

No modelo focado na network o operador procurará identificar oportunidade de investimento nas suas várias networks que serão oferecidas a um número seleto de clientes de elevada dimensão e sofisticação financeira. Neste modelo, a oportunidade de investimento não é necessariamente analisada pelo operador dado que o seu papel é o de matchmaker. Adicionalmente o operador poderá oferecer serviços de due diligence, de estruturação do veículo de investimento e oferecer soluções de financiamento.

"Tenho eu mesmo de encontrar estas oportunidades. Seria ótimo se um banco privado me propusesse este tipo de oportunidades […] e trata-se da estrutura societária do investimento", Cliente private

No modelo focado na tecnologia o operador procurará estruturar a informação respeitante a cada investimento e criar/disponibilizar a plataforma através da qual essas oportunidades se tornam disponíveis a clientes ou não clientes com acesso (sem suitability check). O modelo de receita é flexível com opções quer no lado dos clientes originadores e/ou clientes investidores.

No modelo focado no investimento o operador criará um clube (veículo) de investimento, procurando identificar oportunidades nas suas várias networks, que serão acrescentadas ao referido clube após due diligence. O acesso ao clube de investimento será concedido a um número restrito de clientes de elevada dimensão e nível de sofisticação financeira, podendo o operador co-investir neste clube. O modelo de receita será baseado em comissões de gestão e possivelmente performance fees.

"A criação de fundos de investimento (em ativos diretos como imobiliário) em conjunto com outros papéis possíveis, não tem de ser mutuamente exclusiva", António Luna Vaz, responsável da área de Private Banking, Banco BPI

Uma extensão deste modelo será a criação de um veículo como um fundo de investimento com acesso mais democratizado. Sob esta extensão seria possível atingir maiores níveis de diversificação e alargar o leque de tipologias de ativos reais.

"Não veria nenhum inconveniente em aceder a este tipo de investimentos (ativos reais) através de um fundo de investimento criado por um banco privado", Cliente private

2.2   Sistematização e diferenciação da abordagem ao segmento 'ultra'

Dada a preponderância de segmentos private de clientes com ativos bankable abaixo de €1Mi (65% dos ativos de segmentos affluent e private) é natural que as propostas de valor não estejam adequadamente vocacionados para segmentos private mais elevados – segmento 'ultra'[6]. Evidência deste enfoque natural é observável no tamanho médio de clientes de operadores, que se situa na generalidade abaixo de €1Mi.

"Em termos históricos tem havido falta de diferenciação do serviço a clientes private, com clientes de €500k e €2Mi a receberem a mesma proposta de valor. Isto é algo que temos a intenção de corrigir no Banco BPI", António Luna Vaz, responsável da área de Private Banking, Banco BPI

Endereçar clientes 'ultra' faz sentido dada sua representatividade nos ativos bankable de clientes affluent e private, 23% se incluirmos ativos offshore – mais acessíveis dado o nível de transparência fiscal e a menor atratividade do modelo offshore.

[6] Definido como clientes com ativos bankable acima de €5Mi

Sistematizar e diferenciar a abordagem ao segmento 'ultra' requer um enfoque no subsegmento de 'empresários' dada a sua materialidade e potencial de crescimento – isto sem descartar o subsegmento de Family e Multi Family Offices.

O enfoque em 'empresários', por sua vez, requer alterações ao modelo de negócio de banca privada dadas as especificidades destes clientes, tais como, a proporção de ativos bankable investidos ser inferior, o nível de crédito concedido ser superior, a fluidez do conceito de propriedade de ativos bankable, privados vs. corporate e a consequente necessidade de agregar necessidades corporate e necessidades do indivíduo.

Com a necessidade de endereçar necessidades corporate em mente, a criação de um modelo de cobertura alargado com uma equipa capaz de cobrir tópicos corporate é uma boa prática – algo como um Corporate Advisory Group (light) operando dentro da área de banca privada.

Os objetivos de um Corporate Advisory Group seriam o de suportar empresários em segmentos private não'ultra' por forma a estar presente no momento do eventual evento de liquidez e, suportar empresários no segmento 'ultra' por forma a aprofundar a relação e capturar uma maior SoW.

2.3   Sistematização da abordagem ao subsegmento de residentes não nacionais

Residentes não nacionais têm crescido em Portugal a um ritmo anual médio de 10% desde 2013. Observa-se também que desde outubro de 2012 foram emitidos mais de 9.200 vistos gold, representando, em média, 7% do fluxo anual de novos residentes não nacionais em Portugal. Colocando estes números em perspetiva, em 2019 o fluxo anual de novos residentes através da autorização de residência para a atividade de investimento representou significativamente, 5% da base de indivíduos de segmentos affluent e private do ano anterior.

O investimento captado através dos vistos gold tem sido aplicado quer na compra de imóveis quer na transferência de ativos bankable para Portugal, tendo estes últimos totalizado €540Mi nos últimos 7 anos.

"A dúvida que tenho sobre a dimensão deste subsegmento de clientes (residentes não nacionais) no que se refere aos seu potencial de private banking, assenta no rácio do seu património que estão disponíveis a alocar a ativos bankable em Portugal",  Pedro Lobo, Diretor da área de Private Banking, Bankinter

Endereçar residentes não nacionais faz sentido dados os montantes significativos que assumidamente permanecem offshore  e a relativa facilidade de crescimento através de referrals a partir do momento em que a base de clientes atinge massa crítica.

Utilizando o caso de clientes Brasileiros observamos que estes subsegmentos apresentam especificidades, neste caso, a necessidade de estabilidade, um maior apetite ao risco, uma dimensão média bastante elevada e a evidente exposição a modelos de banca privada offshore.

Como tal a sistematização da abordagem a estes subsegmentos deverá ser focada em nacionalidades chave e tocar em diferentes elementos da proposta de valor de operadores tais como, um conteúdo de investimento mais alargado, na sua internacionalidade e classes de ativos, um modelo de cobertura na língua do cliente, serviços adicionais de repatriamento, procura de imóveis e realojamento, e outros que ajudem a equalizar um pouco a proposta onshore com a offshore.

Uma outra opção estratégica é a de criar um modelo híbrido onshore e offshore onde o booking seria feito em centros internacionais de banca privada como o Luxemburgo, e o serviço prestado localmente. Esta opção poderá conferir vantagens fiscais a determinados grupos de clientes.

Outro aspeto chave é assegurar a presença junto de redes críticas para a angariação de clientes. Nesse contexto, assumem particular relevância os advogados e os consultores de repatriamento.

Através de uma abordagem sistemática a estes subsegmentos, os operadores em Portugal abrem a nova opção estratégica de se estabelecerem como operadores offshore para clientes das nacionalidades em focos mas residentes fora de Portugal. Esta opção é adicionalmente suportada pelo potencial de Portugal como uma praça financeira internacional alternativa e gateway para a Europa.

Algumas das nacionalidades mais representados neste subsegmento de residentes não nacionais vêm de mercados extremamente atrativos do ponto de vista de banca privada offshore, ex. o Brasil é o terceiro maior mercado de banca privada offshore.