Crédito bancário europeu: o que se segue?

Luca Evangelisti e Paridhi Garg. Jupiter AM
Luca Evangelisti e Paridhi Garg. Créditos: cedidas (Jupiter AM)

TRIBUNA de Luca Evangelisti, fund manager & head of Credit Research, e Paridhi Garg, Investment analyst na Jupiter Asset Management. Comentário patrocinado pela Jupiter Asset Management.

O crédito bancário europeu percorreu um longo caminho desde o início de 2023 quando a turbulência registada nos bancos regionais dos EUA e o espetacular colapso do Credit Suisse enviaram ondas de choque por toda a comunidade de investimento. Advertisement

Os spreads de crédito da dívida bancária europeia recuaram para níveis registados há dois anos, após a breve escalada no primeiro trimestre do ano transato, o que se traduziu em enormes ganhos para os investidores. Consideramos que tal é reflexo dos fundamentais robustos dos emissores da região, que registaram uma melhoria considerável desde a crise financeira internacional. No ano passado, o descalabro do Silicon Valley Bank e o desaparecimento de 16 mil milhões de dólares americanos de obrigações AT1 emitidas pelo Credit Suisse ensombraram os bancos europeus. Até quando as preocupações com um potencial contágio causaram um grande sobressalto entre muitos investidores, continuámos a acreditar piamente que o modelo dos grandes bancos europeus era bastante diferente do dos bancos regionais dos EUA.

Importa recordar que a aquisição do Credit Suisse pelo UBS, assim como a crise que os bancos regionais dos EUA enfrentaram, ocorreram tendo como pano de fundo um ciclo de subida das taxas de juro. O Banco Central Europeu (BCE) iniciou a primeira de uma série de subidas das taxas em julho de 2022 para controlar o aumento na procura pós-COVID que causou uma escalada da inflação. 

As subidas das taxas de juro ajudaram a reforçar os balanços dos bancos europeus na medida em que contribuíram para o aumento da margem financeira e da rentabilidade geral. Mesmo assim, o crédito em incumprimento ou malparado tem ficado perto de mínimos históricos. Desde então, a inflação recuou para níveis com os quais os bancos centrais estão confortáveis num contexto de preocupações com uma eventual recessão.

Cortes das taxas de juro no horizonte

Com o aumento da possibilidade de um ciclo de descidas das taxas, os investidores debatem-se com muitas questões, incluindo qual será o impacto na rentabilidade dos bancos e se há margem para comprimir ainda mais os spreads. Em junho, o BCE cortou a taxa das operações principais de refinanciamento pela primeira vez desde 2016 e, em agosto, o Banco de Inglaterra também reduziu a sua taxa diretora. A Reserva Federal dos EUA deverá fazê-lo brevemente.

Ao longo dos últimos dois anos, os principais beneficiários da melhor rentabilidade dos bancos europeus têm sido os acionistas, porque receberam grandes distribuições de dividendos e alguns emitentes aproveitaram para fazer share buybacks. Mesmo que as taxas de juro normalizem consideravelmente a partir de agora, tal poderá resultar numa margem financeira moderadamente menor que deve afetar sobretudo a capacidade de distribuição de dividendos dos bancos e não tanto a posição de capital subjacente.

Além disso, muitos bancos conseguiram manter as taxas dos depósitos relativamente baixas por comparação com as principais taxas do mercado. Uma descida das taxas de juro também poderá ajudar a diminuir os encargos com juros e os custos de refinanciamento tanto para a dívida corporate, como para a dívida de retail. Tal poderá atenuar um potencial aumento do crédito malparado e manter a qualidade dos ativos em patamares saudáveis. As estimativas da Autoridade Bancária Europeia (ABE), a entidade reguladora dos bancos na região, indicam que o crédito malparado das famílias pode aumentar 3% em 2024.

Mecanismo de absorção de perdas

As obrigações AT1 estiveram no centro da polémica do Credit Suisse no ano passado. No caso do Credit Suisse, o facto de os obrigacionistas AT1 terem sido punidos pelas autoridades suíças, mesmo quando sobrou alguma coisa para os acionistas, causou uma grande consternação. Normalmente, os acionistas têm uma prioridade inferior aos obrigacionistas subordinados

Contudo, as obrigações AT1 europeias têm resistido bem desde esse momento graças à ABE e ao Banco de Inglaterra, que se distanciaram rapidamente da abordagem suíça às AT1. O desempenho das AT1 também tem sido sustentado por um rácio de fundos próprios principais de nível 1 (CET1), que melhorou consideravelmente, impulsionado por maiores lucros não distribuídos e, em alguns casos, menores Risk Weighted Assets. Para os bancos europeus, o rácio fully loaded CET1 situou-se, em média, em 15,9% em 2023, bem acima de 11,1%, a média dos requisitos mínimos estipulados pelo BCE.

As AT1 são a resposta aos resgates politicamente desagradáveis e economicamente insustentáveis dos governos europeus para salvar bancos em dificuldades após a crise financeira internacional. O mecanismo de absorção de perdas de AT1, um tipo de instrumento híbrido introduzido pela primeira vez em 2013, é ativado se o rácio CET1 do banco emitente descer abaixo de um limiar previamente determinado. Normalmente, este limiar é 5,125% ou 7%. Se o rácio for inferior a um destes níveis, as obrigações podem ser convertidas em ações ou extinguidas por completo. 

Fatores técnicos favoráveis

Embora os spreads das obrigações AT1 tenham recuado em relação aos valores registados após os problemas com o Credit Suisse, os fatores técnicos são extremamente favoráveis para os investidores e as yields atuais continuam a ser atrativas por comparação com as obrigações normais de empresas HY. Nos últimos cinco anos, a oferta cifrou-se, em média, em cerca de 30 mil milhões de EUR (33 mil milhões de dólares). No curto prazo, antecipamos que as emissões estarão limitadas a operações de refinanciamento e não esperamos que a oferta anual se afaste demasiado da média recente.

Na primeira metade de 2024, a emissão de obrigações CoCos situou-se em 23 mil milhões de euros, com muitos bancos a anteciparem os seus planos de financiamento para aproveitarem o ambiente de spreads favorável, o que poderá dar algum apoio aos spreads no segundo semestre do ano. O total de dívida AT1 pendente cifra-se em cerca de 210 mil milhões de dólares, o que inclui emissões em dólares americanos, euros e libras esterlinas. 

Além disso, os bancos têm estado bastante ativos no que toca a gestão das suas estruturas de capital. As AT1 são consideradas dívida perpétua e não têm uma data de vencimento final, porque os reguladores exigem que o capital mantido pelos bancos seja permanente. Contudo, a maioria dos grandes bancos emitentes resgatam com regularidade as obrigações existentes e substituem-nas por novas obrigações após os períodos em que é proibida a amortização antecipada (non-call) que variam entre cinco e dez anos. Se as obrigações não forem amortizadas, o cupão nas AT1 é normalmente refixado a uma taxa variável mais alta por comparação com uma referência previamente determinada.

Ao longo dos últimos dois anos, os pequenos e médios emitentes têm recorrido a um exercício pouco convencional de gestão do passivo, mediante o qual os emitentes compram obrigações existentes em troca de novas obrigações. Desta forma, procuram obter a refixação de menores spreads e uma maior taxa de participação, uma vez que é dada prioridade aos obrigacionistas existentes face aos novos obrigacionistas. Os reguladores também autorizaram muitos bancos a proceder ao refinanciamento quando ainda faltavam seis meses do período non-call de cinco anos.

Superar a turbulência através de uma cuidadosa seleção de crédito

Em termos de preferências de países, o Reino Unido e Espanha ainda são dois dos nossos preferidos. No Reino Unido, para além das oportunidades oferecidas pelos grandes bancos sistémicos, continuamos a ver valor em sociedades de construção. Os recentes anúncios de aquisição do The Co-operative Bank pela Coventry Building Society e da compra da Virgin Money pela Nationwide Building Society são um sinal da saúde do setor, com o reinvestimento de uma forte posição de capital

No caso espanhol, o país superou a crise energética dos últimos anos, graças a uma menor percentagem de indústrias transformadoras de utilização intensiva de energia. Espanha continua a registar uma taxa de crescimento relativamente saudável, e os índices PMI, importantes indicadores do desempenho económico, continuam a espelhar um melhor sentimento por comparação com outros países europeus. A fusão entre o BBVA e o Sabadell é um importante desenvolvimento que estamos a acompanhar. 

Em geral, adotamos uma abordagem tática aos investimentos em AT1, em função dos resultados pretendidos. Por exemplo, na estratégia Jupiter Unconstrained Bond, vemos valor no retorno oferecido pelas notas de curta duração com datas de resgate no curto prazo e refixação de spreads elevados em grandes bancos sistémicos. Julgamos que estes instrumentos comportam uma elevada probabilidade de serem resgatados na próxima call date (muitas vezes nos 12 meses seguintes) e consideramo-los uma boa alternativa a uma yield elevada não financeira genérica no atual ambiente de spreads. Na nossa estratégia Jupiter Financials Contingent Capital, vemos valor nas AT1 com refixação de spreads baixos, se os bancos emitentes tiverem um bom histórico de resgates e rácios de capital confortáveis.

Conforme analisado, uma série de fatores, entre os quais elevadas taxas de juro, robustos rácios de capital dos bancos e baixos níveis de crédito malparado ajudaram a reduzir os spreads da dívida bancária europeia desde os dias turbulentos de março de 2023. Embora possa haver ventos contrários com um potencial abrandamento das economias a levar os bancos centrais a começarem a cortar as taxas, acreditamos que a dívida da banca europeia continua a oferecer muitas oportunidades táticas e que a seleção cuidadosa de crédito será fundamental nos meses vindouros.

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