Chart of the Week - Um novo neutral?

Tiago Rabaça
Tiago Rabaça. Créditos: Vítor Duarte

Chart of the Week é da autoria de Tiago Rabaça, analista na Millennium bcp – DWM.

A Reserva Federal (FED) apresenta os seus dot plots desde 2012, através dos quais cada membro assinala projeções individuais para as taxas de juro de referência nos próximos anos e no longo-prazo. A projeção mediana para o longo-prazo (i.e., a taxa de juro neutral), foi revista consecutivamente em baixa ao longo do último ciclo económico, encontrando-se de momento nos 2.4%.

Fonte: Bloomberg

Historicamente, como este gráfico nos mostra, as UST 10Y yields têm encontrado nesta projeção da taxa de juro neutral da FED uma barreira, apenas ultrapassada em raras instâncias (o único período em que a yield a 10 anos ultrapassou esta estimativa da taxa neutral foi em 2018, sendo que esse movimento foi relativamente curto, já que o próprio nível elevado de yields rapidamente gerou uma narrativa no mercado quanto a um possível policy mistake da FED, precipitando então uma queda nas yields). Reconhecidamente, uma vez que apenas temos dot plots desde 2012, a amostra é relativamente curta, mas este género de barreira em traços gerais também se verifica quando consideramos a taxa de juro terminal implícita no mercado (aqui inferida pelo overnight index swap 5Y1M).

Atualmente, e após subidas significativas nas yields desde o início do ano, deparamo-nos com uma situação no mercado que faz de certa maneira lembrar o contexto vivido em 2018: as UST10Y yields têm flutuado em torno dos 2.5%, testando níveis ligeiramente superiores à estimativa da FED para a taxa de juro neutral (curiosamente, as yields têm para já tido dificuldade em quebrar esse nível).

Deste modo, o gráfico que apresento parece sugerir que a fase mais rápida da subida das yields longas nos Estados Unidos já terá acontecido e que daqui para a frente qualquer subida encontrará maior resistência ou, caso mesmo assim aconteça, fará por sua vez regressar alguns dos fantasmas de 2018 – medos de políticas monetárias demasiado restritivas e, consequentemente, o aumento da probabilidade de uma recessão – sendo essa ascensão nas yields eventualmente corrigida pelas preocupações que a sua própria subida venha a gerar. A inversão de algumas maturidades da yield curve nos EUA nos últimos dias reflete o início desta narrativa.

Dito isto, e apesar de nesta ótica poder ser importante ter em consideração o nível projetado para a fed funds no longo-prazo como referência para as UST 10Y yields, não existe consenso relativamente a qual é, afinal, a taxa de juro neutral da economia norte-americana, sobretudo numa era pós-pandémica para a qual não existe um verdadeiro playbook. Os impactos de megatendências aceleradas pela pandemia (digitalização, automatização…) na produtividade e no crescimento potencial, bem como da possível persistência de alterações no comportamento da força de trabalho e o seu efeito na taxa de desemprego de longo-prazo (NAIRU), por exemplo, permanecem abertos para debate. Tudo isto pode vir a justificar revisões nas estimativas para as taxas de juro neutrais, tanto pela FED como pelo mercado. Entretanto, o foco deverá continuar a passar não só pelo nível de yields, mas também pela sua distância para a taxa de juro neutral (estimada, mas não observável a priori, e por isso sujeita às diversas narrativas até que surja maior evidência sobre onde se encontra, afinal, a taxa de juro neutral pós-pandémica).