Chart of the Week – A fenomenal implosão de todas as franjas mais especulativas do mercado

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João Lampreia. Créditos: Vitor Duarte

Chart of the Week é da autoria de João Lampreia, chief investment strategist no BiG.

O dia em que escrevo esta rubrica do Chart of the Week para a Funds People coincide com um épico sell-off no espaço das criptomoedas. Com efeito no espaço de poucas horas a Bitcoin desvalorizou cerca de 30% e chegou a transacionar sobre a fasquia dos USD 30.000 quando há pouco mais de 3 semanas atrás negociava confortavelmente a norte dos USD 60.000 e os seus famosos profetas do espaço (Musk, Cathy Wood, etc) insistiam no seu potencial infinito.

O objectivo dos parágrafos seguintes não pretende elaborar sobre as razões que levaram a este colapso (Musk muda de ideias - prejuízos ambientais e shortages mundiais em diferentes cadeias de valor que resultam do peso excessivo de Bitcoin - e deixa seguidores WallStreetBets em fúria, China rejeita a adoção de tokens digitais, etc.), nem tão pouco pretende desenvolver como poderá o preço da Bitcoin evoluir no curto-médio prazo, uma vez que este tipo de ativos (opaco, pouco líquido e ausência de drivers de avaliação) sempre nos habituou a ciclos de boom e bust que seguem precisamente o padrão que agora se desenrola de forma tão explosiva quanto natural. Aliás, num recente evento que o BiG organizou em parceria com a Funds People no final de Abril subordinado ao tema de bolhas especulativas vigentes batemos os tambores para o risco iminente de uma violenta correção sobre estes ativos, uma visão que voltámos a reforçar no artigo de opinião publicado na Funds People ainda no início da semana passada intitulado Check Point Macro/Mercados vs Ideias Chave do BiG Capital Markets Day.   

É sempre complexo extrapolar conclusões mais alargadas desta espécie de montanha russa ao nível dos preços que assistimos nos últimos dias no espaço das criptomoedas, mas não deixa de ser interessante constatar que desde o colapso das SPACs, bem como das empresas que integram o famoso ETF de Clean Energy, à espetacular queda no abismo da tecnologia disruptiva e/ou non profitable Tech (o atual equivalente à bolha dotcom nos saudosos anos 2000), junta-se agora por fim a implosão da Bitcoin (um género de Tulipa digital em pleno século XXI no meio da insanidade coletiva à saída da devastação COVID). Uma por uma, todas as franjas mais especulativas do mercado que vínhamos a alertar já desde o final do ano passado implodiram num crash meteórico de volta ao planeta Terra – sítio, aliás de onde nunca deveriam ter saído! É porventura a experiência pessoal mais similar a Cinema e Pipocas a estalar que tive nos últimos 18 meses desde que o fenómeno COVID transformou as nossas vidas.

 Gráfico – Evolução Franjas Especulativas do Mercado* (Jun 2020=base 100)

Fonte: Bloomberg, BiG Strategy. *Tecnologia especulativa/Non Profit Tech, ETF Global Clean Energy, IPOX SPAC Index e Bitcoin

No seu conjunto, a recente implosão das franjas mais especulativas de mercado não é mais do que o estrondoso som/maré do nível de liquidez sem paralelo induzida pelos Bancos Centrais que tenderá nos próximos meses a drenar. No seguimento da divulgação das atas do FED, já se observam um conjunto de representantes do FED que defendem o início do processo de discussão/preparação do tapering, sendo que o próprio Chairman Powell admitiu que para o FED este ainda não é o momento adequado de conversar sobre conversas de tapering, o que na realidade não deixa de ser uma amálgama metafórica que nos diz precisamente o contrário - o FED já está, pelo menos em parte, a ter esse tipo de conversa e uma admissão/reconhecimento do Elefante na Sala – i.e. o processo de Tapering é inevitável, venha ele mais tarde ou mais cedo – tanto porque o nível de recuperação económica e estabilização pandémica decorre acima do esperado, bem como pelo facto dos riscos inflacionários traduzirem uma força crescente por demais evidente. A divulgação recente dos NFP´s relativos à criação de emprego nos EUA no mês de abril (já depois da última reunião do FED) pode conferir ainda alguma margem de manobra ao FED, mas se atentarmos como a inflação descolou no último mês (seja numa base homóloga quanto ao nível da sua variação mensal) percebemos que o tempo-extra no processo de normalização monetária não será significativo, sob o risco do FED perder o seu timeline de ação e vir a ter de acionar travões de emergência mais tarde e de forma severa com repercussões obviamente mais negativas sobre a economia e a estabilidade de preços e dos mercados financeiros.

Ainda assim, convém ressalvar que as expectativas do mercado em relação à atuação do FED já ajustaram profundamente à luz dos desenvolvimentos recentes. O consenso de mercado aponta para que o FED deliberadamente reconheça a necessidade das denominadas Taper Talks no Simpósio de Jackson Hole em agosto, pelo que a concretização da redução gradual do programa de compras do FED deverá começar a tomar forma no início de 2022 – mas volto a questionar como fiz no meu artigo de opinião da semana passada: Qual a necessidade do FED estar a comprar mensalmente ativos MBS no valor de USD 40 mil mn/mês num contexto em que o mercado imobiliário já se revela claramente sobreaquecido? Na pior das hipóteses (algo que não acredito), o FED pode até arriscar-se a ficar atrás de outros peers desenvolvidos no ritmo de normalização monetária (atente-se no roadmap de normalização monetária já definido pelo Canadá sem implicações adversas para os ativos financeiros), algo que simplesmente não faz sentido tendo em conta o dinamismo e a recuperação extraordinária da  economia americana, impulsionada naturalmente por estímulos fiscais sem paralelo face à resposta fiscal protagonizada noutras regiões, isto já para não referir no avanço significativo do ciclo vacinal nos EUA.

Na realidade, o consenso do mercado progressivamente mais hawkish para a atuação do FED no médio prazo e a resiliência dos ativos financeiros tradicionais são claramente o lado mais positivo e importante da história relacionada com a implosão do preço de toda esta franja de ativos marcadamente especulativos. Atente-se no drawdown de curto prazo acima de 40% observado por ativos como tecnologia especulativa ou da Bitcoin e que comparam com quedas modestas tanto pelo Nasdaq 100 (-6%/-7%) como pelo próprio S&P 500 que transaciona somente 2%-3% abaixo de máximos históricos. O receio de contágio do colapso das franjas mais especulativas do mercado para o desempenho de ativos tradicionais não se verificou – atente-se que o Nasdaq 100 encerrou positivo na própria sessão em que a Bitcoin implodiu para mínimos intradiários junto dos USD 30.000 – o que traduz claramente uma manifestação de confiança dos investidores na manutenção do upswing macrocíclico vigente e no potencial, ainda que mais estreito, da generalidade dos ativos de risco tradicionais no médio prazo.