O desacerto da política externa americana torna a ordem internacional mais incerta, substituindo a previsibilidade pelo inesperado. Jorge Silveira Botelho, responsável da BBVA AM Portugal, analisa como esse cenário acabou por impulsionar o despertar estratégico da Europa.
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COLABORAÇÃO de Jorge Silveira Botelho, responsável da BBVA AM Portugal.
Vivemos tempos complexos, mas, ao mesmo tempo, demasiado fascinantes, onde o mundo procura encontrar uma nova ordem política e económica, enquanto a inteligência artificial ganha contornos de uma revolução do conhecimento humano.
No curto prazo, torna-se cada vez mais difícil entender a estratégia económica e política desta nova administração americana, onde o absurdo se instala e parece ter um efeito perverso, uma vez que o feitiço parece ter-se voltado contra o feiticeiro. A hilariante volatilidade política trava objetivamente a dinâmica da economia, onde o rumo de uma política económica ambígua, mina as expetativas e cria o desnorte na confiança dos agentes económicos, colocando o excecionalismo americano num estado modorrento.
Em primeiro lugar, o consumidor americano representa 68,8% do PIB americano em 2024 (fonte: BLS) evidencia sinais de exaustão e de preocupação. Por um lado, assistimos a uma maior debilidade dos índices de confiança, como índice de expetativas do Conference Board a cair cerca de 10 pontos num mês, ao mesmo tempo que em janeiro verificámos uma forte contração de -0,5% do consumo privado e a consequente subida da taxa de poupança de 3,5% em dezembro para 4,6% em janeiro (fonte: bloomberg). Acresce o facto de que a forma desadequada como todo o universo dos funcionários públicos tem sido tratado, em pouca abona para a retoma da confiança, e tudo isto sem se saber ainda como medir o impacto real da imigração na atividade económica…
EUA: Evolução do gasto real mensal do consumidor

Em segundo lugar, a pouca transparência e o caráter aleatório da adoção de tarifas, para além de minar as relações com os parceiros comerciais tradicionais, tem um impacto direto em grande parte das companhias multinacionais americanas, as quais têm a maior dificuldade em saber direcionar o seu capex. Também os níveis de otimismo das pequenas e médias empresas tem perdido o seu brilho, à medida que imprevisibilidade se torna cada vez mais evidente.
Em terceiro lugar, apesar da inflação implícita nas taxas de juro de longo prazo nos EUA (BE Inflation) continuar relativamente estável, o jogo das tarifas e a desvalorização do dólar, têm elevado as expetativas de inflação nos inquéritos dos índices de confiança dos consumidores. A própria Reserva Federal Americana parece desconfortável em abrir muito o jogo, mas a política monetária continua demasiado restritiva e existem riscos de uma má avaliação entre o real risco de inflação e o risco de uma recessão, fruto do risco de sentimento exacerbado sobre a inflação.
Diferencial entre o índice de expetativas de inflação de longo prazo da Universidade de Michigan e a inflação implícita a 10 anos na curva de rendimentos americana
Por fim, o desacerto da política externa americana, torna a ordem internacional mais complexa, onde se deixou de poder contar com o previsível, ganhando forma o imprevisível. Se é certo que aparentemente a política externa nunca foi uma preocupação para o cidadão americano, uma nova onda de segurança e de alianças económicas e políticas, também têm necessariamente impacto nos níveis de confiança internos.
No entanto, esta situação, dificilmente perdura indefinidamente, uma vez que, este desnorte político desta natureza, motiva reações internas e os riscos de a economia se precipitar numa recessão gerada pelos famosos erros não forçados, parece sempre ser mais facilmente evitável...
Em contrapartida, esse mesmo desacerto político americano acordou literalmente a Europa de um estado de letargia, contribuindo decididamente para uma reformulação da sua estratégia política e económica. Essa, sim, é uma realidade que não assistíamos há mais de 10 anos, quando em 2012 Mario Draghi proferia a frase whatever it takes, agora repetida em alto e bom som pelo futuro chanceler alemão Friedrich Merz. Ao que parece a Europa parece querer se encontrar e a perspetiva de um cessar-fogo na Ucrânia e uma nova liderança alemã podem recuperar o excecionalismo perdido.
Os índices globais têm um problema de excesso de concentração no mercado americano, com o índice MSCI World a deter um peso de 73% e o índice MSCI ACWI com um peso de cerca de 66%. Em ambos os casos o peso da Alemanha é de 30 vezes inferior aos EUA…
Evolução dos índices MSCI Word, MSCI ACWI e DAX, no último ano (euros)

Neste sentido e apesar de toda a desconfiança que emerge deste mundo desordenado, mas desafiante, existem forças que não vão ser paradas e que vão ser muito mais relevantes para a evolução futura da atividade económica.
Hoje a inteligência artificial é uma verdadeira revolução do conhecimento, porque queima etapas e faz-nos ganhar o tempo que nunca imaginaríamos que iriamos ter. Ninguém ao certo parece preparado para antever os potencias ganhos transversais de produtividade que vão ocorrer em todos os setores de atividade, mas estes vão certamente suceder e provavelmente mais cedo do que se antecipa.
Quem não entender o valor do tempo, vai provavelmente ser arrastado pelo ruído da política efémera de Eveything But Trust… e consequentemente vai perder a oportunidade de dar tempo ao tempo e de investir com sucesso!