Deveres de reporte no RRGA: A Brave New World – Um Admirável Mundo Novo?

Maria Carvalho Martins e Diogo saúde Guerreiro. Sofia Leite Borges & Associados
Maria Carvalho Martins e Diogo saúde Guerreiro. Créditos: cedida (Sofia Leite Borges & Associados)

COLABORAÇÃO de Maria Carvalho Martins, associada coordenadora, e Diogo Saúde Guerreiro, advogado estagiário, da Sofia Leite Borges & Associados.

Um leitor atento e informado, cogitará se nos lembrámos, a propósito do título deste artigo, do romance de Aldous Huxley, de 1932, por certo questionando se tentamos estabelecer um paralelismo entre esta obra literária e os deveres de reporte previstos no RRGA.

Tal paralelismo não deixará, com efeito, de ter um fundo de verdade, mas neste contexto, o recurso ao título Um Admirável Mundo Novo, visa traduzir a ideia efetiva de progresso real que se materializou num esforço louvável de concentração e reorganização pela CMVM, dos deveres de reporte, tendo e vista a concretização do plano estratégico do regulador para 2022-2024.

Medidas do RRGA

Volvidos quase cinco meses desde o fim do prazo para apresentação de comentários à consulta pública lançada em junho de 2023 pela CMVM, o RRGA prometia a implementação de soluções regulatórias mais simples e proporcionais, com vista a promover a competitividade e a eficiência do mercado nacional, mas sempre assegurando, em última instância, a proteção dos investidores. Estávamos praticamente no final do ano de 2023, quando, a 29 de dezembro, foi publicada em Diário da República a versão final do tão aguardado RRGA. 

Recuando um pouco no tempo, um dos principais problemas que ensombravam a regulamentação do RGOIC e do RJCRESIE era precisamente o facto de não existir uma sistematização clara e de fácil compreensão dos deveres de reporte que impendiam sobre os OIC e sobre as respetivas sociedades gestoras, encontrando-se os mesmos dispersos por diversos artigos e anexos do RCMVM 2/2015 e do RCMVM 3/2015. De forma a colmatar esta ineficiência, o regulador optou por sistematizar os deveres de reporte no Anexo VI ex vi artigo 81.º, n.º 1 do RRGA apresentando, sob a forma de um quadro, o âmbito subjetivo, as especificidades, a matéria concretamente reportável, a periodicidade e o período de referência dos deveres de reporte e remetendo as particularidades da informação a reportar para os Anexos VII a XI do RRGA. 

Sistematização e reorganização dos deveres de reporte

Os referidos anexos permitem não apenas conhecer os deveres de reporte aplicáveis aos OIC (Anexo VII a IX), como permitem ainda que as entidades comercializadoras de OIC estrangeiros em Portugal (Anexo X) e as sociedades gestoras e respetivas sucursais em Portugal de sociedades gestoras da União Europeia (Anexo XI) conheçam os deveres de reporte a que se encontram adstritas.

Mas à semelhança do que sucedia na legislação anteriormente em vigor, o legislador continua a não fazer o esforço de estruturar, com a clareza devida, a periodicidade e períodos de referência dos deveres de reporte, recorrendo muitas vezes ao conceito genérico de prazo legalmente previsto. 

Sem prejuízo desta profunda reorganização dos deveres de reporte por parte dos OIC e das sociedades gestoras ao abrigo do RGA, o conteúdo material dos reportes não sofreu alterações significativas para as sociedades gestoras de OICVM e para as sociedades gestoras de grande dimensão. 

Destacamos, contudo, o alargamento do dever de reporte da informação relativa às atividades de intermediação financeira às sociedades de capital de risco, na medida em que estas podem agora ser autorizadas a prestar as atividades de intermediação financeira a que se refere o artigo 28.º, n.º 3 do RGA (artigo 83.º, n.º 10 e Anexo X do RRGA) e ainda a criação do dever de a sociedade gestora comunicar à CMVM, logo que possível e no prazo máximo de 24 horas seguintes à sua identificação, a ocorrência de incidentes relacionados com a segurança de informação e comunicação que impactem o normal funcionamento da sua atividade ou que constituam risco elevado para aquele funcionamento (artigo 83.º, n.º 12 do RRGA)

Na sistematização proposta no Anexo VI do RGA revela-se uma manifestação direta do princípio da colaboração com os particulares, que norteia a atividade administrativa da CMVM (artigo 11.º do CPA), contribuindo para a criação de uma relação mais transparente entre o regulador e as entidades por si supervisionadas. Não obstante, não nos podemos esquecer de que as fontes normativas no direito da gestão de ativos se encontram dispersas, designadamente no plano supranacional, existindo outros deveres de reporte que não se encontram concretamente identificados no RRGA, mas que se encontram previstos em Regulamentos Comunitários, designadamente no RD 231, e são diretamente aplicáveis às sociedades gestoras de grande dimensão e aos OIA por si geridos.

CMVM e plano nacional

No plano nacional há outros exemplos, como o dever de reporte dos requisitos prudenciais previsto nos anexos I e VIII do Regulamento da CMVM n.º 1/2020, ou o dever de reporte do relatório de autoavaliação dos sistemas de governo e controlo interno, previsto no anexo I do Regulamento da CMVM n.º 9/2020, cujos correspondentes âmbitos subjetivos de aplicação não foram ainda revistos, após a entrada em vigor do RGA.

Assim, e à semelhança da excelente iniciativa da CMVM aquando da emissão do Guia de Sustentabilidade, sugerimos, numa ótica de melhoria e progresso contínuo da atividade da Comissão, que se equacione a preparação de um guia específico para os deveres de reporte em matéria de gestão de ativos, contribuindo para facilitar e incentivar o cumprimento atempado dos mesmos por parte dos OIC e das sociedades gestoras, e que permita à CMVM obter, na informação reportada, elementos e informação de qualidade, que lhe possibilitem incorporar os respetivos resultados, na sua ação e planeamento estratégico, lançando bases sólidas de um progresso real e efetivo do mercado da gestão de ativos.