O furacão monetário dos últimos dias e os riscos da ascensão em definitivo da variante Omicron. Saiba a que mais estará atento João Lampreia, chief investment strategist no BiG.
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O Esta semana vou estar de olho... é da autoria de João Lampreia, chief investment strategist no BiG.
A semana finda acaba por ficar marcada inevitavelmente como talvez a mais importante e extraordinariamente densa do prisma monetário que tivemos o privilégio de assistir ao longo de todo o ano de 2021. Sem surpresa, e perante o início dos festejos natalícios da próxima semana, estou em crer que os investidores estarão mais focados em consolidar as suas perspetivas sobre o que aconteceu nesta frenética semana e como isso se traduzirá nas expectativas de retorno dos ativos financeiros ao longo de 2022.
Paralelamente, a Europa volta a viver um ressurgimento pandémico muito preocupante (ainda que nesta fase felizmente ainda não tão grave como há um ano) com a inevitabilidade da consolidação da variante Omicron, pelo que o risco de novas restrições à mobilidade e consequências nefastas sobre a atividade económica no 1T/22 são muito prováveis – sobretudo pelo agravamento/manutenção de disrupções nas cadeias de abastecimento que podem por essa via enraizar os riscos inflacionários vigentes. O facto de os Bancos Centrais terem ficado manifestamente atrás da curva ao longo de todo o ano de 2021 – repetindo ad nauseum o mantra de inflação temporária que foram inevitavelmente (mas apenas agora!) forçados a deixar cair – acaba por explicar a natureza da reversão da ação em torno das políticas monetárias que tiveram lugar esta semana nos EUA, UE e UK.
Com o BCE a sinalizar uma redução do programa de compra de ativos (desde a transição do PEPP para o APP) um pouco mais agressivo do que o mercado eventualmente antecipava e o BoE a surpreender o mercado com a primeira subida das taxas de juro – ambos preocupados em acompanhar igualmente a Fed na sua guinada moderadamente hawkish, irei focar a minha análise no que aconteceu nos EUA e as implicações que a alteração da política monetária poderá ter na evolução dos ativos financeiros no curto-médio prazo. Em primeiro lugar, o mundo testemunhou um novo discurso de Powell – desta feita com o responsável da Fed a sinalizar que o risco à estabilidade do crescimento económico depende estritamente da contenção da inflação para níveis mais alinhados com o target de mandato da Fed.
Se em vagas pandémicas anteriores, os responsáveis estavam preocupados em estabilizar e/ou fomentar a dinâmica da procura agregada, desta feita e face à dimensão dos estímulos estratosféricos que foram implementados nos EUA (fiscal e monetário), a variante Omicron apenas é um risco para a Fed no que respeita o seu impacto nas cadeias de abastecimento e no agravamento dos riscos de inflação do lado da oferta. Por outras palavras, a variante Omicron apesar de nesta fase soar todas as campainhas de alarme face ao seu potencial desastre sanitário muito provável no 1T/22, neste momento o Banco Central apenas se mostra preocupado em como a nova variante pode afetar a trajetória da inflação – ironicamente a Omicron representa um impulso suplementar para a Fed ser mais restritivo do ponto de vista monetário e não o contrário, face aos riscos de policy error tendo em conta o quanto a Fed acabou por se deixar ficar atrás da curva ao longo de todo o ano de 2021. Esta guinada hawkish não é mais do que o reconhecimento do próprio erro da Fed que teimosamente subsistiu (inflação transitória) ao longo de todo o ano relativamente à sua visão sobre as dinâmicas estruturais e temporárias da inflação.
O facto da Fed acelerar brutalmente o ritmo de tapering agora até final de março e o novo dotplot apontar já para três subidas de taxa de juro em 2022, o que compara com o dotplot de setembro em que a perspetiva de apenas uma subida das taxas de juro dividia os membros do comité (literalmente em 50-50) acabamos por ter uma noção do quão radical foi a mudança de curso de ação da Fed. Não obstante, o mercado acionista teve um desempenho estranhamente estelar na sessão da reunião da Fed - as taxas de juro (apesar do ressalto inicial) voltaram a retroceder marginalmente na sessão e os índices de ações continuaram a sua impressionante escalada reaproximando-se de máximos históricos.
Já na sessão imediatamente seguinte, o mercado de ações mais do que reverteu os ganhos obtidos na sessão prévia, arrastados pela correção significativa do sector tecnológico e que também coincidiu com o acentuar da quebra das taxas de juro ao longo de toda a curva de rendimentos dos EUA. De forma simplista, parece assim um pouco esquizofrénico o comportamento dos ativos de risco à luz das novidades do ângulo monetário. Afinal temos uma Fed estruturalmente mais hawkish e o mercado de ações celebra esse feito de forma paradoxal e, por outro lado, assistimos a quedas significativas do setor tecnológico (ativo long duration e grande beneficiário da estagnação secular que vigorou na década pré-Covid) num contexto em que as taxas de juro se mantêm estruturalmente muito baixas e os riscos da variante Omicron poderão até beneficiar o segmento no curto prazo.
Terão os investidores tido tempo para interpretar o que verdadeiramente aconteceu nos últimos dias? Pode parecer um desempenho relativamente esquizofrénico dos ativos financeiros ou talvez não… De facto, com a guinada mais hawkish da Fed, por um lado os riscos da inflação se cristalizarem estruturalmente (muito) acima do target da Fed são agora bastante mais ténues e portanto esse facto acaba por ser benéfico para a recuperação da actividade económica em curso e para o desempenho estrutural dos ativos de risco. Por outro lado, o mercado não parece acreditar que a Fed conseguirá levar até ao final toda a sua trajetória implícita de subidas do ciclo de taxas de juro, mesmo que concretize já as tais três subidas de taxas de juro em 2022. De facto, o mercado desconta que a Fed Funds terminal deste ciclo de tightening não irá além dos 1,5-1,75%, o que compara com aproximadamente 2% previsto no dotplot da Fed em 2024 ou mesmo os 2,5% subjacente à taxa de longo prazo.
A Fed acaba assim por carregar no pedal de tightening no curto prazo, mas admite desde logo desacelerar a partir de 2024 e Powell no seu discurso reforçou múltiplas vezes a importância de conter a emergência de volatilidade no mercado, o que confere um backstop adicional ao anunciado/reforçado tightening da Fed – reforçando assim a denominada FED PUT que tem assegurado de forma quase permanente um retorno acionista muito interessante. Talvez assim – mais tightening no curto prazo e menos tightening no longo prazo - se observe mais lógica na celebração dos ativos de risco logo após a reunião da Fed, mas a reversão que se assistiu imediatamente a seguir com a queda expressiva do setor tecnológico continua a motivar espaço para dúvidas que poderão subsistir no mindset dos investidores. Na próxima semana marcada por quase nada em vésperas da época natalícia, o mercado tem aqui uma oportunidade importante para gerir e interpretar algumas aparentes contradições que poderão subsistir face ao furacão monetário que assistimos nos últimos dias, sem esquecer a importância de monitorizar a inevitável consolidação da variante Omicron e o que isso poderá representar para a trajetória do ciclo económico e o desempenho dos ativos de risco. É precisamente nesta justaposição monetária, implicações X-Asset e ascensão da Omicron que Eu vou Estar de Olho bem aberto na próxima semana! Aproveito desde já para desejar um excelente Natal para os nossos estimados leitores e prometo estar de volta no início de 2022…