Brexit: Consequências no mercado UCITS/MIFID

Paulo_Costa_Martins_Eduardo_Fonseca

Volvido pouco mais de um mês da data do referendo ainda não é possível antever quais os efeitos desta decisão para o sector financeiro, mormente quanto à aplicação da Directiva relativa aos Mercados de Instrumentos Financeiros, a Directiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004 (“MiFID”) e à Directiva de Organismos de Investimento Colectivo em Valores Mobiliários, a Directiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, conforme alterada (“UCITS”) – dois dos principais instrumentos legais europeus que regulam esse sector.

Esta problemática assume especial relevância dada a incerteza da própria permanência do Reino Unido no Espaço Económico Europeu (“EEE”).

Em face do exposto, o que propomos com o presente artigo é, mais do que oferecer respostas, olhar às eventuais consequências do apelidado Brexit no âmbito da MiFID e da UCITS.

Para o efeito, assumiremos um cenário pessimista em que o Reino Unido estaria, efectivamente excluído da EEE.

Para começar, logo concluiríamos que nesse cenário o Reino Unido nem poderia beneficiar de um estatuto igual àquele que, por exemplo, a Noruega detém, pelo que para efeitos de aplicação da MiFID, os países do Reino Unido passariam a ser considerados países terceiros.

Sendo um dos principais objectivos da MiFID o de facilitar a actividade transfronteiriça das empresas de investimento dentro da União Europeia, a Directiva desenvolveu o sistema de Livre Prestação de Serviços (“LPS”) e o princípio de livre estabelecimento de sucursais de empresas de investimento de outros Estados Membros.

Por um lado, a LPS permite que as empresas de investimento de um Estado Membro ofereçam os seus serviços no espaço europeu numa base cross border, sem que seja necessária a constituição de uma sucursal ou de uma sociedade em cada país. Deste modo, as entidades de países terceiros que não beneficiem deste sistema estão obrigadas a estabelecer uma instituição autorizada na jurisdição em que pretendam comercializar os seus serviços. Note-se que esta é uma das principais razões que levou muitas instituições de países terceiros a escolher o Reino Unido para aí estabelecerem as suas subsidiárias, a fim de beneficiarem de um ponto de acesso privilegiado ao mercado europeu.

Por outro lado, o estabelecimento de sucursais de instituições sediadas num Estado Membro passou a ser efectuado através de um processo relativamente simples, operando-se mediante uma comunicação, na qual constam um conjunto de elementos informativos, entre a entidade de supervisão do país de origem e a do país de acolhimento.

Já o estabelecimento de sucursais ou de subsidiárias de instituições de países terceiros irá requerer que se inicie um processo, mais complexo e moroso, de autorização e registo junto da autoridade de supervisão do Estado Membro de acolhimento.

Concluímos, pois, que a saída do Reino Unido da União Europeia e da EEE teria, à partida, como principal consequência para as empresas de investimento uma dificuldade acrescida em aceder aos seus clientes e ao mercado europeu, já que não só perderiam o direito ao “passaporte europeu” através da LPS, como também teriam de passar por um processo mais complexo e moroso para se estabelecerem em qualquer país da União.

Para compreender a dimensão que o impacto do Brexit poderá acarretar, veja-se que só em Portugal, segundo a informação disponível no site da CMVM, existem 2008 empresas de investimento a exercer actividades de intermediação financeira em regime de LPS.

Uma eventual solução para estas empresas de investimento, seria a de abandonar o Reino Unido e estabelecer uma subsidiária num Estado Membro, transferindo para essa entidade toda a sua actividade, outra seria a sua manutenção no Reino Unido embarcando no pantanoso mundo da “reverse solicitation rule.

E em relação aos UCITS? A reforma que deu origem à UCITS tinha como um dos principais objectivos maximizar a eficiência do mercado europeu. Para o efeito, a Directiva dispõe que a autorização de exercício de atividade de um UCIT e de uma sociedade gestora é válida em todos os Estados Membros. Assim, é possível a um UCIT comercializar as suas unidades de participação/acções junto de outro Estado Membro, bastando que para tal notifique a autoridade de supervisão desse país. Mais ainda, é permitido aos UCITS designar ou de ser geridos por uma sociedade gestora autorizada num Estado Membro diferente do Estado Membro de origem do UCIT, desde que essa sociedade gestora cumpra com determinados requisitos.

Com o Brexit, os UCITS do Reino Unido deixarão de poder ser distribuídos junto dos investidores europeus ao abrigo do passaporte europeu. Tendo em conta que não está previsto um passaporte para UCITS de países terceiros, a solução passará, tal como referido para o caso da MiFID, pelo abandono do Reino Unido, e o seu estabelecimento em Estados Membros da União, ou pela “reverse solicitation rule”. No caso dos UCITS serão ainda de ponderar como alternativa os regimes de colocação particular estabelecidos nos Estados Membros da União.

Porém, o impacto do Brexit no caso particular dos UCITS poderá não ser tão pronunciado e intenso quanto àquele que as empresas de investimento, no âmbito da MiFID poderão sentir.

Com efeito, por um lado o mercado ainda não acolheu o passaporte das sociedades gestoras, pelo que, a título de exemplo, não há sociedades gestoras do Reino Unido a gerirem directamente UCITS portugueses; por outro lado, a esmagadora maioria dos UCITS comercializados em Portugal estão domiciliados no Luxemburgo e na Irlanda, e não no Reino Unido. Assim, ainda que geridos por sociedades gestoras do Reino Unido, os UCITS domiciliados no Luxemburgo e Irlanda (ou demais países da União Europeia) não perderão o passaporte para a sua comercialização em Portugal, em resultado do Brexit.

De notar, finalmente, que o inverso também se aplicaria a empresas de investimento, sociedades gestoras e UCITS da União que perderiam os seus direitos no Reino Unido.

Em suma, ainda pairam muitas incertezas quanto aos moldes em que irá decorrer o processo de negociação que levará à saída do Reino Unido da União Europeia. Para todos os efeitos, o status quo do Reino Unido ainda se mantém e aos olhos da legislação europeia, o referendo nada mudou. Assim, as empresas de investimento e os UCITS continuam e continuarão a operar como sempre fizeram, até que seja formalizado o pedido de saída nos termos do agora famoso artigo 50.º do Tratado de Lisboa.