Lourença de Sousa Rita, sócia da JPAB, distingue as fundações como um meio de conservação e gestão de património adequado às pretensões de muitas pessoas e realidades patrimoniais.
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Volvidos alguns anos após a profunda reforma feita em Portugal à legislação aplicável às Fundações, importa debruçar-nos um pouco sobre esta figura e veículo patrimonial. Será que, no presente quadro normativo, as Fundações ainda são instrumentos preferenciais de afectação de um património à prossecução de determinados interesses sociais? A ver vamos.
Antes de mais, importa clarificar que uma Fundação é uma pessoa colectiva sem fins lucrativos, dotada de um património suficiente e irrevogavelmente afetado à prossecução de um fim de interesse social.
Até à Lei-Quadro das Fundações, introduzida pela Lei n.º 24/2012, de 09 de Julho, as Fundações em Portugal encontravam apenas regulação no Código Civil. Para além das Fundações privadas tínhamos, ainda, as chamadas Fundações de direito público, criadas pelo Estado ou uma entidade pública, muitas vezes também em parceria com instituições privadas e particulares.
Efectivamente, em 2012, no âmbito do cumprimento das medidas impostas pelo Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, foi levado a cabo pelo Governo um censo dirigido às fundações, nacionais ou estrangeiras, que prosseguiam os seus fins em território nacional, com vista a avaliar (i) o respetivo custo/benefício e viabilidade financeira e decidir sobre a sua manutenção ou extinção (no caso das Fundações públicas) (ii) sobre a continuação, redução ou cessação dos apoios financeiros concedidos; (iii) e, ainda, sobre a manutenção ou cancelamento do estatuto de utilidade pública para todo o tipo de fundações.
Na sequência do trabalho desenvolvido muitas foram as Fundações que viram alterada a sua situação, tendo havido lugar à extinção de inúmeras Fundações, à redução dos benefícios e apoios públicos concedidos e, até mesmo, ao cancelamento do estatuto de utilidade pública concedido.
Para além disso foi criado um verdadeiro regime jurídico das fundações, muito mais pormenorizado, através da Lei-Quadro das Fundações, alterando-se as previsões normativas constantes do Código Civil e, criando, ainda, um regime próprio e especial de concessão e manutenção da utilidade pública para as Fundações.
Neste cenário é a Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, por subdelegação da Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, que assume um
papel relevante nos procedimentos administrativos de reconhecimento, modificação de estatutos e extinção de fundações e também nos procedimentos de declaração de reconhecimento do seu estatuto de utilidade pública.
Surge, ainda, neste quadro institucional, o Conselho Consultivo das Fundações composto por três personalidades de reconhecido mérito, propostas por associações representativas das fundações e designadas pelo Primeiro-Ministro, um representante do Ministério das Finanças e um representante do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, ao qual compete emitir pareceres e tomar posições sobre os assuntos relativos às Fundações, a pedido da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros.
São estas assim as entidades a partir de então competentes para os procedimentos relativos às Fundações portuguesas.
São várias e significativas as alterações introduzidas ao regime fundacional, principalmente, ao nível da sua situação económica e financeira. São logo num primeiro momento distinguidas as fundações privadas, das fundações públicas de direito público e das fundações públicas de direito privado.
No que respeita às Fundações privadas – que são aqui objecto de análise – o legislador aproveitou para instituir regras e requisitos mínimos a serem observados no procedimento de instituição e reconhecimento, tal como o tipo de fim social que deve ser prosseguido, o valor do património inicialmente afecto à prossecução dos fins pretendidos desenvolver, impondo um valor mínimo de dotação patrimonial inicial de € 250.000,00, exigindo, ainda, que deste património faça parte uma parcela em numerário de, pelo menos € 100.000,00, ou, no caso de um património inicial superior, que esta parcela em numerário seja, tendencialmente, de 30%.
Foram estabelecidas normas relativas aos órgãos sociais e determinadas cláusulas estatutárias, e regulado o destino dos bens no caso da sua extinção.
Com o objectivo de limitar o apoio financeiro que vinha a ser concedido às Fundações, foi imposto um limite às despesas próprias das Fundações, que tem repercussão na manutenção do seu estatuto de utilidade pública. Assim, e já numa nova redacção legal, preconizada por uma alteração à Lei-Quadro das Fundações introduzida pela Lei n.º 150/2015, de 10 de Setembro, o legislador estabelece que as despesas com pessoal e órgãos da fundação não podem exceder os seguintes limites:
“a) Quanto às fundações cuja atividade consista predominantemente na concessão de benefícios ou apoios financeiros à comunidade, um décimo dos seus rendimentos anuais, devendo pelo menos dois terços destes ser despendidos na prossecução direta dos fins estatutários;
b) Quanto às fundações cuja atividade consista predominantemente na prestação de serviços à comunidade, dois terços dos seus rendimentos anuais.”
De notar que a Lei-Quadro entende que não se consideram financiamento “os pagamentos efectuados a título de indemnização ou derivados de obrigações contratuais, nem as verbas decorrentes de candidaturas a fundos comunitários.”
Para além do atrás exposto relativo ao processo de instituição e reconhecimento de uma Fundação e eventual atribuição do estatuto de utilidade pública, que tem como objectivo primordial a obtenção de benefícios fiscais ao nível da tributação e do mecenato, cremos ser de salientar que também as Fundações estão sujeitas a outro tipo de obrigações legais decorrentes da sua natureza não lucrativa, assentes nos pilares da transparência.
Daí que hoje em dia se fale também em compliance no sector fundacional, como um conjunto de obrigações jurídicas e modo de as respeitar que passam, por exemplo, pela adopção de um Código de boas práticas, pela observância de obrigações relativas ao cumprimento dos fins e gestão da Fundação; pela necessidade de reporte à entidade administrativa (contas, relatório de actividades, eleição dos órgãos sociais, benefícios públicos recebidos…). Também ao nível do branqueamento de capitais, e considerando o recente pacote legislativo nesta matéria, é imposto às Fundações novas obrigações e deveres de controlo e reporte, nomeadamente no que respeita aos beneficiários efectivos e à angariação de fundos. Isto sucede, ainda, ao nível da recente legislação relativa à protecção da privacidade pessoal e do tratamento dos dados pessoais.
Por tudo o que ficou aqui exposto, tudo leva a crer que estará, em princípio, estabilizado o regime legal relativo às Fundações.
E, em nosso entender, neste panorama, que a figura das Fundações se denota novamente como um instrumento ao alcance dos portugueses para conservação e optimização de património e prosseguir fins e objectivos de forma duradoura. Isto porque, as Fundações têm uma base patrimonial e o seu património pode ser composto por vários tipos de bens, como por exemplo: bens imóveis; bens móveis, obras de arte, direitos de propriedade intelectual, participações sociais, valores monetários e produtos e activos financeiros.
A razão de ser das Fundações é o cumprimento dos fins sociais para que foi instituída, dentro de um quadro ético e de compromisso social, mas na verdade, o património, a gestão do património e a sua consolidação são também aspectos essenciais da vida das Fundações.
A subsistência de uma Fundação depende da capacidade dos seus órgãos de administração em rentabilizarem o património que lhe foi afecto, por forma a gerar os recursos necessários à prossecução das actividades a que se predispôs.
Isto implica, na maioria das vezes que as Fundações acabem, directa ou indirectamente, a desenvolver uma actividade económica no mercado em normais condições de concorrência com os outros entes jurídicos, de natureza diferente. Desta feita, as Fundações desenvolverão, necessariamente, dois tipos de actividades: (i) as destinadas directamente à prossecução do seu fim social, e (ii) as relativas à gestão e rentabilização do seu património.
Assim, e em resposta à questão inicial, parece que as Fundações ainda se afiguram como um meio de conservação e gestão de património adequado às pretensões de muitas pessoas e realidades patrimoniais e se mantêm merecedoras da nossa atenção, pela sua potencialidade.