Adelaide Marques Cavaleiro, diretora executiva na BBVA AM Portugal, cruza o atual drama da migração no Alentejo, com as exigências de sustentabilidade na indústria financeira: não seremos todos os nós o ponto de partida?
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Apaixonada pelo Alentejo e pelo seu litoral, assisto estupefacta e revoltada desde há anos para cá à destruição do Parque Natural da Costa Vicentina em nome de um modelo de agricultura totalmente irresponsável e destruidor dos recursos naturais, que em nada contribui para diminuir ou mitigar a pobreza de uma das regiões mais carenciadas de Portugal. Não poderia escrever sobre nenhum outro assunto.
Na semana passada as televisões e os jornais nacionais acordaram finalmente, nos seus horários de prime time e capas, para o drama do sudoeste alentejano. Descobrimos repentinamente, como subproduto da pandemia que nos assola há mais de 1 ano, que há quem pague 16,000 euros por uma viagem do outro lado do mundo para vir trabalhar a 3 euros/hora, pagando mais de 100 euros por mês por uma enxerga imunda num quarto onde dormem por vezes mais de 10 pessoas, sob o plástico que cobre as monoculturas de frutos vermelhos, numa extensão de estufins superior a 1300 hectares, já observável no espaço e autorizada a triplicar. Uma área integrada num parque natural que faz parte da rede europeia Natura 2000, junto a arribas onde nidificam as únicas cegonhas do mundo que o fazem neste tipo de habitat juntamente com muitas espécies de fauna e flora de interesse e alimentadas por uma barragem onde a captação de água é, ano após ano, feita a quotas cada vez mais baixas, percorrendo depois canais de rega construídos durante o Estado Novo e que até hoje nunca foram otimizados ou reparados, dando origem a um enorme desperdício de água entre o seu local de recolha e o de uso, ao mesmo tempo que as autarquias são avisadas da previsão de que a água disponível não será sequer suficiente para o consumo humano naquela região. Uma região que se mantém como uma das mais pobres do país com um rendimento per capita dos mais baixos no cômputo nacional, não parecendo pois beneficiar em nada da alteração profunda e estrutural da paisagem económica e social registada nos últimos anos.
Na mesma semana, alguns de nós, revemos e refazemos a agenda com a lista de to-do’s relativamente aos trabalhos de continuidade das fases posteriores à implementação do SFDRnos fundos que gerimos ou que compramos para as nossas carteiras.
De facto, dou-me conta do fosso significativo que ainda existe entre o que dizemos querer fazer e nos comprometemos a fazer junto dos nossos clientes, supervisores e stakeholders com a enorme e extraordinária oportunidade que o projeto de finanças sustentáveis da UE trará a todos os Europeus e os nossos pequenos gestos do nosso dia a dia como consumidores e cidadãos, em que parecemos não perceber que é do esforço conjunto, continuado e consistente na observação e entendimento do que funciona mal no nosso mundo e, sobretudo, no que nos rodeia mais de perto, que os princípios de ESG se farão realidade. Que os nossos filhos poderão colher e maturar exemplos de comportamento que nos ajudem a construir e deixar-lhes algumas melhorias em relação ao que a nossa geração e as anteriores permitiram complacentemente fazer deste planeta. É da nossa exigência de accountability aos políticos que elegemos, rigor na utilização dos recursos naturais, na atenção que damos à forma como os alimentos que consumimos são produzidos, os recursos que usam, o trabalho e condições de trabalho necessários para chegar à nossa mesa e o desperdício que geram que se fará a diferença a médio e longo prazo, a diferença de atitudes que tem valor e fica registada nas nossas mentes e comportamentos como sociedade, superando a espuma dos dias e as indignações fáceis nas redes sociais.
O que escrevemos nos regulamentos e prospetos dos fundos, os circuitos, meios e recursos que alocamos nas sociedades em que trabalhamos e o que monitorizamos nas empresas em que investimos o dinheiro dos nossos clientes, com a promessa e expectativa de retorno mas também num mundo mais sustentável, começa em cada um de nós.
Esta foi uma excelente semana para nos darmos conta disso mesmo. Que as próximas framboesas que colocarmos nos nossos iogurtes e sobremesas amanhã, nos façam a todos refletir nestas questões.