Carlos Bastardo, no seu habitual artigo de opinião, analisa a recente descida dos juros do BCE e a sua pouca utilidade marginal.
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A desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB) da zona euro e uma inflação que está bastante aquém do objetivo de 2% do Banco Central Europeu (BCE) têm preocupado os seus responsáveis. Daí que em 12 de setembro, o BCE baixou em 10 pontos base (0,1%) a taxa de depósito, tornando-a ainda mais negativa, -0,5% e anunciou um novo programa de compra de títulos no valor de 20 mil milhões de euros mensais, apenas 9 meses depois de ter terminado o programa anterior.
À partida, qualquer estímulo económico é bom para o crescimento do PIB, mas duvido muito que esta nova redução de taxas de juro, estando elas já em níveis mínimos históricos, tenha utilidade marginal.
Pelo contrário, penso que os efeitos negativos serão maiores que os efeitos positivos, fazendo aumentar os riscos de investimento e de rendibilidade / sustentabilidade financeira dos bancos, setor vital para o financiamento da economia. Por outro lado, as taxas de juro muito baixas proporcionaram um aumento significativo do endividamento público e privado nos últimos anos.
Será que uma remuneração mais negativa dos depósitos dos bancos no BCE, mesmo que acompanhada por um sistema escalonado de remuneração das reservas (tiering), vai levar a que estes concedam mais crédito à economia? Penso que não.
O problema está no lado da procura de crédito por parte das empresas, tendo em atenção o fraco dinamismo económico e de investimento, pelo que, a substituição maciça de depósitos dos bancos no BCE por empréstimos à economia não vai acontecer.
Nos últimos 3 meses, a quantidade e valor de obrigações de dívida pública e de empresas (corporate bonds) com yields negativas teve um crescimento significativo.
Esta situação arrasa com a poupança dos investidores particulares, mas também dos investidores institucionais, que investem em produtos em que a grande maioria dos investimentos são títulos de rendimento fixo ou certo (juro) cuja remuneração é cada vez mais baixa, como por exemplo, os fundos monetários, de tesouraria, de obrigações, de pensões, as carteiras de obrigações dos bancos, seguradoras, fundações, entre outros.
O facto de a taxa de juro diretora do BCE ser há vários anos muito reduzida ajudou à expansão económica na fase imediata após o início da crise e em 2012 (famoso discurso de Mario Draghi), mas hoje o seu efeito é menor no crescimento do PIB. A estimativa de crescimento do PIB para a zona euro em 2019 é de 1% a 1,2%, consoante o organismo ou instituto estatístico e tem vindo a descer trimestre após trimestre.
A guerra comercial EUA / China que tem “chamuscado” e de que maneira a Europa, especialmente a Alemanha o motor económico da zona euro; a consequente turbulência cambial no mundo desenvolvido e em algumas economias emergentes; um Brexit sem acordo; a instabilidade política em Espanha, onde não há novo governo e vai haver novas eleições; a instabilidade política em Itália e a subida do risco geopolítico noutras zonas do globo, têm sido os principais fatores que têm afetado a confiança dos agentes económicos.
Mesmo nos EUA, quando se fala numa redução das taxas de juro por parte da Reserva Federal Americana (FED), o espaço de manobra é muito mais reduzido do que em 2000 e em 2008. Em 2000, a FED Funds estava em 6,5% e foi reduzida até 2% em 2003. No último trimestre de 2007 a FED Funds estava em 5,25% e baixou para 0,25% no final de 2008.
No último ciclo de subida dos juros nos EUA, a FED Funds chegou “apenas” aos 2,5% estando neste momento no intervalo de 1,75% a 2%. Ou seja, se a descida das taxas de juro nos ciclos iniciados em 2000 e 2008 foi de 4,5% e 5% respetivamente, agora o espaço de manobra é bem menor.
A forma de evitar que a desaceleração económica na zona euro continue, não passa a meu ver por continuar a reduzir as taxas de juro. Passa sobretudo por uma mudança na atitude dos governantes alemães. A maior economia da zona euro necessita e tem que investir mais e puxar pelos outros países parceiros. A sua margem de manobra permite-lhe investir e cumprir à mesma o objetivo do défice público zero, uma vez que o excedente atual é significativo.
Passa também por haver avanços credíveis nas negociações comerciais, tecnológicas e de propriedade intelectual entre os EUA e a China. Mas, será que neste tema, podemos estar otimistas?
Em 2020, há eleições presidenciais nos EUA. Trump deseja um segundo mandato, mas para o conseguir, a economia tem que ganhar tração. O PIB dos EUA veio de um crescimento anual homólogo de 3,1% no 1º trimestre para 2% no 2º trimestre. O valor do PMI industrial de agosto de 2019 é o mais baixo desde setembro de 2009 e o ISM da indústria foi de 49,1, ou seja, abaixo de 50 pontos pela primeira vez em 3 anos, o que significa contração económica.
E será que os chineses estão interessados num 2º mandato de Trump, tendo em conta a evolução das relações comerciais nos últimos 12 meses? E como fica a Europa neste cenário turbulento? Qual é a estratégia da nova equipa diretiva europeia saída das recentes eleições?
Meus caros, espero que tenham descansado bem nas férias de Verão, pois o atual enquadramento só pode causar stress.