Green(ish)? - o paradoxo da consulta pública da ESMA sobre as diretrizes dos nomes dos fundos que utilizam termos relacionados com a sustentabilidade ou com fatores ESG

Maria Carvalho Martins e Beatriz Batista Pereira
Maria Carvalho Martins e Beatriz Batista Pereira. Créditos: Cedidas (Sofia Leite Borges & Associados)

TRIBUNA de Maria Carvalho Martins, associada coordenadora, e Beatriz Batista Pereira, jurista, da Sofia Leite Borges & Associados.

No passado dia 18 de novembro de 2022 a ESMA lançou uma consulta pública sobre as diretrizes dos nomes dos fundos que utilizem termos relacionados com a sustentabilidade ou com fatores ESG.

Tendo como objetivo a mitigação do fenómeno de greenwashing a ESMA propõe um conjunto de requisitos para a utilização destes termos no nome dos fundos, nomeadamente:

  1. Para a inclusão de termos relacionados com fatores ESG o fundo tem de alocar no mínimo 80% dos seus investimentos à realização de objetivos ambientais ou sociais;
  1. Para a inclusão da palavra «sustentável» o fundo tem de alocar, dentro da proporção mínima de 80%, pelos menos 50% dos investimentos com vista a atingir as características e os objetivos definidos como sustentáveis;
  1. Introdução de salvaguardas mínimas, incluindo em matéria de critérios de exclusão, tal como definidos no artigo 12.º, n.ºs 1 e 2 do Regulamento Delegado (UE) 2020/2018, referente aos índices de referência (benchmark); e
  1. Para a inclusão da expressão impacto o fundo deve, adicionalmente, garantir que os investimentos são efetuados com a intenção de gerar um impacto social ou ambiental positivo e mensurável.

Sem prejuízo de, em termos abstratos, concordarmos com a necessidade de regulamentação desta matéria, temos algumas reticências quanto à metodologia adotada considerando que esta não só não se demonstra apta a mitigar o referido fenómeno como pode, de forma paradoxal, promover um incremento deste e de outros efeitos nefastos1. Sobre isto refletiremos em seguida.

A introdução de um critério quantitativo e matemático (mensurável), é um meio racional e objetivo de delimitação da possibilidade de inclusão destes termos nos nomes dos fundos. Contudo, é necessário que os critérios e conceitos sobre os quais assenta a quantificação se encontrem previamente determinados

Tendo por referência os conceitos em apreço, verifica-se que estes são (ainda) demasiado amplos e ambíguos, pelo que criam uma válvula de escape com efeitos paradoxais e impacto em várias dimensões.

Neste sentido, ao nível do mercado a ambiguidade conceptual pode conduzir a uma discrepância de interpretações por cada ANC gerando incerteza e instabilidade jurídicas.

No âmbito dos OIC, a maleabilidade conceptual tem como resultado a possibilidade de os fundos moldarem e determinarem estes conceitos como mais conveniente, podendo assim contornar estes limites, verificando-se um incremento do fenómeno que se pretende combater2.

Finalmente, ao nível dos investidores, a introdução deste tipo de metodologia pode ainda conduzir a um incremento da sua «confusão», por oposição à desejável clarificação na medida em que um fundo pode alocar 79% dos seus investimentos para promoção de fatores ESG ou investimentos sustentáveis e, ainda assim, não poder conter no seu nome esse termo

Adicionalmente, afigura-se, que os critérios aqui propostos vão além do legalmente exigível, não nos podendo olvidar de considerar qual o papel das orientações – (apenas) concretizar e densificar os deveres legais3 - e o potencial incremento do fenómeno de green-bleaching com a criação de restrições adicionais infundadas.

A solução para os problemas acima referidos, deve ser procurada em dois momentos distintos:

Numa primeira fase através da leitura conjunta dos vários diplomas, de natureza geral e especial, para daí retirarmos o dever de atuação de forma leal e honesta. Este dever materializa-se, necessariamente, na necessidade de o nome do fundo corresponder efetivamente aos seus objetivos e política de investimento.

Numa segunda fase, avaliando se o referido dever se encontra cumprido.  Contudo, esta avaliação só será possível, se existir uma (i) clarificação dos termos em apreço4 e uma (ii) concretização da interoperacionalidade dos vários diplomas5, a realizar pela ESMA e pelo legislador europeu, contando com os contributos relevantes dos demais stakeholders.

Encontrando-se preenchidos os pressupostos acima referidos, não devemos recorrer a critérios matemáticos e estanques6, mas sim a um sistema móvel de indícios

Os referidos indícios deverão ser previamente definidos7 e balizados pela ESMA, passando, por exemplo, não apenas pela intencionalidade e mensurabilidade, mas também por outros fatores, como, por exemplo, o potencial número de postos de trabalho que o investimento cria ou a possibilidade de desenvolvimentos e inovações com um impacto positivo nesta área.

Este método possui a mais-valia de permitir e promover uma abordagem flexível na verificação do cumprimento do dever, tendo por referência fatores internos e externos ao OIC. 

Com efeito, um OIC deverá poder incluir os referidos termos no seu nome desde que da análise dos seus objetivos e política de investimento resulte o suficiente preenchimento dos referidos indícios, não descurando a eventual existência de diferenças que devam ser devidamente acauteladas, por exemplo, em função da natureza do OIC, da jurisdição ou de outros fatores relevantes8.

Neste contexto, o papel da ESMA deverá ser (apenas) o de intervir (i) na clarificação da definição dos referidos termos e (ii) na criação de diretrizes com base em indícios para as ANC, de forma casuística e flexível (móvel), (por oposição a generalista e estanque), aferirem se o nome do fundo corresponde aos seus objetivos e política de investimento, não existindo incumprimento dos deveres supramencionados. 

Em nome da uniformização e da mitigação da fragmentação jurídica, as referidas diretrizes devem aplicar-se a todos os instrumentos financeiros abrangidos pelo SFDR e não apenas aos OIC9

O investimento ESG, é sem dúvida uma tendência crescente a nível mundial, quer do lado da procura (investidores), quer do lado da oferta (sociedades gestoras). 

De acordo com um estudo realizado pela PwC em 202210, o volume de AuM em ESG em 2021 dos mutual funds, foi de 60.9 e dos fundos foi de 16.4 Trillion USD, prevendo a consultora, que os AuM aumentem em 2026, respetivamente, para 65.2 e 19.1 Trillion USD.

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1 Também neste sentido vide, a título meramente exemplificativo, a resposta à consulta pública da Candriam.

2 Também salientando alguns dos potenciais efeitos nefastos da metodologia proposta vide a resposta à consulta pública da CNMV.

3 Também neste sentido, vide a resposta à consulta pública da AIMA.

4 Também neste sentido, vide a resposta à consulta pública da IFIA.

5 Também neste sentido vide a muito crítica resposta à consulta pública da EFAMA.

6 Diferentemente, no sentido da concordância, regra geral, com a metodologia proposta vide a resposta à consulta pública da FECIF.

7 Também no sentido da necessidade de introdução de critérios flexíveis vide a resposta à consulta pública da Invesco.

8 Também neste sentido vide a resposta à consulta pública da ALFI.

9 Também neste sentido vide as respostas à consulta pública do CFA Institute e da Schroders Investment Management (Europe) SA.

10 Asset and wealth management revolution 2022: Exponential expectations for ESG.