Check point macro e de mercado vs. ideias chave do BiG Capital Markets Day

Joao lampreia big research
João Lampreia. Créditos: Vitor Duarte

Artigo da autoria de João Lampreia, chief investment strategist no BiG.

Em compensação de não ter tido a possibilidade de partilhar a minha crónica de opinião junto da FundsPeople desde o início do trimestre, este texto assume um duplo propósito com que pretendo brindar os nossos estimados leitores. O primeiro pretendo elaborar sobre a dinâmica dos principais vectores económicos nas diferentes regiões que temos observado ao longo do ano, ao passo que o segundo ângulo de análise reflecte como os agregados macro se repercutiram na evolução do preço das classes de activos. Em ambos os tópicos irei confrontar a realidade com os cenários que havíamos projectado no início do ano – em particular no âmbito dos temas de investimento-chave que dissecámos ao longo do Capital Markets Day do BiG (21/Janeiro) - o qual teve a colaboração/cobertura da FundsPeople.

  • Evolução macroeconómica vs. ideias chave do BiG Capital Markets Day

Ao nível do crescimento económico, os primeiros 4 meses do ano revelaram um desempenho bastante assimétrico a nível mundial – o que aliás não surpreende face à dinâmica que já havíamos observado no ano transacto. As diferenças no estágio do ciclo vacinal e consequente estabilização/divergência pandémica, bem como a distinta abrangência e/ou direccionalidade das políticas expansionistas fiscal e monetária traduzem os principais factores que justificam a divergência do desempenho entre regiões. Com efeito, tendo por base o crescimento sequencial do PIB no 1T/21, os EUA registam um cenário de expansão económica muito expressivo (+6,4%), o que compara com um ritmo de crescimento sequencial do produto amplamente mais modesto na China (+0,6%) e até mesmo negativo na Europa (-0,6%).

Tal como havíamos previsto no início do ano, o velho continente não conseguiu evitar o denominado double dip económico, em resultado das restrições à mobilidade generalizadas que foram impostas para conter o impacto da terceira vaga pandémica face ao atraso do ciclo de vacinação. Com a excepção de França que registou um crescimento positivo do PIB no 1T/21 (diferiu políticas de confinamento até março), as principais economias Europeias não escaparam ao cenário de contracção económica – Alemanha (-1,7%), Itália (-0,4%) e Espanha (-0,5%) – sendo que a quebra do PIB em Portugal (-3,3%) foi a mais severa na Europa por razões que todos, infelizmente, conhecemos. A nível geral, a quebra do consumo privado com a implementação dos lockdowns e as restrições sobre um conjunto de cadeias de valor no sector da manufactura acabaram por ditar o desempenho económico negativo da região. Após o período da tormenta, a Zona Euro “já entrou” num ponto de inflexão, à medida que progressos no esforço de vacinação são alcançados e a Pandemia denota algum controlo, ao passo que o Plano de Investimento Europeu deverá ser ratificado no final do Verão - desembolso dos Fundos deverá ocorrer a partir de Setembro. Demasiado pouco, demasiado tarde…mas ainda assim uma ajuda importante na recuperação cíclica da região que deverá, em média, recuperar a totalidade do output perdido apenas no 2S/22, com mais de um ano de atraso em relação aos EUA e à própria China. Nada de novo portanto, continuando a Europa a ser Europa e o título de velho continente revela-se elucidativo quanto ao fraco perfil de dinâmica económica e crescente perda de relevância geopolítica na cena internacional.

O crescimento expressivo da economia americana foi impulsionado essencialmente pela subida exponencial do consumo privado (+10,7%) que representa a principal parcela dos diferentes agregados do PIB, o qual foi alavancado pelo efeito dos denominados cheques de estímulos do Governo que foram distribuídos à população quase de forma consecutiva. Os indicadores de alta frequência sugerem uma recuperação expressiva dos níveis de mobilidade em função do avançado estágio de vacinação e deverão acentuar a recuperação de um conjunto de sectores de actividade que foram severamente afectados pela Pandemia. Atendendo à natureza da conjuntura fiscal, o investimento público acelerou a uma taxa anualizada de 6,2% - o registo mais elevado desde 2002, ao passo que o investimento Privado evidenciou um crescimento anualizado de quase 10%. O efeito agregado da subida do Consumo e do Investimento Privado promoveu uma contracção do nível de inventários que obrigou a um incremento do nível de importações – pelo que a componente líquida do saldo comercial e a variação dos inventários acabou por retirar 2,6% p.p. ao crescimento do PIB. Com este desempenho absolutamente estelar, a economia americana já recuperou a quase totalidade do output perdido com o Covid, pelo que seguramente ao longo do 2T/21 a actividade económica nos EUA irá suplantar o seu nível máximo pré-pandémico.  

A recuperação económica da China que foi épica em 2020 tem vindo a perder fulgor nos primeiros 4 meses do ano. A divulgação de indicadores compósitos na China tem desiludido - nível de consumo e investimento situam-se abaixo da trajectória pré-COVID - verificando-se um abrandamento do crescimento sequencial mascarado por comparáveis homólogos explosivos e que traduzem uma certa normalização da capacidade utilizada que se encontrava a níveis muito elevados. A desaceleração da economia Chinesa acaba por não ser surpreendente, uma vez que o perfil da recuperação esteve assente em dois factores específicos: i) rápida normalização da actividade industrial que tresladou numa evolução favorável da Balança Comercial e que beneficiou dos lockdowns sucessivos no Mundo Ocidental; ii) Expansão muito significativa do investimento público direccionado para infra-estruturas e imobiliário, como aliás é típico do reportório do policy mix fiscal da China. Esta situação teve o condão de acentuar algumas debilidades macroestruturais do país – deficiente alocação de recursos e de capital, falta de produtividade/inovação, alavancagem excessiva do sistema financeiro e empresas SOE, bem como vulnerabilidades externas a diferentes níveis (Energia, tecnológico, entre outros) num contexto geopolítico crescentemente adverso e com a popularidade da China no Mundo Ocidental a mínimos históricos. A cúpula do poder na China, tal como foi identificado no plano estratégico para os próximos 5 anos, tem noção das limitações que caracterizam o país e já reverteu de forma célere as políticas de expansão fiscal (Governo Central) e monetária (PBOC) com o objectivo de conter o agravamento de alguns dos desequilíbrios estruturais e procurando mitigar os riscos de um crash potencial mais significativo dos activos Chineses.

No wrap-up de análise económica e pandémica em relação às nossas projecções delineadas no início do ano, podemos considerar que a maior debilidade do ciclo económico evidenciado pela Europa coincidiu com as nossas expectativas, ao passo que as trajectórias de crescimento das duas maiores potências mundiais surpreenderam marginalmente – pela positiva nos EUA e pela negativa na China. Já o cenário pandémico, no geral e apesar do imbróglio vacinal, mantém-se a decorrer entre o nosso cenário “Base” e mais “Optimista”, uma situação que é obviamente crítica para a manutenção do upswing cíclico vigente.

  • Evolução Contexto de Mercado Vs Ideias Chave do BiG Capital Markets Day

A narrativa em torno da história da grande “Reflação/Rotação” que determinou a evolução dos activos de risco no final de 2020 estendeu-se de forma natural nos primeiros 4 meses do novo ano. Factores como a dispersão de avaliações e de preços entre sectores/geografias, nível de liquidez sem precedentes, forte recuperação dos resultados empresariais, o cenário de fortalecimento do upswing macro cíclico e a perspectiva de estabilização pandémica conferiram maior força ao play de reflação/rotação vigente que tem vindo a beneficiar os segmentos que ficaram mais atrasados no ciclo de recuperação – com destaque para os temas Value e Cíclicos. A outperformance destes face a Tecnologia foi de tal maneira expressiva entre Nov-20 a Mar-21 que uma parte significativa do upside que apontávamos no início do ano começa já a ficar amplamente descontado nos preços. Nesse sentido, Abril foi um mês de rebound para Tecnologia - Nasdaq 100 liderou ganhos beneficiando da estabilização das taxas de juro nos EUA.

Sem surpresa e tendo em conta o nível de excepcionalidade económica dos EUA, os índices accionistas americanos lideram os ganhos numa base YTD, sobretudo considerando a performance do S&P 500, Dow Jones, Russell 2000 e Russell 1000 Value que registam valorizações que oscilam entre os 10% a 16%, ao passo que o Nasdaq queda-se por uma valorização de apenas 4% por motivos relacionados com o nível de sobre-avaliação, o risco em curso de subida das taxas de juro/pressões inflacionistas e o ciclo de normalização pandémica que determinará vencedores no curto prazo que, obviamente, não passam pelo sector tecnológico. Os novos máximos históricos fixados pelos índices norte-americanos levam a que grande parte dos targets anuais estejam já praticamente atingidos nos primeiros 4 meses do ano, o que tendo em conta o risco crescente de um possível overshoot da inflação e a inevitabilidade de taper talks pelo FED deverão acarretar um período de maior volatilidade do mercado no período remanescente de 2021 e um retorno previsivelmente mais estreito para os activos de risco. O mercado parece descontar um cenário praticamente perfeito, algo que também podemos inferir da fenomenal época de resultados que caminha para o seu epílogo – a qual revelou que os lucros das empresas cresceram, em média, quase 50% YoY e o price action subsequente dos títulos foi relativamente insípido.

Gráfico 1) Métricas de Avaliação S&P 500

Fonte: Alpine Macro; Bloomberg; BiG Strategy

O nível de avaliações do mercado em termos absolutos (Gráfico 1) está a níveis historicamente elevados, mas as métricas de avaliação fundamental são irrelevantes no que respeita uma eventual temporização do nível de preços, uma vez que o mercado por se encontrar dispendioso no presente, não significa que não se manterá “dispendioso” nos próximos 3-6 ou mesmo 12 meses. A única certeza que temos quando nos deparamos com este nível de avaliações de mercado é que o retorno potencial de longo prazo será claramente inferior em relação a períodos de uma maior subavaliação do preço dos activos financeiros – pelo que este não é o momento de investimento adequado “a quem chegou atrasado à festa” ou a quem continua a perseguir tendências marcadamente especulativas que se observam num conjunto de franjas de mercado (SPACs/IPOs, MicroCaps, Meme e low quality Stocks, NFs e cripto-activos – este último tema surpreendeu-nos pela sua resiliência). Não obstante as franjas especulativas do mercado que referi e o nível absoluto de avaliações do mercado de acções dispendioso, a visão torna-se mais positiva numa óptica granular tendo por base a avaliação relativa das acções face às obrigações, sendo possível constatar que o prémio de risco (ERP) continua a ser favorável às primeiras, com o Gráfico 2) a demonstrar um ERP quase 550 p.b. acima do que observámos aquando a bolha especulativa e subsequente crash de 2000.

Com o Mundo inundado de liquidez, o sistema financeiro muito mais capitalizado e resiliente face à última crise, excesso de poupanças e capital institucional nas sidelines a níveis abundantes, qualquer correcção mais pronunciada que esperamos vir a ter deverá continuar a ser explorada como uma oportunidade táctica de entrada nos temas de investimento que identificamos como os mais atractivos na fase actual (Value, Cíclicas e Emergentes selectivo) e que continuarão a beneficiar do fortalecimento da recuperação cíclica com o estabilização pandémica e o regresso a um novo normal – o qual poderá ser um pouco diferente face ao que estávamos habituados nos últimos 30 anos e que provavelmente acarretará níveis de inflação mais elevados durante mais tempo – talvez a inflação não seja assim tão benigna ou transitória como o Fed quer fazer todos acreditar, mas já nos debruçaremos sobre este tema nas linhas seguintes.

Gráfico 2) Evolução ERP @EUA 2000-Actual

BiG Strategy

Regressando ao mercado acionista, apesar dos índices norte-americanos pela sua dimensão e inexorável importância definirem a tendência do sentimento geral, uma nota de destaque para o desempenho muito favorável do equity europeu – precisamente pela predominância de setores value (Financeiro, Energia e Industriais) em relação a growth no velho continente. Os índices do bloco emergente ficaram marcadamente para trás de forma assimétrica: i) o desempenho dos índices asiáticos que tem uma correlação acima de 90% com os índices da China foram penalizados pelo processo mais rápido do que o antecipado no que respeita a normalização da política monetária e fiscal na segunda maior economia mundial; ii) a América Latina evoluiu muito penalizada sobretudo pela subida das taxas de juro nos EUA que levou a uma deterioração dos respectivos câmbios locais e fuga de capital, num conjunto de países que já são tradicionalmente deficitários ao nível da Balança Comercial e que enfrentam riscos inflacionários de forma recorrente. O cenário político e pandémico não contribuiu para um pick-up do sentimento na região que tipicamente tende a outperformar num contexto de rally generalizado das commodities que tem marcado 2021.

No wrap-up das nossas key calls sobre o mercado de acções, consideramos que o play de reflação/rotação que defendemos evoluiu dentro do esperado com a outperformance relativa de EUA, Europa e os temas value, small caps e cíclicos. Os mercados emergentes – um play consensual a nível global no início do ano - que também gostávamos do ponto de vista macro-fundamental foi o único tema de investimento que acabou por desiludir, sendo que nesta fase continuamos a observar valor na região – em particular na mais deprimida América Latina face ao pico macro-cíclico que se observa na China e que tem retirado fulgor aos índices asiáticos.

O rally das commodities tem sido igualmente fulgurante e abrange todo o tipo de commodities (Agrícolas, Energia e Industriais), reflectindo o optimismo dos investidores na progressão do play de reflação. Curiosamente, uma das poucas commodities que ficou para trás neste rally fulgurante acabou por ser o tão famoso Chocolate, uma vez que não se verificaram disrupções ao nível da Oferta relevantes (como noutras commodities alimentares) e ao que parece a procura parece ter sido pouco intensificada mesmo com hábitos alimentares potencialmente “mais gulosos” no contexto da consolidação do teletrabalho a nível mundial nos últimos 15 meses! Voltando ao basket de commodities e face a comparáveis homólogos excessivamente deprimidos pelo efeito pandémico, a recuperação do preço das matérias-primas tem sido transversal, mas projectando um horizonte temporal alargado temos preferência pela exposição a commodities industriais que se mostram obviamente mais correlacionadas com o play de investimento público/infra-estruturas e de transição energética que será dominante até final da década vigente. De forma análoga, o crude poderá enfrentar headwinds estruturais – procura agregada terá de baixar para se cumprirem targets ambientais, pelo que acreditamos nesta fase numa manutenção do upswing do preço das commodities, ainda que a um ritmo previsivelmente mais moderado e os comentários em torno de um novo superciclo das commodities parecem-nos manifestamente exagerados. A recente fraqueza do USD contribuiu favoravelmente para a dinâmica de preços desta classe, mas o play de commodities está intrinsecamente relacionado com o play de reflação – pelo que independentemente da direcção do USD, a trajectória ascendente das taxas de juro deverá continuar a beneficiar o segmento.  

Em relação ao mercado de taxas de juro, assistimos no Final de Fevereiro a um teste do mercado sobre a capacidade/credibilidade do FED em conseguir manter a inflação relativamente controlada e dentro dos targets de overshoot temporário que fazem parte do seu novo mandato (uma das formas do FED procurar um crescimento económico mais inclusivo – por favor belisquem-se caso acreditem que o FED conseguirá atingir esse desígnio ao fomentar condições que potenciam bolhas especulativas de tudo que ameaçam a estabilidade do sistema e equilíbrios macro-prudenciais. Poderemos a curto-médio prazo observar uma alteração da narrativa de inflação temporária e benigna para um possível risco de overshoot da inflação mais estrutural que terá repercussões negativas sobre a actividade económica e os activos de risco. Atente-se por exemplo na alteração da narrativa do mercado de acções já em Maio – sob a qual a Tecnologia está claramente a underperformar Value num contexto de estabilização de yields. É como se o duplo efeito do rally das commodities e as disrupções generalizadas das cadeias de valor constituíssem um “sopro” inflacionário com repercussões já visíveis no equity, mas que o mercado de taxas de juro tarda a reconhecer. Até quando? Depois do Sr. Powell e o próprio FED admitir (até ao limite do politicamente admissível) o nível especulativo a que transaccionam algumas franjas do mercado e a Sr.ª Yellen por momentos se ter aparentemente “esquecido” que já não é Chairwoman do FED ao reconhecer que as taxas de juro terão necessariamente de subir de forma gradual – a sério? Não quero com isto questionar o roadmap previsto no tão famoso dotplot do FED, mas taxas reais negativas de 70 p.b. (10 yr) numa economia que poderá crescer até 7% em 2021 parece indiciar um certo risco de repricing das taxas de juro de mercado. Considero que o risco de overshoot de inflação de forma duradoura nos EUA é tanto mais provável, quanto mais o FED demorar a reconhecer a presença de dois elefantes na sala: 1) Estabilização pandémica e recuperação económica está claramente a decorrer acima do esperado; ii) Subida do nível de preços é real e factores recentes (commodities, disrupção cadeias de valor e robustez mercado empresarial/laboral visível no crescimento record de lucros e salários) apenas intensificam a ameaça inflacionária; Ainda estamos dentro do timeline em que o FED pode controlar o overshoot de inflação transitório – situação que o mercado tem ampla confiança e que se atesta na curva invertida dos Breakevens, mas para tal é importante que o conceito de taper talks comece a ser estrategicamente introduzido no léxico do Sr. Powell. A nossa previsão no início do ano era um pouco mais hawkish em relação às expectativas do mercado - o Simpósio de Jackson Hole (Wyoming) que decorre em Agosto sempre nos pareceu o momento mais indicado para o FED introduzir as taper talks, atendendo ao timing e importância do evento face ao efeito de estabilização pandémica e recuperação cíclica mais pujante da economia Americana. O consenso de mercado aproximou-se destas datas, com o mercado a incorporar o cenário de início de discussão do Tapering pelo FED para o último trimestre do ano e provavelmente a redução do programa de compra de activos a tomar forma entre o 1º e 2º trimestre de 2022. Os benefícios do FED em preparar o mercado (já o começa a fazer) para o inevitável tapering do programa de compras claramente superam o risco do status quo em que o FED mantém-se relativamente “cego” à evidencia da trajectória económica e de preços de mercado que pode ameaçar a sustentabilidade da recuperação no médio prazo – a qual em nada beneficia da relativa insanidade de preços que se observam nalgumas franjas de mercado.

Reparemos no exemplo do Canadá que já definiu datas e termos para a redução da compra de activos e o roadmap para a trajectória de normalização monetária, sem que se tenha observado um impacto particularmente negativo sobre o mercado de taxas de juro, ainda que se tenha assistido a uma apreciação generalizada do câmbio. A credibilidade, timing e comunicação é por isso chave e não antecipamos um erro do FED no timeline da normalização monetária que referimos acima. Aliás, de entre o programa de compra de activos de USD 120 mil mn/mês, já muitos se questionam da necessidade de parte desse montante (USD 40 mil mn) ser canalizado para a compra de MBS, num momento em que o mercado imobiliário revela sinais evidentes de sobreaquecimento. Procurando antecipar a acção do FED, esta seria uma forma óbvia de concretizar uma redução de 1/3 do programa de compras, sem que essa decisão tivesse um efeito demasiado profundo nas taxas de juro sem risco. Consideramos provável que as taxas de juro nos EUA aproximem-se e consolidem em redor da fasquia de 2% até final do ano (vs 1,5%-1,75% estimativa anterior), impulsionadas por uma maior prevalência de subida das taxas reais.

No global, consideramos que nesta fase ainda conseguimos delimitar o perfil do price-action dos activos de perfil marcadamente especulativo em relação ao universo global dos activos de risco, mas vislumbramos alguma ausência de drivers de curto prazo que sirvam de propulsores para ganhos de magnitude similar ao que observámos no início do ano. Os temas de investimento preferidos que identificámos acima (Value, Cíclicas e Small Caps) apresentam ganhos entre 10% a 16% nos primeiros 4 meses do ano e o caminho de menor resistência até final de 2021 parece-nos ainda a norte dos níveis actuais, mas claramente assente numa trajectória de menor fulgor e de crescente volatilidade em função dos riscos de sobre-avaliação, inflação, regulação/impostos, proximidade do pico macrocíclico e inevitabilidade do tapering do FED que poderá conduzir a uma certa reversão do sentimento que, apesar de tudo, não afectará os diferentes temas de investimento de forma homogénea (tal como observámos no período volátil das taxas de juro entre Fevereiro e Março). Estratégias de investimento alternativas e descorrelacionadas com o mercado são nesta fase um ponto de diversificação igualmente importante.

Procurando finalizar este artigo de opinião com o célebre adágio de mercado “Sell in May and Go Away”, ressalvo que esta premissa não oferece grande validade estatística nos últimos 10 anos, tendo o S&P 500 registado apenas desempenhos negativos em Maio nos longínquos anos de 2011 e 2012. Se o investidor pretender seguir a metáfora popular de mercado, seja selectivo e moderado na redução de risco da carteira e não se esqueça de regressar no Verão! No caso de se observar uma correcção mais acentuada do mercado (o drawdown médio intra-anual do S&P 500 ronda os 10%), esta deve ser encarada como uma oportunidade de entrada nos plays de investimento favoritos. Acreditamos que os ganhos de longo prazo do mercado de acções voltarão a estar alinhados de forma mais saudável com a evolução do contexto macroeconómico e fundamental e não tanto excessivamente ligados a questões de liquidez como neste black swan pandémico. O quadro global dos activos de risco poderá mesmo arcar com uma eventual quebra pelo “próprio peso” das franjas de mercado que se encontram a níveis claramente especulativos, sendo que uma análise mais granular sobre este tema fica prometida para a minha próxima rubrica de opinião.

(O artigo foi escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico)