It’s not easy being green: combater o greenwashing nos criptoativos

Marta Graça Rodrigues e Tiago Gomes da Silva. Garrigues
Marta Graça Rodrigues e Tiago Gomes da Silva. Créditos: Cedida (Garrigues)

 COLABORAÇÃO de Marta Graça Rodrigues, sócia, e Tomás Gomes da Silva, advogado, da Garrigues.

As normas técnicas elaboradas pela ESMA e sob consulta pública representam um passo de gigante no sentido de responder aos críticos que apontam a sustentabilidade ambiental como um dos principais defeitos dos criptoativos. Ao promover a transparência e a responsabilidade de todos os participantes no mercado, através de divulgações robustas de práticas e indicadores de sustentabilidade ambiental, estão lançadas as bases para um mercado de criptoativos mais eco-consciente a nível da União Europeia.

As obrigações de divulgação de informação relativa à sustentabilidade ambiental

A publicação do Regulamento sobre os Mercados de Criptoativos (o Regulamento) no Jornal Oficial da União Europeia, a 9 de junho de 2023, constituiu um marco significativo na regulação do setor dos criptoativos na União Europeia (UE). Entre as suas diversas obrigações, o Regulamento encarrega a Autoridade Europeia de Mercados de Valores Mobiliários (ESMA) de elaborar e publicar, até 30 de junho de 2024, em cooperação com a Autoridade Bancária Europeia (EBA), normas técnicas e orientações relativas, entre outras, ao conteúdo, metodologia e o formato da apresentação de indicadores de sustentabilidade sobre os impactos ambientais negativos dos criptoativos.

No Regulamento estão consagrados alguns artigos, nomeadamente, os artigos 6.º, n.º 1, 19.º, n.º 1, 51.º, n.º 1, que estabelecem obrigações de divulgação de informação relativa aos principais impactos ambientais e outras consequências negativas emergentes dos mecanismos de consenso utilizados na emissão de criptoativos. Estas normas são aplicáveis e devem ser tidas em conta na elaboração do livrete do criptoativo (whitepaper) relativo a criptofichas referenciadas a ativos (ART, do inglês asset-referenced token), criptofichas de moeda eletrónica (EMT, do inglês e-money token) e a criptoativos não qualificados como ART ou EMT.

A obrigação de divulgação é colocada diretamente na esfera jurídica dos emitentes, responsáveis pela elaboração do livrete do criptoativo. Sobre os operadores de plataformas de negociação recai a tarefa de assegurar que, até 31 de dezembro de 2027, tenham sido redigidos, notificados e publicados os livretes dos criptoativos (excluindo ART e EMT), que tenham sido admitidos à negociação antes de 30 de dezembro de 2024.

Paralelamente, o artigo 66.º, n.º 5 do Regulamento obriga os prestadores de serviços de criptoativos a exibir essa informação nos seus websites, de forma visível, relativamente a todos os criptoativos em relação aos quais prestam serviços, independentemente da possibilidade de retirar essa informação dos livretes dos criptoativos. Estas obrigações exigem uma análise meticulosa dos mecanismos de consenso, fundamentais para a validação de transações de criptoativos, incluindo as suas características inerentes, diferenças e regime de incentivos.

Prevê-se que os indicadores de sustentabilidade abranjam um leque alargado de informação: utilização de energia, integração de energias renováveis, exploração de recursos naturais, produção de resíduos e emissões de gases com efeito de estufa. As normas técnicas propostas pela ESMA são concebidas como um meio para operacionalizar estas obrigações regulatórias, estabelecendo uma ligação entre o setor dos criptoativos e os fatores ESG (ambientais, sociais e de governação).

A divulgação de informação relativa à sustentabilidade deve estar de acordo com as seguintes características:

  • Devem permitir a comparação entre diferentes criptoativos;
  • Devem ser coerentes e atualizadas regularmente;
  • O uso de terceiros independentes para confirmar a informação deve ser divulgado;
  • Caso sejam usados diferentes mecanismos de consenso para o mesmo criptoativo, o impacto negativo de cada mecanismo deve ser avaliado e divulgado individualmente.

Impacto dos mecanismos de consenso

Os mecanismos de consenso são definidos no artigo 3.º do Regulamento como as regras e procedimentos através dos quais se chega a acordo, entre os nós da rede de registo distribuído, em como uma transação está validada.

A pegada ambiental dos mecanismos de consenso utilizados para validar as transações de criptoativos está no centro das atenções. Tem-se verificado um apelo para uma transição energética para soluções mais “amigas do ambiente”. É esperado que tanto os emitentes de criptoativos como os prestadores de serviços de criptoativos tenham conhecimento e divulguem, aos investidores e investidores potenciais, quaisquer impactos ambientais negativos decorrentes desta tecnologia. A extensão destes impactos deve ser avaliada tendo em conta vários fatores, incluindo a proporcionalidade, a dimensão e o volume do criptoativo relevante.

O ponto fulcral de um mecanismo de consenso é validar as transações de criptoativos, sendo a emissão de um criptoativo o resultado potencial desse processo de validação. As repercussões ambientais dos mecanismos de consenso vão para além dessa função de validação, e abrangem as três seguintes dimensões: consumo de energia, localização e os equipamentos usados pelos nós da rede de registo distribuído.

Apesar dos desafios na obtenção de dados de sustentabilidade dos criptoativos, devido à sua natureza global e descentralizada, muitas entidades que atuam no mercado estão a disponibilizar voluntariamente informações sobre os impactos de sustentabilidade emergentes da sua atividade.

A ESMA sublinha, na sua proposta, que é essencial estabelecer métricas quantitativas harmonizadas, em detrimento de índices qualitativos, defendendo uma apresentação uniforme e compreensível da informação que deve ser disponibilizada. À luz das potenciais lacunas de dados, a ESMA propõe a utilização de estimativas baseadas em princípios gerais e incentiva a contratação de terceiros para analisar as divulgações de informação relativa a sustentabilidade. O Anexo 2 do documento de consulta acentua a importância da divulgação dos impactos negativos dos mecanismos de consenso, especialmente os relativos à utilização de energia, integração de energias renováveis, consumo de recursos naturais, produção de resíduos e emissões de gases com efeito de estufa.

Os indicadores fundamentais devem expressar o impacto dos mecanismos de consenso de forma compreensível, e devem incluir informação relevante como a média de consumo anual de energia, o consumo médio de energia por transação e a média de emissão de gases com efeito de estufa. O ênfase no uso de medidas quantitativas, e não qualitativas, pretende evitar a prática de greenwashing (i.e., a prática de divulgação de características de sustentabilidade ambiental falsas ou fraudulentas) e fomentar as práticas ambientas verdadeiras e honestas.

Por tudo o exposto, as normas técnicas elaboradas pela ESMA e sob consulta pública representam um passo de gigante no sentido de responder aos críticos que apontam a sustentabilidade ambiental como um dos principais defeitos dos criptoativos. Ao promover a transparência e a responsabilidade de todos os participantes no mercado, através de divulgações robustas de práticas e indicadores de sustentabilidade ambiental, estão lançadas as bases para um mercado de criptoativos mais eco-consciente a nível da UE.

À medida que o quadro regulatório dos criptoativos evolui, o setor prepara-se não só para enfrentar, mas também para superar os desafios ambientais que se assumem cada vez mais como um dos principais objetivos políticos, sociais e económicos. It’s not easy being green, cantava o Sapo Cocas, muito menos no setor dos criptoativos – mas está a ser traçado o caminho para lá chegar.