BiG: "Acreditamos que o atual posicionamento dovish da Fed implicará uma política de cariz mais expansionista"

Joa_o_Sa_a_gua
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(Perspetivas para a segunda metade de 2019, traçadas por João Sàágua, Analista Macro da equipa de Research do BiG - Banco de Investimento Global)

O que esperam de cada uma das principais no ano de 2019?

Não obstante uma provável nova vaga de estímulos monetários por parte dos principais bancos centrais do mundo (Fed e BCE), acreditamos que o segundo semestre do ano será marcado pela continuação da atual tendência de abrandamento económico global sincronizado.

Nos EUA, a dissipação dos efeitos positivos da reforma fiscal de Trump e o agravamento das tensões comerciais têm contribuído para uma deterioração do sentimento empresarial e sobretudo para a desaceleração da atividade industrial e manufactureira, em conformidade com a conjuntura global. A persistente inversão da yield curve nas maturidades 3 meses – 10 anos, como um dos principais indicadores de sentimento macroeconómico, emite um muito relevante sinal de precaução, reiterado pelo facto de a probabilidade de recessão a 12 meses, calculada pela Fed de Nova Iorque estar acima dos 30%. Desde 1970, sete períodos de contração foram antecedidos ou culminaram com um valor probabilístico (também ele alicerçado na inversão da yield curve, entre outros indicadores) superior a 30%. Apesar deste quadro macroeconómico sombrio, acreditamos que o atual posicionamento dovish da Fed implicará, de facto, uma política de cariz mais expansionista que, em conjunto com a proximidade de eleições presidenciais, poderá diferir uma eventual recessão para apenas o segundo semestre de 2020.

Na nossa opinião, o mercado exacerbou as expectativas em relação a possíveis cortes de taxa de juro, prevendo que os mesmos serão inferiores ao antecipado pelos investidores. A inflação poderá temporariamente sofrer um choque altista, mas não deverá permanecer, de forma sustentada, perto do objectivo da Fed (2%).

Na Zona Euro, a pronunciada e inequívoca desaceleração económica, consistentemente pior que o previsto pelos economistas (maior sequência negativa do Citi Surprise Index, desde 2008) levaram o BCE a sinalizar uma possível readopção da sua política “Whatever It Takes”. Ocorrendo num cenário tradicionalmente benigno – euro fraco, taxas de juro em mínimos históricos e custos energéticos a rondar a média dos últimos 10 anos – a conjuntura económica da Zona Euro revela-se particularmente alarmante. Dado o pendor exportador e industrial da sua economia-motor, a Zona Euro foi particularmente penalizada pelas guerras comerciais, que provocaram uma queda material na procura externa e prejudicaram gravemente a atividade manufactureira e industrial.

Com efeito, e perante a retardativa intervenção estatal pela via de estímulos fiscais/orçamentais, antecipamos que, para além da já anunciada TLTRO III, o BCE utilize algumas das não mutuamente exclusivas ferramentas que tem ao seu dispor: um corte de taxas de juro para valores ainda mais negativos; um novo programa de compra de ativos que incida sobretudo sobre dívida corporativa investment grade e que abranja os bancos da Zona Euro, como forma de os compensar por um corte de taxas; e, em última instância, num cenário mais próximo de “japanização”, a compra de ações.

Em acréscimo ao expansionismo monetário e num contexto de resolução de alguns materiais riscos políticos, após as eleições europeias e a escolha dos principais cargos de topo da UE, esperamos ver um incremento dos gastos públicos numa tentativa de sustentar a economia europeia. A agregação destes dois estímulos deverá permitir uma estagnação temporária em níveis de crescimento económico em torno de 1% e ainda, com menor convicção, num estímulo inflacionista que se deverá revelar insuficiente para alcançar o objectivo do BCE (2%).

Perante um cenário de disrupção no comércio internacional, em termos comparativos, o Japão tem mantido relativa imunidade face às guerras comerciais. As características específicas da sua economia – com forte alicerce na procura doméstica – e da sua envelhecida demografia, aliadas à estabilidade política vigente e à prevalência de total expansionismo monetário deverão permitir que a sua economia mantenha os já tradicionalmente anémicos níveis de crescimento e inflação, sem que perspectivemos flutuações materiais. Apesar da distorção do seu ciclo económico, em caso de séria agudização da desaceleração global, o Japão não deverá conseguir resistir a esta tendência e sentimento a nível mundial, acabando por ser prejudicado, principalmente, pela sua vertente exportadora.

Quais as classes de ativos melhor posicionadas para uma boa performance no segundo semestre?

Perante um cenário macroeconómico de desaceleração global e mercados acionistas e obrigacionistas particularmente distorcidos pela intervenção dos bancos centrais, temos dificuldade em identificar verdadeira atratividade no cômputo geral de qualquer uma das classes. Encontramos, porém, algumas bolsas de valor em subsegmentos específicos.

No âmbito acionista, dentro do complexo desenvolvido, temos preferência pelo sector financeiro norte-americano, acreditando que se verificará uma ligeira inclinação da curva e que o atual ciclo económico expansionista ainda conseguirá vigorar, pelo menos, até ao fim do ano 2019. Em acréscimo a este racional macro, as empresas financeiras foram preteridas na recuperação que teve início em Janeiro de 2019. Estando, simultaneamente, com níveis de avaliação comparavelmente menos dispendiosos, acreditamos que o diferencial de performance possa ser estreitado. Por último, a aprovação nos testes de stress da Reserva Federal permite aos maiores bancos norte-americanos aumentar as suas políticas de remuneração acionista. Acreditamos que alguns poderão divulgar novos programas de recompra de ações e revisões da sua política de dividendo até ao fim do ano. Em valor relativo, identificamos ainda uma oportunidade num pair trade de Russell 2000 contra S&P 500, dado o desconto histórico do índice de pequena e média capitalização e pelas suas superiores perspectivas de crescimento de lucros. Simultaneamente, se, no âmbito da sua campanha eleitoral, Trump pretender desencadear novos estímulos orçamentais, as ações mais ligadas à economia doméstica (que, embora em abrandamento, mantém a hegemonia dentro do complexo desenvolvido) deverão beneficiar face às mais expostas à economia global, em clara desaceleração.

Na Zona Euro, privilegiamos empresas com fortes rentabilidades via dividendo e do sector imobiliário. Este último goza de um enquadramento ainda bastante benigno, composto por: maior solidez do sector de construção; taxas de juro prolongadamente negativas; níveis de avaliação atrativos; e sustentação conferida por uma resiliente procura interna, fluxos turísticos perto de máximos e um considerável fluxo líquido positivo de investimento direto estrangeiro.

Perante uma Reserva Federal menos restritiva e uma possível suavização das tensões comerciais, apreciamos o panorama macroestrutural dos mercados emergentes, subsistindo, na maioria das economias, espaço para expansão fiscal e monetária. Neste âmbito, destacamos principalmente os índices acionistas da Índia e do México.

Na esfera obrigacionista, onde o BCE deverá voltar a assumir um papel-chave, encontramos ainda algum valor relativo em dívida italiana entre os 2 e os 10 anos, e, para um posicionamento mais agressivo, em dívida grega. A nossa perspectiva face ao que poderá ser o principal alvo de um eventual segundo programa de quantitative easing do BCE, concomitantemente com um potencial corte de taxas de juro, leva-nos a acreditar na abrangência dos bancos da Zona Euro no possível  próximo Corporate Sector Purchase Programme (CSPP). Assim sendo, tendo uma convicção de materialização deste racional, acreditamos que a dívida sénior de bancos da Zona Euro com rating investment grade tem espaço para valorizar.

Por último, mas não menos importante, face a perspectivas económicas pouco risonhas, acreditamos que quer os investidores em ETFs de ouro, moedas e barras, quer os bancos centrais, no âmbito da tentativa de desdolarização das suas reservas, manterão a já elevada procura por ouro físico. Em acréscimo, os vários catalisadores de mercado também aparentam estar alinhados para uma sustentada apreciação do activo de refúgio por excelência. Perto de máximos históricos e com avaliações dispendiosas face aos fundamentais, o mercado acionista deverá experienciar em breve um choque de volatilidade. Os investidores institucionais com perspectivas económicas mais cautelosas estão sólida e consistentemente a aumentar o seu posicionamento líquido longo em ouro. Simultaneamente, a postura mais dovish da Reserva Federal deverá limitar a subida do USD e também não deverá permitir muito espaço para uma recuperação em alta das taxas de juro, reduzindo assim o custo de oportunidade de deter um ativo sem yield. Por último e de materialização menos clara, caso se verifique um ímpeto inflacionista o ouro deverá igualmente ser beneficiado.

Que riscos monitorizam por esta altura com maior preocupação e porquê?

Numa fase em que os dois principais bancos centrais se preparam para voltar a ser outra vez “the only game in town”, tentando repetir as proezas analisadas por Mohamed El-Erian, em 2016, estamos particularmente atentos a desenvolvimentos no âmbito de política monetária. Todavia, não antevemos que uma eventual renovada vaga de estímulos monetários seja capaz de devolver ao mundo um período de “Goldilocks” e garantir a sustentabilidade das bolhas acionistas e obrigacionistas, que cristalizam a atual quebra de correlação histórica entre estas duas classes de ativos. De facto, acreditamos que a próxima recessão poderá, numa perspectiva de mercados financeiros, assumir o nome “crise dos bancos centrais”, em homenagem à impressionante distorção e insuflamento que estes imprimiram nos mercados financeiros.

Ainda que consideremos que um potencial acordo entre EUA e China será uma convenção fachada de cariz meramente formal para tentar garantir a estabilidade dos mercados financeiros, e, na prática, incapaz de restaurar o paradigma de comércio internacional vigente até ao início da escalada protecionista entre as duas maiores economias mundiais, também monitorizaremos de perto os desenvolvimentos no âmbito das relações comerciais entre EUA e potências mundiais, como China e União Europeia.

No âmbito geopolítico, vigiaremos cuidadosamente a evolução da atual tensão entre EUA e Irão, cujos efeitos nefastos, num contexto de uma eventual maior escalada, extravasarão, em larga escala, o mercado de petróleo.

Continuaremos também a analisar a situação política entre Reino Unido e UE, principalmente dado o momento crítico que o processo para Brexit atualmente atravessa: provável eleição, por parte de menos de 0,25% da população britânica, de um primeiro-ministro populista e manifestamente inapto para ocupar o cargo de liderança a que se propõe. Ainda que atribuamos agora uma maior probabilidade à concretização de um hard Brexit, o nosso cenário-base continua a ser a realização de um segundo referendo, até ao qual o Reino Unido deverá atravessar um muito penoso período de incerteza potencialmente ainda mais prejudicial (face ao período de May) para a sua economia e para a libra esterlina.

Entre mercados e economia real/negócio, não temos dúvida que, na actual fase, conferiremos muito maior ponderação ao último, que transmite um retracto deveras mais fidedigno da realidade e sentimento vivido pelas empresas, perante a total distorção, complacência e, até mesmo, significativo grau de irracionalidade que abundam no primeiro.

Qual o fundo de investimento que recomendam para o segundo semestre de 2019 e porquê?

Perante uma visão macroeconómica que prega cautela e incita a posicionamentos mais conservadores, para o segundo semestre, privilegiamos fundos de investimento multiativo, que abranjam todas ou, pelo menos, quase todas as cinco classes de ativos seguintes: ações, obrigações, matérias-primas, cash e ativos reais (imobiliário).

Para uma apresentação, com maior detalhe, dos posicionamentos multiativo que consideramos mais atrativos, sugerimos a consulta do nosso documento multi-asset relativo ao terceiro trimestre de 2019.
 
Quais os temas onde procuram alternativas de investimento?

Numa perspectiva de tendências macro, acreditamos que existem oportunidades, a longo prazo, em temas como a cibersegurança, a água, a mobilidade, a agricultura biológica e sustentável, a alimentação saudável, a robótica e, de um modo mais abrangente, empresas que providenciam as mais variadas soluções para, de diferentes ângulos, combater alterações climáticas e promover a proteção ambiental.