Emanuel Vieira, CFA (Partners2U): “As obrigações inflation linked poderão ser os ativos mais capazes de enfrentar o próximo semestre numa relação de retorno/risco”

Emanuel Vieira
Emanuel Vieira, CFA. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Emanuel Vieira, CFA, consultor de investimentos da Partners 2U.

No ano de 2021 tivemos taxas de crescimento do PIB e da inflação bem diferentes das médias dos últimos anos, mas em parte estas deveram-se ao efeito de base e recuperação face às evoluções negativas de 2020. Esta é uma razão pela qual esperamos um abrandamento no crescimento e também na inflação.

O restabelecimento do normal funcionamento das cadeias de fornecimento deverá ter um impacto positivo na economia e possivelmente ajudará a refrear a inflação. Este cenário poderá não se concretizar, ou atrasar, caso se verifiquem novos períodos prolongados de confinamento nas sociedades dos países desenvolvidos, devido a novas vagas de infeção da COVID-19.

Nos Estados Unidos esperamos uma manutenção da recuperação económica com taxas de inflação mais baixas, mas ainda acima dos 2%, sendo expectável uma subida das taxas de juro por parte da Fed, mas não em dimensão suficiente para fazer descarrilar a recuperação económica. A saída de pessoas da força de trabalho poderá ver alguma inversão se/quando o governo norte-americano indiciar uma retirada, ainda que gradual, dos estímulos diretos às famílias, introduzidos na sequência da pandemia. Aqui o risco de medidas de confinamento mais exageradas não será muito elevado.

Na Europa as reações dos líderes políticos a novas vagas e variantes do coronavírus colocam mais incertezas quanto à tendência económica. A recuperação na Zona Euro deverá evoluir a diferentes velocidades devido às limitações do elevado endividamento dos periféricos. A inflação poderá surpreender em alta e aumentar as probabilidades de um cenário de estagflação, principalmente nestas economias mais condicionadas – uma Europa mais preocupada com a inflação poderá limitar os apoios a estas economias, nomeadamente via políticas monetárias menos expansionistas por parte do BCE. O cenário de uma economia global mais débil poderá levar a novas desvalorizações no euro, ajudando a uma inflação mais elevada devido à importação de energia (petróleo e gás natural). O efeito surpresa em termos de inflação pode assumir uma amplitude maior na Zona Euro, ou pelo menos tem mais espaço para tal. No Reino Unido as expectativas de inflação são as mais elevadas dos principais blocos económicos desenvolvidos, apesar de uma taxa de inflação atual mais elevada nos Estado Unidos. O Bank of England foi o primeiro dos principais blocos económicos a subir a taxa diretora, surpreendendo parcialmente o mercado com a subida de 0,1% para 0,25% antes do esperado. Apesar dos movimentos de saída de empresas de Londres para outras capitais europeias na sequência do Brexit, têm-se verificado recentemente alguns movimentos que indiciam maior atratividade do mercado britânico para grandes empresas (p.e.: unificação da empresa com dupla sede Unilever em território britânico abandonando a Holanda; o mesmo deverá acontecer com a Royal Dutch Shell – já aprovada em AG). A regulação e penalizações do ESG será uma das causas para tais movimentos.

No Japão a inflação não tem ganho tração, sendo expectável que o banco central mantenha a política monetária expansiva. Uma redução de medidas de confinamento poderá levar a economia a uma retoma económica mais fulgurante baseada na forte indústria.

Na China prevê-se novo ano com taxa de crescimento económico bem abaixo dos 6% - objetivo de crescimento, alcançado, ainda em 2019 – numa fase em que o Partido Comunista Chinês pretende uma economia menos alavancada e mais regulada. Esta nova tendência já começou a fazer vítimas, nomeadamente no mercado imobiliário, com a Evergrande em destaque. A provável insolvência e reestruturação da Evergrande poderá provocar alguma volatilidade adicional e incertezas económicas, mas as autoridades chinesas parecem ter o poder de fogo necessário para intervir e apoiar a economia, e tenderão a usá-lo caso sintam que é necessário.

Classes de ativos melhor posicionadas

As obrigações inflation linked poderão ser os ativos mais capazes de enfrentar o próximo semestre numa relação de retorno/risco. Apesar da recente evolução nas taxas de inflação, os principais emitentes deste tipo de obrigações (US Treasury, UK, Germany, France Governments) ainda têm, nas emissões a longo prazo, taxas de inflação futuras implícitas (breakeven inflation rates) abaixo ou pouco acima dos 2%. Em termos mais específicos, as inflation linked da Zona Euro parecem oferecer o maior potencial face ao risco inerente, com breakeven inflation rates na média de 1,7% e taxas de inflação atuais próximas dos 4% - ainda que a primeira média seja de expectativas para inflação futura e a segunda média de inflação histórica, as taxas históricas elevadas tendem a influenciar as expectativas sobre inflação futura.

Outra classe ou segmento do mercado que nos parece ser interessante, derivado das tendências políticas, é o das infraestruturas as quais deverão beneficiar de apoios e incentivos para economias mais verdes, com destaque para o Build Back Better Plan proposto pelo presidente Joe Biden nos Estados Unidos.

Nas obrigações de taxa fixa a nossa perspetiva é negativa a neutral, na medida em que as taxas são muito baixas e a atual perspetiva é de que estas subam e por isso tenham um impacto negativo no preço. Em alguns casos o rolling yield poderá superar a desvalorização em preço.

Nas ações a nossa expectativa é positiva para quase todos os principais mercados, mas esperamos um ano com maior volatilidade à medida que as condições da pandemia/endemia e políticas adjacentes para a combater se desenrolem de forma mais inesperada e à medida que os bancos centrais forem respondendo aos números da inflação, podendo as reações à atuação da Fed serem mais impactantes no mercado de ações. Na perspetiva de retornos consideramos que as ações serão novamente o grande criador de valor embora numa lógica de risco/retorno possa não ser a classe mais atrativa.

Em relação ao mercado imobiliário consideramos que pode ser um bom contribuidor para a estabilização das rentabilidades dos portefólios equilibrados, ainda que os riscos de uma forte correção sejam atualmente maiores, especialmente caso se verifique um cenário de forte abrandamento das economias (no primeiro trimestre de 2020 os REIT a nível mundial registaram uma correção de cerca de 40%). Aumentos nas taxas de juro são um ponto desfavorável a esta classe e por isso perde alguma da sua atratividade, ainda que seja por norma um ativo muito procurado como hedge para a inflação.

Nas commodities o ouro ganha nova atratividade com taxas de inflação mais altas, mas poderá sofrer caso as taxas de juro subam e não se verifiquem movimentos de risk off. O petróleo deverá apresentar um ano mais volátil, mas sem a amplitude de movimentos que teve entre 2020 e 2021, estimando-se que procure um patamar lateral de variação, podendo mesmo este ser inferior aos seus níveis atuais caso se verifiquem novos períodos de confinamento geral nas principais economias.

Riscos

Atualmente monitoramos mais os riscos de uma mudança de ciclo nos mercados financeiros, que se poderá verificar num cenário de estagflação.

Outros riscos que poderão implicar um cenário negativo para os mercados financeiros são os associados à atual inquietude geopolítica quer devido à animosidade entre Estados Unidos e China, quer devido a uma potencial invasão russa na fronteira ucraniana.

Fundo de investimento recomendado

O fundo Ruffer Total Return continua a ser um dos nossos preferidos pela sua filosofia de investimento. Tratando-se na sua maioria de um fundo misto (ações e obrigações), este recorre também a instrumentos derivados para tentar proteger o portefólio de alguns cenários extremos, além de investir uma parte em ouro. Mais do que os instrumentos a que recorre, o fundo tem na sua génese a lógica de base de tentar não perder dinheiro, procurando construir vários cenários e na composição do portefólio procurar ter um equilíbrio tal que aumente a probabilidade de não perder dinheiro num período de 12 meses… Deve-se acrescentar que esta lógica de não perder dinheiro é conjugada com objetivo de rentabilidades reais positivas e por isso a preocupação com a inflação que antecede há muito a dos analistas em geral.

Inflação

Taxas de inflação altas (acima de 2% na média do ano para os valores mensais yoy), mas inferiores às de 2021. O restabelecimento da normal atividade das cadeias de abastecimento associadas à contínua evolução tecnológica e o aumento do trabalho a partir de casa deverá aportar reduções de custos que limitem a velocidade nas subidas dos preços. De notar que nos Estados Unidos as expectativas de inflação implícitas nas TIPS estão perto de máximos dos últimos 20 anos, mas apenas em torno dos 2,5% e por isso muito abaixo dos valores que se verificaram em 2021:

Temas de investimento

Infraestruturas é um dos temas que se pode manter com uma procura elevada e para o qual a informação é ainda bastante complexa, com os SFDR (Sustainable Finance Disclosure Regulation) a poderem incorporar muita informação subjetiva. Os incentivos para economias mais verdes são uma grande oportunidade, mas também estão envoltos numa complexidade regulatória que poderá beneficiar quem está mais próximo do legislador.