Numa semana em que os olhos estiveram postos nos EUA, Jorge Silveira Botelho, responsável pela BBVA AM Portugal, encaminha-nos para a Europa. Uma viagem de seis perspetivas que abrem a esperança para o potencial de valorização da Europa no atual contexto.
Registe-se em FundsPeople, a comunidade de mais de 200.000 profissionais do mundo da gestão de ativos e património. Desfrute de todos os nossos serviços exclusivos: newsletter matinal, alertas com notícias de última hora, biblioteca de revistas, especiais e livros.
Para aceder a este conteúdo
COLABORAÇÃO de Jorge Silveira Botelho, responsável da BBVA AM Portugal.
Nos tempos que correm, não é propriamente fácil querer ter uma visão positiva sobre o desempenho da economia europeia, uma vez que o seu modelo económico tornou-se excessivamente regulado, pouco produtivo e em alguns casos obsoleto. Tal como Mario Draghi diagnosticou e ilustrou em setembro do ano passado, a ausência de uma política energética pragmática e a falta de inovação, retiraram estruturalmente competitividade à indústria europeia nos últimos anos. Em contrapartida, os Estados Unidos reforçaram a sua liderança na inovação, enquanto a China, em apenas numa década se tornou numa das maiores potências tecnológicas do mundo, disputando essa liderança com os EUA em muitas indústrias. Contudo, nem tudo o que sucede na Europa é necessariamente mau, nem tão pouco há males que duram para sempre, daí que o excessivo pessimismo sobre a evolução da economia europeia pode estar desmesurado, ao ponto de que em 2025 possamos vir também a assistir à redescoberta de alguns laivos de execionalismo europeu.
Em primeiro lugar, o denominado risco geopolítico que emerge da situação da Ucrânia e que tão negativamente contribui para uma deterioração dos índices de confiança dos agentes económicos europeus, pode vir a ter um enquadramento substancialmente distinto este ano. Já não se discute um agravamento da situação, mas sim a inevitabilidade de um qualquer tipo de acordo, onde todas as partes cheguem a um compromisso, sejam os beligerantes, sejam os seus respetivos aliados e financiadores…
Índice de sentimento económico da Comissão Europeia após o início da guerra na Ucrânia
Em segundo lugar e também no campo geopolítico, a Alemanha vai para eleições em 23 de fevereiro, onde o debate se cinge à evidência de uma economia estagnada desde a COVID-19, com os últimos dois anos a registarem um crescimento negativo consecutivo, fruto da debilidade do consumo privado e da contração da atividade industrial. Acontece que estas eleições podem ser um marco histórico para o relançamento de um plano de infraestruturas e de reconversão industrial, numa economia em que os níveis de dívida se encontram baixos, 62,4% em setembro de 2024 (fonte: CEIC, Bundesbank), e onde a produção industrial caiu 9,5% desde o final de 2019 (fonte: Bloomberg). Terá que haver um consenso alargado para alterar a emenda do travão da dívida e do défice, mas algo que é possível dadas as circunstâncias, existindo também a alternativa. Não é de descartar que por detrás deste plano de infraestruturas possa emergir também uma nova política energética, que se adapte aos novos constrangimentos geopolíticos e tire partido dos novos desenvolvimentos tecnológicos que ocorreram na fusão nuclear, discussão que se reabriu recentemente na Alemanha.
Evolução do índice de sentimento da indústria alemã
Em terceiro lugar, o efeito Trump nas tarifas e na inflação parece ter sido excessivamente amplificado, neste mundo demasiado interligado e interdependente. O ruído mediático das tarifas tem-se sobreposto à análise fundamental dos efeitos reais que podem gerar, ignorando-se simultaneamente, a contabilização dos efeitos perversos que as tarifas podem ter nos resultados das empresas multinacionais americanas...
A título de exemplo, segundo um estudo da Morgan Stanley, apenas 6,6% das receitas das empresas europeias do índice MSCI Europe poderiam ser afetadas, onde cerca de metade destas vendas provêm de empresas com elevado pricing power ou com relativa pouca exposição ao risco de a tarifas (Defesa, Energia, Farmacêuticas).

Há que acrescentar que, apesar da composição dos índices S&P500 e STOXX600 serem setorialmente distintas, a verdade é que as receitas geradas fora das suas geografias não são substancialmente diferentes. O índice americano S&P500 gera 41% das receitas totais fora dos EUA (fonte: Apollo), enquanto o índice europeu STOXX 600 gera 46% das receitas totais fora da Europa (fonte: Barclays).
Neste contexto, e conhecida a estimativa do Congresso de um défice fiscal de 6,6% em 2024, parece improvável que as tarifas sejam a solução para financiar uma política de cortes de impostos às empresas americanas, uma vez que, a sua adoção é por si só detratora dos lucros das mesmas e os seus efeitos são marginais nas contas públicas…
Em quarto lugar, as dinâmicas da dívida e do défice público parecem estar a avançar em sentidos opostos nos EUA e na zona euro. Se é verdade que nos EUA o crescimento económico foi mais forte que na Europa, desde o final de 2019 até ao final de 2024, também é verdade que este crescimento foi financiado por um muito maior crescimento da dívida federal. Nos EUA a dívida cresceu até setembro de 2024 cerca de 53%, enquanto o PIB nominal cresceu apenas 34% durante o mesmo período, devendo o rácio de dívida sobre o PIB nos EUA fechar em 2024 em 123.1%. Em contrapartida, na zona euro o rácio do PIB sobre a dívida a setembro estava em 88,1% enquanto na União Europeia estava em 81,5%.
Evolução do rácio de dívida pública versus PIB na EU, zona euro e EUA
Em quinto lugar, há que reconhecer que na zona euro não existem desequilíbrios financeiros sérios na componente privada, apesar das economias terem atravessado este período histórico de pandemia, de guerra de inflação e de agressivas subidas de taxas de juro.
A taxa de desemprego está em mínimos históricos de 6,3%, a taxa de poupança das famílias está em 15,26%, enquanto que o efeito riqueza provocado pelo excesso de poupança e sobretudo pela valorização dos ativos imobiliários está em máximos históricos, numa região onde a posse de casa é de 65,3 % em 2023 (Fonte: Eurostat). Por outro lado, a dívida das famílias sobre o PIB encontra-se em 52,2% (fonte: BIS), o valor mais baixo desde 2003, por outro lado a dívida das empresas não financeiros sobre o PIB continua a descer encontrando-se em 67,6% no 1º trimestre de 2024, segundo o BCE. A descida da inflação e consequentemente das taxas de juro e o desanuviamento geopolítico, são catalisadores que podem inverter a baixa confiança dos agentes económicos e reverter a excessiva contração que se verificou no consumo privado nestes últimos anos na Europa.
Desde o início da guerra na Ucrânia as vendas a retalho na zona euro caíram 0,5% em termos acumulados e nos EUA subiram cerca de 13%

Por fim, em sexto e em último lugar, há que refletir se o diferencial de fundamentais económicos justifica o hiato de métricas financeiras com que nos deparamos entre os maiores mercados desenvolvidos, EUA e Europa.
Na componente privada a disparidade de métricas financeiras em empresas dos mesmos setores entre os EUA e a Europa, é em muitos casos injustificável. Como já se referiu, vivemos num mundo totalmente interligado e interdependente, onde a partilha de conhecimento se processa a um ritmo sem precedentes. A tecnologia é de certa maneira uma commodity e as dinâmicas da inteligência artificial generativa vão ser um antivírus que vai atacar furiosamente a ineficiência e a burocracia. Na Europa a AI pode ser um fator disruptivo de aumento da produtividade e da redução dos custos de contexto, contribuindo para uma ainda maior descida estrutural da dívida dos Estados. Na componente privada, a AI vai ser uma ferramenta de dinamismo de fusões e aquisições e é uma questão de tempo para que esta se comece a manifestar-se de uma forma muito mais insinuante.
Em termos de PE a Europa transaciona a um elevado desconto face aos EUA, em termos agregadas e em termos setoriais
Em suma, se há coisa que as políticas desta nova administração americana expõem em valor é todo o potencial de valorização que existe para o mercado europeu, na medida em que, como estes seis pontos ilustram, a Europa pode bem vir a ser a opção mais barata para se estar exposto ao ciclo económico global.
Nesse sentido e numa semana em que Donald Trump é empossado como o novo presidente americano, este é o tempo de se virar a página e de nos debruçarmos nas oportunidades que podem emergir debaixo do ainda perdido Excecionalismo Europeu!