ELTIF 2.0 – O despertar do Príncipe Perfeito!

Maria Carvalho Martins. Créditos: Cedida (Sofia Leite Borges & Associados)

TRIBUNA de Maria Carvalho Martins, associada coordenadora da Sofia Leite Borges & Associados.

Era uma vez um jovem Príncipe de seu nome ELTIF (European Long  Term Investment Fund), que foi concebido em 2015[1], como uma subcategoria de FIA[2], fechado, a quem é permitido fazer investimentos de longo prazo em infraestruturas, projetos, no imobiliário e nas PME (cotadas e não cotadas), destinado a ser subscrito por investidores profissionais e por outros investidores particulares com elevado património (investidores não profissionais), permitindo o acesso harmonizado e regulado a classes de ativos ilíquidos. Dada a sua natureza fechada e de investimento no longo prazo, permite aos seus investidores suportar o impacto da volatilidade do mercado, podendo ser comercializado via passaporte em toda a União Europeia e a todo o tipo de investidores.

Pese embora as vantagens oferecidas por este Príncipe Perfeito, o ELTIF não logrou obter o êxito que lhe foi vaticinado pela Comissão Europeia, e em junho de 2020, o High Level Forum on the Capital Markets Union, publicou um relatório[3] com 17 recomendações destinadas a remover barreiras aos Mercados Europeus, e de entre elas, a recomendação à Comissão Europeia de promover alterações cirúrgicas ao regime dos ELTIF e aos Estados-Membros que aplicassem um tratamento fiscal mais favorável a estes fundos.

Em setembro de 2020, a Comissão Europeia reviu o seu Plano de Ação, sublinhando a necessidade de apoiar os veículos de investimento, que canalizem o financiamento (não bancário) para investimentos de longo prazo, contribuindo para a economia real da União. Esta iniciativa, é consistente com o Green Deal Europeu, e com a estratégia de financiamento sustentável e de neutralidade da União, para o clima e para o ambiente, com a participação ativa de todos os stakeholders.

O processo, culminou com a apresentação pela Comissão de uma proposta de alteração ao regime dos ELTIF, em 25 de novembro de 2021, para revitalizar o interesse dos gestores e dos investidores por estes jovens Fundos, semi-adormecidos desde a sua génese por variadas razões, que explicaremos adiante, quando caracterizarmos o respetivo mercado. Fruto do normal processo legislativo europeu, a 24 de maio de 2022, o Parlamento Europeu, adotou a sua posição oficial sobre a revisão do regime dos ELTIF, e é sobre esta que versaremos neste artigo.

Os ELTIF, são FIA[4], e por esta via beneficiam dos requisitos de transparência da AIFMD, mas a Comissão quer tornar este Príncipe mais-que-perfeito, num Príncipe do século XXI, que sirva os interesses dos gestores, dos investidores, do Green Deal da União e da União dos Mercados de Capitais, através de:

  1. Alterações cirúrgicas nas regras dos ELTIFs para os tornar mais atrativos para os GFIA

O Anteprojeto de revisão do regulamento:

  • deixa de fazer referência a investimentos europeus de longo prazo, permitindo que os ativos elegíveis e investimentos, se localizem na União, e promove o alargamento do âmbito dos ativos elegíveis, ao incluir na definição de ativos reais, quaisquer ativos com valor intrínseco, devido à sua substância e propriedades;
  • introduz regras mais flexíveis nos ELTIF, que passam nomeadamente por:

- permitir aos ELTIF investir noutros FIA, que por seu turno invistam em ativos elegíveis, mediante uma abordagem look-through, bem como noutros fundos europeus tais como EuVECA e EuSEF;

- reduzir o limite mínimo de investimento em ativos reais, de 10 milhões de euros para um milhão de euros, tornando mais acessível o investimento nestes ativos;

- aumentar o limite de recolha de capital das PME elegíveis em carteira ou de um emitente de dívida, de 500 milhões de euros para mil milhões de euros aquando do investimento inicial;

- permitir que o ELTIF realize coinvestimentos com o seu GFIA, suas filiais e colaboradores, desde que previamente sejam implementados políticas e procedimentos de organização interna, destinadas a gerir, identificar, monitorizar e prevenir os conflitos de interesse;

- reduzir o limite agregado dos ativos elegíveis de 70% para 60%, sendo que o remanescente, deve ser investido em ativos elegíveis de OICVM.

  • Aumenta o limite de recurso pelos ELTIF a empréstimos, no caso de o Fundo ser comercializado a Investidores Não Profissionais de 30% para 50%, e no caso de comercialização exclusiva a investidores Profissionais, para 100%, mas neste último caso outras salvaguardas pelo Fundo e pelo gestor;
  • Possibilita aos ELTIF contrair um empréstimo em moeda diferente da sua moeda de referência, desde que seja acautelada a respetiva cobertura de risco cambial ou seja possível demonstrar que o empréstimo feito noutra moeda, não expõe o ELTIF a nenhum risco material de câmbio.
  • Reajusta os requisitos de diversificação, em concreto:

- Aumenta o limite de exposição máxima dos ELTIF a instrumentos emitidos por ou a empréstimos garantidos a qualquer carteira de investimento qualificada, de 10% para 20% do valor do capital do ELTIF;

- Aumenta o limite de investimento em ativos elegíveis de OICVM, de 5% para 10%, mas este limite, pode ser elevado até 25% se as obrigações forem emitidas por uma instituição de crédito com sede na União e sujeita por Lei a supervisão pública destinada a proteger os detentores das obrigações;

  • Passa a permitir ao gestor de ELTIF, recorrer a estruturas master-feeder e utilizar estratégias de fundos mais flexíveis – estratégias de fundos de fundos – sendo que estes fundos em que o ELTIF se propõe investir têm que ser Fundos da União, sujeitos a limites de concentração. Tais limites não serão aplicáveis, se o ELTIF se destinar a ser exclusivamente comercializado a Investidores Profissionais.
  1. Remoção das barreiras para um acesso mais fácil por parte dos investidores não profissionais a este tipo de Fundos, preservando um nível elevado de proteção destes investidores.

O Anteprojeto de revisão do Regulamento ELTIF:

  • retira o requisito do montante mínimo de subscrição inicial de 10.000 euros e o cap de 10% na exposição da carteira ao ELTIF, para investidores com uma carteira inferior a € 50.000,00;
  • promove o alinhamento do processo de comercialização, mormente do teste de adequação, com os requisitos do artigo 25.º da DMIF II, para os investidores não profissionais; e
  • prevê um mecanismo que permite aos investidores solicitar o resgate das unidades de participação ou ações antes do fim de vida do ELTIF, numa base matched secondary market. Este mecanismo providenciará uma janela de liquidez opcional ao ELTIF, ficando a ESMA incumbida de desenvolver normas técnicas referentes à operacionalizado deste mecanismo. Os investidores profissionais também beneficiarão deste mecanismo, todavia não é claro de que forma o mesmo irá operar na prática para os investidores não profissionais, sendo relevante o contributo dos distribuidores para o desenvolvimento deste mercado e a sua operacionalização na era digital.

Breve caracterização do mercado europeu e nacional de ELTIF

Apesar da criação deste Príncipe europeu em 2015, a evolução deste mercado tem sido lenta, e em novembro de 2021, dos 27 Reinos da União, apenas quatro o acolheram: o Luxemburgo, a França, a Itália e a Espanha, sendo os mercados de distribuição mais fortes os assinalados em segundo e penúltimo lugares, respetivamente. Na Itália, com pendor para investidores não profissionais mediante incentivos de natureza fiscal, e em França pela tradição, mas destinados sobretudo a investidores profissionais. Ou seja, há uma concentração de mercado em apenas quatro países da União Europeia e na distribuição em dois países da União, pelas razões atrás explicadas.

Em novembro de 2021, havia 57 ELTIF registados na ESMA com um volume de AuM na ordem dos 2.400 milhões de euros, passando à data de outubro de 2022 a estar registados junto da ESMA, 68 ELTIF com um volume estimado de AuM[5] de 7.700 milhões de euros.

Dos 68 ELTIF registados junto da ESMA, apenas quatro, todos constituídos no Luxemburgo, são comercializados em Portugal, a saber: dois geridos pela BlackRock France, SAS: um de infraestruturas, o BlackRock Private Infrastructure Opportunities ELTIF, outro de private equity, o BlackRock Private Equity Opportunities ELTIF, mais um fundo de gestão mista, gerido pela Partners Group (Luxembourg), S.A., o Partners Group Private Markets ELTIF SICAV, e finalmente um outro Fundo de private equity gerido pela Neuberger Berman AIFM, SARL, o NB Direct Private Equity ELTIF.

Não há ELTIFS constituídos em Portugal.

Conclusões

É facto notório, que Príncipe perfeito deu o pulo da adolescência sobretudo neste último ano, entre 2021 e 2022, acordou do torpor em que se encontrava, graças aos seus gestores e aos investidores, e continua a crescer, amadurecendo a ideia do que será ser adulto na União dos Mercados de Capitais, com a perspetiva que lhe é proporcionada pelas futuras regras, de contribuir ativamente para o Green Deal europeu, erguendo com orgulho a bandeira da sustentabilidade para o clima e para o ambiente, assente na evolução digital, e proporcionando a canalização do financiamento não bancário, de forma efetiva e real, para a economia da União Europeia.

Mas para que ocorra o boost final, haverá que considerar:

  1. As normas técnicas a desenvolver pela ESMA, destinadas a proporcionar orientação dos gestores de como operacionalizar o mecanismo da janela de liquidez, por forma a possibilitar os resgates por parte dos investidores durante a vida do Fundo;
  2. A inserção de uma cláusula de não retroatividade por forma a não alterar materialmente a composição das carteiras e as estratégias dos ELTIF já existentes
  3. A titularização como ativo elegível para investimento, permanece limitada às titularizações conformes ao regime europeu;
  4. O limite de investimento até 50% em ativos elegíveis de OICVM, proporcionará maior liquidez aos ELTIF, proporcionando maior facilidade aos seus gestores na atribuição de prémios de liquidez aos seus investidores não profissionais;
  5. A existência efetiva de neutralidade e de inventivos fiscais, na distribuição dos Fundos e ganhos de capital, devendo neste contexto Portugal olhar para o Luxemburgo, Itália e Bélgica, que recentemente alterou a sua Lei Fiscal, tornando os ELTIF mais apetecíveis para investidores residentes e não residentes.

Depois da publicação opinião adotada pelo Parlamento Europeu quanto ao anteprojeto do Regulamento ELTIF em maio de 2022, estão em curso negociações, entre a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho, com vista a alcançar a versão final do texto do Regulamento (o que virá a acontecer somente no início de 2023), podendo este sofrer novas alterações, seguida da respetiva publicação no jornal oficial comunidade europeia. Prevê-se que entre em vigor nos Estados Membros em 2025.

Posto isto, continuaremos a acompanhar a evolução do Príncipe ELTIF, das suas dores de crescimento e dos seus êxitos na fase adulta.

Lista de Acrónimos

ELTIFEuropean Long Term Investment Funds
AIFMDAlternative Investment Fund Managers Directive – Diretiva 2011/61/UE, também em revisão
FIAFundos de Investimento Alternativos
GFIAsGestores de Fundos de Investimento Alternativo
ESMAEurpean Securities and Markets Authority
FIAsFundos de Investimento Alternativo
DMIF IIDiretiva 2014/65/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio, relativa aos mercados e instrumentos financeiros
AuMAssets  under Management

[1] Os ELTIF, foram criados pelo Regulamento (UE) 2015/760, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril.

[2] O ELTIF, é um FIA que beneficia dos requisitos de transparência da AIFMD, mas ao contrário dos outros FIAs, que só podem ser comercializados na União via passaporte a investidores profissionais, e querendo ser comercializados a investidores não profissionais, têm que solicitar autorização para este efeito de acordo com as disposições nacionais de cada Estado-Membro, este Príncipe pode ser comercializado a investidores profissionais e não profissionais mediante passaporte, respeitando o protocolo dos requisitos exigidos, neste último caso pelo Regulamento (UE) 2015/760. Acresce dizer que esta subcategoria de FIAs, apenas pode ser gerida, por gestores autorizados (GFIAs da UE), ao abrigo da AIFMD, ou seja, nos termos da Diretiva 2011/61/UE.

[3] O relatório do High Level Forum on the Capital Markets Union pode ser consultado através do link: https://ec.europa.eu/info/files/200610-cmu-high-level-forum-final-report_en .

[4] Neste contexto, chama-se a atenção do leitor, para o facto de o regime previsto no Regulamento (UE) 2015/560, ser para os GFIAs um regime de adesão voluntária, isto é, no âmbito da sua estratégia, o GFIA pode recorrer ao regime ELTIF, promovendo a constituição de FIA ao abrigo desta “marca”, proporcionando aos potenciais investidores a possibilidade de investimento num veículo de longo prazo, e contribuindo para o financiamento da economia real da União.

[5] Fonte, Scope Fund Analysis GmbH.