Cláusulas Keyman: When the roots are deep, there is no reason to fear the wind

Diana Ribeiro Duarte, Pedro Capitão Barbosa, João Serra Baptista. Créditos: Cedida (Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados)

TRIBUNA de Diana Ribeiro Duarte, sócia; Pedro Capitão Barbosa, associado principal; e João Serra Baptista, advogado estagiário, da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados.

Em tempos mais recentes, o private equity tem vindo a estabelecer-se enquanto classe de ativos mainstream - e extremamente bem-sucedida a julgar pelos retornos obtidos por muitos dos fundos (ou negócios) ao longo dos últimos anos. Ao refletir sobre os motivos que contribuem para este fenómeno de sucesso, não restam dúvidas de que, para além dos inegáveis fatores de mercado, o desempenho dos fundos de topo depende significativamente do conhecimento e perícia dos seus gestores e, assim, das decisões de investimento e desinvestimento com as quais, não poucas vezes, estes indivíduos são confrontados.

Neste contexto, o conhecimento e a especialização representam frequentemente um elemento determinante na avaliação de uma oportunidade de investimento, especialmente em ativos ilíquidos, tais como participações em empresas não cotadas - não surpreende, então, que, dada a relevância que tais executivos assumem, os investidores procurem garantir que essas pessoas dedicarão uma parte significativa do seu tempo à gestão dos seus investimentos. Por essa razão, tornou-se necessário aos investidores (v.g. titulares de unidades de participação / limited partners, dependendo da estrutura do organismo de investimento) munirem-se de instrumentos que os acautelem contra este risco.

Um desses instrumentos é a cláusula keyman (pessoa-chave). As cláusulas keyman podem ser definidas como cláusulas contratuais que visam proibir uma sociedade gestora de um fundo de procurar e executar novas oportunidades de investimento se uma (ou mais) determinada pessoa do seu conselho de administração ou gestão executiva não estiver disponível, ou se encontrar impedida de dedicar um mínimo de tempo considerado necessário para a gestão adequada desse fundo.

Estas cláusulas funcionam como uma espécie de garantia aos investidores de que os executivos mais relevantes terão a seu cargo as decisões cruciais da vida do fundo. Dito de outra forma, uma cláusula keyman assegura aos investidores que alterações significativas à estrutura organizacional de gestão ou à estratégia do fundo não terão lugar sem a presença e envolvimento de um guardião dos seus interesses - isto afigura-se de importância superlativa se tivermos em conta o padrão típico de investimentos realizados em fundos de private equity, que tendem a ser perspetivados a longo prazo.

As cláusulas keyman, embora com diferentes graus de flexibilidade para gestores e investidores, são comuns nos mercados de private equity mais maduros, tais como o dos Estados Unidos, Reino Unido e alguns mercados da Europa continental.

Como é que tais cláusulas se manifestam na prática?

Antes de mais, é fundamental identificar as pessoas-chave a quem impor tais limitações. Tipicamente, estes correspondem às pessoas cuja ausência se considera ser suscetível de causar uma perda significativa para o fundo, dada a importância do seu conjunto de competências para dirigir os destinos daquele. Esta avaliação é, pois, bastante variável: 

  • em fundos com estruturas mais pequenas, a partida de um indivíduo pode mostrar-se suficiente para colocar em risco a viabilidade da administração ou desempenho do fundo, caso em que a introdução de cláusulas keyman poderá tornar-se uma peça central da sua estrutura de governo. Neste caso, não será de espantar que estas cláusulas sejam mais moldadas para atender aos interesses dos investidores;
  • quanto aos gestores de fundos de maior dimensão, com uma estrutura de administração mais alargada e provavelmente mais qualificada, existem outras formas de mitigar o impacto nocivo que a saída de certas pessoas pode gerar. Com efeito, as cláusulas keyman poderão ser menos rigorosas e mais fáceis de contornar;
  • outros casos há em que, independentemente da dimensão da administração do fundo (sendo, no entanto, mais paradigmático nos maiores players do mercado), a gestão é atribuída a um indivíduo em concreto, mesmo que não faça parte da gestão de topo, opção esta que muitas vezes é justificada pela estratégia de marketing do fundo para os investidores. Esta relação intuitu personae conferirá um grande significado às cláusulas keyman no caso de a pessoa designada para a gestão do fundo cessar as suas funções ou mostrar-se, por qualquer motivo, impedida de fazê-lo.

Implementação

Quanto ao timing da implementação das cláusulas keyman, estas podem ser (i) negociadas e incluídas no regulamento de gestão do fundo no momento da sua génese, ou (ii) criadas num momento posterior, mediante alteração do regulamento de gestão ou introdução em acordos autónomos (v.g. numa side letter).

Para a correta aplicação destas disposições, é necessário determinar quais os acontecimentos suscetíveis de desencadear as consequências previstas para fazer face à ausência dos indivíduos acima mencionados. Em geral, qualquer circunstância que possa resultar na impossibilidade de afetar tempo e esforços às atividades do fundo (seja ela forçada ou não), é passível de acionar a aplicação da cláusula keyman – acontecimento geralmente designado por keyman event. Ainda que tais circunstâncias apresentem um ponto em comum - a indisponibilidade da pessoa-chave -, estas podem abranger uma miríade de eventos, desde os mais previsíveis, tais como a morte ou impossibilidade a longo prazo da pessoa chave (provocada, por exemplo, pelo início de um novo projeto profissional ou um despedimento), até ocasiões mais raras, tais como a condenação por um crime.

O desfecho mais frequente após a ocorrência de um keyman event consiste na suspensão das atividades do fundo até que a pessoa-chave retome as suas funções, ou seja, nomeado e aprovado um substituto adequado, o que impede o fundo de fazer quaisquer investimentos (nomeadamente novos investimentos, mas também investimentos de follow-on ou desinvestimentos) para além dos efetuados antes da instituição da cláusula keyman ou do keyman event (conforme o que for estabelecido caso a caso). A partir deste ponto, o regulamento de gestão do fundo poderá prever duas hipóteses distintas:

  • ou a suspensão é levantada decorrido um período previamente acordado (que geralmente varia entre menos de seis meses a mais de um ano), em virtude (i) da nomeação de uma pessoa-chave substituta e (ii) do voto dos participantes/limited partners que autorize a substituição da pessoa-chave, caso em que o fundo prosseguirá o seu curso habitual, ou 
  • não é possível efetuar a substituição até ao final do período de suspensão ou os investidores votam desfavoravelmente em relação à pessoa-chave substituta, caso em que o fundo é permanentemente impedido de fazer novos investimentos (o que pode revelar-se problemático se o fundo possuir montantes significativos em caixa) ou dissolvido e liquidado (desde que os investidores assim o decidam).

Gestores de ativos vs cláusulas keyman

As pessoas-chave, que não deixam de ser seres humanos, têm a possibilidade de sair ou, por alguma razão, ver-se privadas de desempenhar as suas funções como faziam antes – o que faz parte da vida. Assim, em função do risco que os gestores assumem com os investidores ao concordarem com as cláusulas keyman, podem (e devem) ser colocados em prática planos de substituição de modo a antecipar a possibilidade de ausência de tais pessoas-chave. Os referidos planos podem ser apresentados aos investidores a priori, o que pode tornar o processo de transição mais tranquilo caso seja necessário submeter o levantamento do período de suspensão ao seu sufrágio.

Em jeito de conclusão, ainda que a inclusão de cláusulas keyman não se revele obrigatória, o recurso crescente a este tipo de disposições tem-se mostrado uma das mais recentes tendências nos mercados mais sofisticados de private equity, tornando-se um verdadeiro porto seguro para os investidores naquilo que tantas vezes é considerado um mar de incerteza.