DWM do Millennium bcp: “Os próximos tempos serão de crescimento económico tépido e de inflação ainda marcadamente superior ao target dos bancos centrais”

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Créditos: Nadine Shaabana (Unsplash)

TRIBUNA da equipa da DWM do Millennium bcp.

Depois de um 2022 particularmente imprevisível, o consenso dos analistas não tem grandes dúvidas para 2023: os próximos tempos serão de crescimento económico tépido e de inflação ainda marcadamente superior ao target dos bancos centrais. Pouco encorajador à primeira vista, mas simultaneamente é um pessimismo amplamente antecipado. Como vemos, então, potenciais surpresas face a este consenso estagflacionista

A economia norte-americana

Nos Estados Unidos, acreditamos que uma recessão não é inevitável e que ainda existe um caminho para um soft-landing. O consumo privado (que representa ≈70% do PIB) tem estado suportado pelo nível de poupanças acumulado pelas famílias durante a pandemia, o que ajudou a absorver o choque no poder de compra e a satisfazer a vontade de consumir que se acumulou também durante os lockdowns. Reconhecidamente, este nível de poupanças tem-se reduzido - tendo recentemente levado o economista Larry Summers a alertar para um Wile E. Coyote kind of moment no consumo quando esse excesso de poupanças desaparecesse. No entanto, esperamos que este impacto seja suavizado pelo alívio nos salários reais em 2023 - que estão já a mostrar variações sequencialmente positivas com o recente abrandamento na inflação. Para este equilíbrio ser relativamente benigno precisamos, claramente, de um mercado de trabalho resiliente. 

Os impactos desfasados das subidas das taxas de juro constituem um headwind para a procura por trabalho – ainda assim, considerando o ponto de partida em que a economia americana apresenta um excesso sem precedente de job openings por cada pessoa desempregada (gráfico 1), acreditamos que a redução da procura por trabalho se verificará mais provavelmente por via de uma redução dos job openings do que por qualquer aumento substancial no desemprego (esta tem sido a dinâmica ao longo dos últimos meses e embora não possa ser dada como garantida, a dificuldade em contratar na recuperação pós-pandemia e a previsão sobre uma recessão breve devem deixar as empresas mais relutantes em iniciar despedimentos do que em abrandamentos económicos anteriores). 

Deste modo, o desfecho para a economia americana em 2023 resultará do balanço entre os maus ventos dos impactos desfasados das políticas monetárias e os bons ventos da recuperação dos salários reais e da potencial resiliência do mercado de trabalho

Inflação e risco de recessão

Existem obviamente setores mais sensíveis do que outros a condições financeiras mais restritivas, com um impacto já bastante notório no mercado imobiliário. Devido aos long and variable lags com que a política monetária atua, será importante continuar a monitorizar indicadores avançados da economia ao longo do ano, mesmo que os indicadores coincidentes permaneçam robustos. Ao mesmo tempo, os riscos de uma recessão aumentam (diminuem) se a inflação se mostrar mais (menos) persistente do que o esperado, levando por isso a uma revisão em alta (baixa) da taxa de juro terminal da Reserva Federal. Assim, a evolução da inflação continuará a ditar uma parte significativa das perspetivas para 2023.  Para melhor avaliar as dinâmicas subjacentes, podemos dividir a inflação core em três grandes blocos: inflação nos bens; inflação nas rendas; inflação nos serviços excluindo rendas. No primeiro bloco, a desinflação nos bens deverá continuar, por via do progresso no alívio expressivo das disrupções nas cadeias de produção (gráfico 2) e pela normalização do cabaz de consumo pós-pandemia. No segundo bloco, a inflação nas rendas continua a acelerar quando medida pelas métricas CPI/PCE, embora vários indicadores avançados (Zillow Index, Apartment List, etc…) sinalizem um abrandamento em 2023. Finalmente, o terceiro bloco deverá ser o mais persistente, já que a inflação nos serviços é em parte explicada pelo crescimento dos salários (enquanto temos uma previsão de resiliência para o mercado de trabalho): Dito isto, não precisamos de um mercado de trabalho substancialmente mais fraco para que os salários cresçam a um nível consistente com inflação mais próxima do target, apenas precisamos de um mercado de trabalho mais equilibrado – sendo o recente alívio na quits rate encorajador. Como um todo, acreditamos serem possíveis surpresas em alta no crescimento e em baixa na inflação, em particular face a um consenso estagflacionista. Ao mesmo tempo, se estivermos errados e uma recessão acabar mesmo por acontecer, tiramos pelo menos algum conforto no facto de não existirem aparentes desequilíbrios estruturais na economia ou no sistema financeiro, o que limitaria a profundidade e a duração dessa eventual recessão. 

A economia europeia

Por sua vez, na Europa o crescimento nos últimos trimestres tem estado mais resiliente do que o esperado, contrastando com os questionários às empresas/consumidores (choque na confiança com o início da guerra na Ucrânia e o acentuar da perda no poder de compra). Umarecessão nos próximos trimestres é possível, com o choque acumulado nos rendimentos reais das famílias e o cada vez menor impulso da reabertura pós-pandémica a pesarem. Ainda assim, de maneira importante, os tail-risks quanto a uma crise energética severa têm-se dissipado; a reposição bem-sucedida dos stocks de gás natural (não obstante a diminuição de fluxos russos), alguma substituição nas fontes de energia sem um impacto significativo negativo na atividade, e as previsões para um inverno relativamente benigno devem permitir que uma eventual recessão seja menos profunda do que o recentemente temido. No entanto, a inflação continua a ser um risco para as famílias – e uma vez que na Área Euro é mais supply-driven do que nos Estados Unidos, poderá ser uma maior função dos riscos geopolíticos e em particular da evolução da guerra na Ucrânia (importante também monitorizar o quão ancoradas se mantêm as expetativas de inflação, para garantir que não existem self-fulfilling prophecies). Se a frente geopolítica o permitir, evitando uma recessão profunda, a economia europeia poderá então recuperar no segundo trimestre de 2023, com um alívio do sentimento de empresas e famílias, assim como de um eventual regresso de bons ventos da China.

A economia chinesa

Encorajadoramente, a China está finalmente a preparar uma reabertura pós-pandémica para 2023, deixando para trás três anos de políticas zero Covid. O fraco desempenho da economia em 2022 e, de maneira notável, os raros protestos sociais reportados recentemente parecem ter acelerado esta mudança de tom nas autoridades. Esta alteração deverá assim trazer um impulso importante ao crescimento económico na região – ainda que, provavelmente, o efeito não deverá ser tão abrupto como quando as restrições foram aliviadas no Ocidente, uma vez que o nível de vacinação da população mais envelhecida ainda é relativamente baixo e, como tal, o alívio terá que ser comparativamente gradual (estão a ser acelerados os esforços nesta frente, no entanto). Ao mesmo tempo, existe o risco de que o processo de reabertura possa ter avanços e recuos, já que a reabertura deverá levar a ondas de casos ainda não vistas na China – o foco das autoridades parece novamente centrado no crescimento, com as notícias recentes de que a China deixará de reportar números de infeções assintomáticas a sinalizar uma clara alteração de postura. Entretanto, continuam a existir riscos estruturais relacionados com o mercado imobiliário (não obstante as medidas de alívio para o setor), assim como de temas de regulação ou geopolíticos, mas que estando também bem-identificados, devem passar para segundo plano no foco tático dos mercados. 

Perspetivas para 2023

Tendo em conta estas perspetivas macroeconómicas, onde estão as expectativas, e o re-pricing nas valorizações ao longo de 2022, esperamos que 2023 possa ser um ano de recuperação para uma carteira  com exposição a diferentes classes de ativos. Em primeira instância, teremos que viver com taxas de juro mais altas, mas não com o impulso de subidas apressadas de 2022. Tendo em conta a magnitude em que os bancos centrais já subiram as taxas de juro, assim como a esperada moderação na atividade económica e na inflação, perspetivamos um período de maior estabilidade nas yields. Ainda assim, num cenário em que a inflação se mantém superior ao target e uma recessão severa é evitada, não esperamos quedas expressivas no nível de yields. Neste contexto de estabilidade esperamos alguma outperformance da dívida empresarial, já que ficou com um carry elevado (após as correções deste ano), os riscos de duração diminuíram, e os spreads parecem em níveis justos assumindo que a economia global evita uma contração. Por sua vez, as ações entram em 2023 com múltiplos bastante menos exigentes do que aqueles que entraram em 2022, encontrando-se aquém das suas médias históricas nas principais regiões (com a exceção dos Estados Unidos, mas mesmo aí está próximo da média após um de-rating também significativo). Assumindo que efetivamente as yields entram num período de estabilidade, os múltiplos das ações sofrerão também menos pressão. Existem dúvidas se a estimativas para os lucros empresariais já refletem, ou não, o abrandamento económico que se avizinha – de facto, os analistas não fizeram um downgrade tão expressivo nessas estimativas quanto poderia ser esperado, mas existem algumas nuances: 1) excluindo o setor da energia, que teve lucros desproporcionais em 2022, já é descontando um abrandamento considerável; 2) os proveitos e os resultados das empresas são grandezas nominais e, ainda assim, estão longe de revelarem grande otimismo. Obviamente, a magnitude do abrandamento económico é desconhecida – mas, como detalhámos, acreditamos ser plausível que o crescimento económico acabe por surpreender em alta o pessimismo dominante. Finalmente, mantemos também uma visão de preços das matérias-primas bem-suportados, num contexto de oferta estruturalmente contida, enquanto a procura continua relativamente resiliente (em particular com a reabertura da China).

Carteira diversificada e investimentos alternativos líquidos

Finalmente, recomendamos como sempre a manutenção de uma carteira diversificada. Em 2022, os efeitos da diversificação foram pouco visíveis, uma vez que as preocupações com a inflação e a mudança de paradigma nas políticas dos bancos centrais tornou a correlação entre ações e obrigações significativamente positiva (apenas matérias-primas e algumas estratégias alternativas ofereceram oportunidades de descorrelação). No entanto, em 2023, é provável que os medos de mercado eventualmente passem da inflação para o crescimento, voltando a deixar ações e obrigações inversamente correlacionadas – e enaltecendo os benefícios de diversificação. 

Ao mesmo tempo, investimentos alternativos líquidos deverão continuar a contribuir positivamente para a eficiência das carteiras, acreditando que gestores mais experientes ou com maior sensibilidade a macroeconomia deverão sentir-se mais à vontade no atual clima de incerteza. Setores como Long/Short Equity e Global Macro dispõem das ferramentas e agilidade necessárias para beneficiar neste clima, ainda que seja expectável uma considerável disparidade de retornos entre fundos dentro de cada classe. CTAs poderão continuar a oferecer proteção, especialmente se Fixed Income fizer significativamente pior do que o esperado. Commodities continuarão a ser um diversificador nas carteiras, tendo como principal risco uma eventual resolução do conflito na Ucrânia, que contribuiria para uma diminuição dos premiums pagos em algumas matérias-primas. No entanto a continuação da pressão pelo lado da oferta após vários anos de desinvestimentos deverá continuar a oferecer algum suporte à classe.