Num artigo de opinião, Sofia Leite Borges sócia administradora e de Maria Carvalho Martins, associada sénior da Sofia Leite Borges & Associados, abordam as plataformas de ativos digitais.
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“We have proposed a system for electronic transactions without relying on Trust” – Satoshi Nakamoto
A ciência computacional e utilização de técnicas criptográficas representam uma revolução no desenvolvimento de plataformas de ativos digitais, como a Blockchain.
A aplicação mais bem-sucedida da Blockchain é, até agora, a Bitcoin (cripto-ativo utilizado como meio de pagamento), seguida pelos Tokens (que representam ativos reais, capital próprio, dívida ou direitos a lucros futuros). É nisto que a Blockchain se destaca: registar transações e rastrear quem é dono do quê, sem o envolvimento de um intermediário, sem deslocação a um local físico, sem preencher formulários e sem horários de abertura e de fecho.
O que diferencia os cripto-ativos (como por exemplo a Bitcoin ou os Token) dos mercados financeiros é, atualmente, a utilização da criptografia e do DLT (Distributed Ledger Technology).
São estes atributos da Blockchain que terão consequências com grande impacto para a ordem socioeconómica em que vivemos. A nossa desconfiança em relação a outras pessoas (e à nossa própria falibilidade) requer camadas muito dispendiosas de intermediação e a necessidade, pelo menos percepcionada, de intervenção das autoridades de supervisão, em nome da transparência do mercado e da proteção dos investidores.
A grande questão passa por saber como é que passamos de um ambiente controlado - em que existem regras de mercado para realizar transações, onde é necessária a intervenção de vários intermediários que se encontram a título profissional autorizados a prestar serviços de receção e transmissão de ordens, a efetuar a liquidação e compensação de operações e aos quais o investidor paga comissões por esses serviços de intermediação financeira, e mais importante com quem têm uma relação prévia de clientela que se baseia na confiança, para um ambiente digital – com relações desmaterializadas sem intermediários ou prestadores de serviços de investimento onde as comissões são fixas e mais baixas, porque tudo se processa de modo automático? A resposta a esta mudança de paradigma digital, está na ação dos stakeholders, das autoridades nacionais competentes e nas autoridades de âmbito internacional, num esforço à escala global.
O orgulho. Toda esta nova aventura começou quando uma entidade que se identificou como Satoshi Sakamoto e publicou um documento a 31 de outubro de 2008, no site metzdowd.com, intitulado “A Peer-to-Peer Electronic Cash System”. O código base da Bictcoin, foi divulgado a 9 de novembro desse ano na aplicação SourceForge.net. Estava lançada a primeira pedra da arquitetura da cripto-moeda (moeda digital). O segundo cripto-ativo mais utilizado, o Token, só alcançou popularidade, em finais de 2017.
De acordo com uma pesquisa encomendada pelo BCE, em agosto de 2019, a capitalização bolsista das stablecoins, quase triplicou de € 1,5 mil milhões em janeiro de 2018 para mais de € 4,3 mil milhões em julho de 2019, estimando-se o volume de transações médias mensais entre janeiro e julho de 2019, na ordem dos €13,5 mil milhões.
Os fundos de investimento alternativos, em particular os Hedge Funds, já incluem nos seus portefólios, cripto-ativos, sendo que o maior volume de ativos sob gestão está localizado nos E.U.A., com $2,783 mil milhões, seguido da Europa com $673 mil milhões, e dentro do continente europeu, destacam-se: o Reino Unido com $463 mil milhões, a Suécia com $45 mil milhões, a França com $44 mil milhões, e a Suíça com $ 31 mil milhões, e finalmente a zona da Asia e Pacífico com $121 mil milhões.
O “preconceito”. No contexto Blockchain, a identidade dos intervenientes não tem de ser divulgada, sendo que as cripto-transações são realizadas de forma independente de identificação dos comitentes (portanto com anonimato total). O único requisito é possuir uma chave digital privada. Quem controlar essa chave controla o investimento.
Os cripto-ativos, são verdadeiros instrumentos digitais ao portador, que estão além dos poderes financeiros, além do controlo governamental, e que se encontram apenas na esfera de controlo dos seus emitentes, livres de autorizações para transacionar e de perguntas das autoridades de supervisão, e mais importante este sistema não assenta na confiança. Por isso, os cripto-ativos têm a virtualidade de trazer benefícios significativos aos seus participantes e investidores, incluindo a eficiência em várias fases do ciclo das transações no mercado de capitais (desde a negociação à liquidação), e podem designadamente incluir:
1. Transações transfronteiriças mais céleres e com a possibilidade de negociar para além de horários do mercado;
2. Alocação mais eficiente do capital (com melhoria na gestão de tesouraria, liquidez e garantias);
3. Comercialização mais rápida e mais barata dos valores mobiliários emitidos, e
4. Liquidação mais rápida, com redução das interrupções e reconciliações necessárias.
Na utilização da Blockchain, surgem riscos potenciais e colocam-se desafios operacionais relacionados com a uso de cripto-ativos, e que são designadamente os seguintes:
1. A manutenção da estabilidade financeira, sublinhando a importância do tratamento prudencial a conferir à exposição de cripto-ativos por parte dos fundos de investimento e intermediários financeiros;
2. A segurança dos ativos e dos dados, garantindo que os cripto-ativos não possam ser roubados, perdidos ou pirateados, e que o armazenamento de informação sensível, se realize numa rede de DLT protegida (Cibersegurança);
3. A proteção dos investidores em relação à volatilidade dos preços nos cripto-mercados;
4. A manutenção a nível mundial, das normas de Branqueamento de Capitais e de Financiamento ao Terrorismo, e
5. O robustecimento das redes de DLT.
O Caminho. Não esgotando todas as premissas de um vastíssimo trabalho que se impõe realizar, poderão ser tomadas em conta, os seguintes aspetos na abordagem estruturada aos cripto-ativos:
- Estabelecimento de uma taxonomia de cripto-ativos pan-europeia;
- Publicação de orientações mais claras aos participantes nos mercados de emissão de cripto-ativos (Bitcoins e Tokens);
- Aplicação da regulamentação já existente, se necessário, com as devidas adaptações às atividades relacionadas com cripto-ativos;
- Promoção da harmonização da supervisão europeia, tendo em vista a formulação de uma abordagem global na regulação de cripto-ativos e convergência política e regulatória com organizações de âmbito internacional.
O caminho sem dúvida, passará por uma ação coordenada a nível europeu e mundial, destinada a mapear os interesses em presença e a apoiar a inovação tecnológica responsável em todo o sector dos serviços financeiros, desenvolvendo um conjunto de normas regulamentares globalmente coerentes mas não excessivamente pesadas e onerosas, em relação aos cripto-ativos e aos intervenientes nesses mercados.
Glossário
Bitcoin |
Cryptocurrencies (or coins), such as Bitcoin and Litecoin, are those crypto-assets that are designed or intended to perform the roles of currency, i.e. to function as a general-purpose medium of exchange, a store of value and a unit of account. They are intended to constitute a peer-to-peer alternative to government-issued legal tender. |
Cripto-ativo |
ESMA and FSB - A type of private asset that depends primarily on cryptography and Distributed Ledger Technology (DLT) or similar technology as part of their perceived or inherent value. |
Token |
Tokens, on the other hand, are those crypto-assets that offer their holders certain economic and/or governance and/or utility/consumption rights. Broadly speaking, they are digital representations of interests, or rights to (access) certain assets, products or services. Tokens are typically issued on an existing platform or blockchain to raise capital for new entrepreneurial projects, or to fund start-ups or the development of new (technologically) innovative services. |
DLT (Distributed Ledger Technology) |
FCA - A set of technological solutions that enables a single, sequenced, standardized and cryptographically secured record of activity to be safely distributed to, and acted upon by, a network of varied participants. This record could contain transactions, asset holdings or identity data. This contrasts with a traditional centralized ledger system, owned and operated by a single trusted entity. |
Stablecoins |
ECB - Digital units of value that are not a form of any specific currency (or basket thereof) but rather, by relying on a set of stabilization tools, try to minimize fluctuations in their price in such currencies. |
D. BULLMANN, J. KLEMM and A. PINNA, “In search for stability in crypto-assets: are stablecoins the solution?”, ECB Occasional Paper No. 230, August 2019
Banco Central Europeu.
Fonte: Prequin Pro, dados obtidos em novembro de 2019.