João Paulo Caldeira da Silva, do departamento de Desenvolvimento e Marketing de retalho no novobanco, refere que os mercados atingiram um ponto de inflexão estrutural: o fim da era de ampla liquidez, baixa inflação e baixas taxas de juros.
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TRIBUNA de João Paulo Caldeira da Silva, do departamento de Desenvolvimento e Marketing de retalho no novobanco.
À entrada do segundo semestre de 2022, o aumento das taxas de juro resultante de uma postura mais agressiva por parte dos bancos centrais representa a ameaça mais séria para os mercados financeiros globais.
O atual choque inflacionista, já de si severo, foi agravado pela guerra na Ucrânia e pela política de Covid-0 da China, o que tornou mais difícil para os bancos centrais reduzir a taxa de inflação para valores próximos dos 2% sem provocar um abrandamento drástico no crescimento económico.
A nosso ver, a questão-chave do momento é se estas políticas monetárias mais restritivas irão provocar recessões nas principais economias, o que, a acontecer levará, também, a uma redução nos resultados gerados pelas empresas, algo que não deixará de ter implicações nas cotações dos ativos financeiros.
Além deste risco de carácter cíclico, os investidores necessitam de ter em consideração a realidade de os mercados financeiros terem atingido um ponto de inflexão estrutural: o fim da era de ampla liquidez, baixa inflação e baixas taxas de juros que se seguiu à crise financeira global de 2008 - 2009. Tendo esta realidade em mente, a nossa opinião é de que as atenções dos investidores vão estar centradas noutro nome feminino ao longo do segundo semestre de 2022: adeus TINA (There Is No Alternative) e olá PATTY (Pay Attention To The Yield). TINA foi a filosofia de investimento predominante durante grande parte da última década e baseou-se na ideia de que as taxas a níveis historicamente reduzidos empurraram os investidores para ativos mais arriscados, como as ações. Em sua substituição, deverá surgir agora a filosofia PATTY, que se pode descrever da seguinte forma: o aumento das taxas de juro implícitas (yields) das obrigações está a despertar o interesse dos investidores para esta classe de ativos.
Ações: atentos ao aparecimento de argumentos convincentes para comprar
Embora a Reserva Federal tenha sinalizado que irá aumentar a sua taxa de juro de referência de praticamente zero, no início do ano, para cerca de 3,4% em dezembro, as previsões relativas aos resultados gerados pelas empresas, que fazem parte do índice MSCI AC World, caíram apenas 0,4% em relação ao pico deste ano.
Após os avisos de Jerome Powell, de que a economia dos Estados Unidos irá desacelerar de forma nítida e que o desemprego deverá aumentar como resultado dos aumentos agressivos de taxas por parte da Reserva Federal, os investidores acreditam que existe uma probabilidade de 75% de ocorrer uma desaceleração visível do crescimento económico nos EUA no início de 2024 (de acordo com um inquérito da Bloomberg Economics).
Como se costuma dizer no nosso meio, quando os EUA espirram, o resto do mundo constipa-se. É nossa opinião que, até que a perspetiva negativa da Reserva Federal para a economia dos Estados Unidos se reflita nas previsões dos analistas em relação aos resultados gerados pelas empresas a nível global, será demasiado cedo para adotar uma visão otimista em relação ao mercado acionista.
Obrigações governamentais: os bancos centrais vão pestanejar antes dos investidores?
A pergunta-chave para os investidores no mercado de renda fixa é: terá a inflação atingido o seu pico? O atual surto inflacionista, que já vinha de 2021, foi agravado pelo aumento dos preços das matérias-primas, pelas perturbações nas cadeias logísticas globais e pelo facto de várias economias importantes estarem próximas do pleno emprego. Atualmente, os investidores acreditam que a inflação vai atingir o seu pico no final de 2022, mas ainda existe incerteza sobre se a esta última, após atingir o seu pico, irá estabilizar em níveis demasiado acima dos 2%.
Se for este o caso, os bancos centrais ficarão perante um difícil dilema: dar prioridade ao combate à inflação ou à tentativa de evitar uma recessão?
Dado que os bancos centrais dão mostras de estarem exclusivamente focados no combate à inflação, os investidores debatem-se com a seguinte dúvida: uma deterioração do mercado de trabalho nos EUA e uma fragmentação ao nível da dívida soberana da Zona Euro farão com que a Reserva Federal e o Banco Central Europeu revejam esta postura de dar prioridade total ao combate à inflação?
Em ambos os casos, acreditamos que os mercados estão a prever demasiados aumentos nas taxas de juro de referência.
Obrigações corporativas/mercados emergentes: valorizações atrativas, mas…
Um aumento claro das yields e dos diferenciais (spreads) em todas as classes de renda fixa significa que as obrigações em geral (e o crédito em particular) cotam, agora, a preços mais atrativos em termos da sua relação risco/benefício: ou seja, em termos gerais, os investidores já são suficientemente recompensados pelo risco de investirem neste tipo de obrigações. No entanto, cada uma destas classes de obrigações enfrenta riscos específicos, que fazem com que, a nosso ver, ainda seja demasiado cedo para ter uma visão claramente otimista.
Investment grade: o processo de redução do grau de endividamento, iniciado em 2020, estagnou nos níveis de 2017, numa altura em que o suporte dado pelos programas de compra de ativos dos bancos centrais atingiu o seu pico e/ou estão a terminar.
High yield: os níveis de endividamento e os montantes que irão atingir a sua maturidade em 2022 e 2023 são reduzidos e as yields estão acima da média dos últimos 15 anos; no entanto, os diferenciais permanecem bem abaixo das médias históricas, o que significa que ainda não refletem o aumento do risco de recessão.
Mercados emergentes: um USD forte e a política de Covid-0 da China prejudicam as perspetivas para os ativos dos mercados emergentes.
Alocação de ativos: à espera de uma maior visibilidade
A nossa visão de mercado mudou para um crescimento abaixo da tendência de longo prazo, causado, principalmente, pelo aperto significativo da política monetária, que está a ser imposto aos bancos centrais por uma inflação teimosamente alta. Os preços das matérias-primas, as sanções à Rússia, as perturbações nas cadeias logísticas e mercados de trabalho próximos do pleno emprego irão exacerbar as pressões inflacionistas, o que, por sua vez, aumentará as hipóteses de ocorrer uma recessão induzida por esses mesmos bancos centrais. Esta incerteza sobre um possível aperto excessivo da política monetária continuará a pesar no sentimento dos investidores. Até que haja mais clareza sobre a dinâmica da inflação, as políticas dos bancos centrais, bem como em relação aos resultados das empresas, os mercados financeiros deverão permanecer nervosos e voláteis. Como somos profundamente céticos em relação à identificação de pontos de viragem nos mercados financeiros, entramos no segundo semestre de 2022 com uma perspetiva cautelosa e, para já, essencialmente inalterada desde o início do ano. Esta nossa perspetiva cautelosa consubstancia-se num posicionamento neutral para as ações, as obrigações governamentais e as obrigações de empresas/mercados emergentes e um posicionamento, ligeiramente, positivo à classe que designamos como alternativa (inclui os ativos líquidos reais).
Numa altura em que persistem muitas dúvidas em relação à evolução da inflação e ao impacto das políticas monetárias mais restritivas no crescimento económico, somos da opinião de que chegou a altura de, ao fim de uma década, voltar a utilizar as obrigações como um fator de estabilização das carteiras de investimento, dado que o atual nível das yields assim o permite. A nossa postura defensiva reflete-se, ainda, numa preferência por ações com um Beta reduzido, por uma ligeira sobre-exposição às matérias-primas e por estratégias de investimento de retorno absoluto, em ambos os casos, devido à sua tradicional descorrelação com as classes de ativos tradicionais.
Como disse Winston Churchill, quando se encontrava empenhado em fundar as Nações Unidas após o final da 2.ª Guerra Mundial, “never let a good crisis go to waste”. Sem querer colocar no mesmo plano a atual situação dos mercados financeiros com a tragédia da 2.ª Guerra Mundial, acreditamos que por mais problemáticos e incertos que os próximos meses sejam, é nestas alturas que surgem oportunidades interessantes para construir as fundações para desempenhos positivos de longo prazo.