João Paulo Caldeira da Silva (novobanco): “Na ausência de novos choques, as taxas de inflação deverão começar a recuar a partir de maio”

João Paulo Caldeira da Silva
João Paulo Caldeira da Silva. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de João Paulo Caldeira da Silva, do departamento de desenvolvimento e marketing de retalho no novobanco.

2022 deverá iniciar-se sob a marca de níveis de confiança dos consumidores prejudicados pelo aumento da inflação e pela realização de que estes aumentos serão menos temporários do que inicialmente se acreditou, bem como, pelo aumento no número de casos de COVID-19 que, em alguns países, sobretudo europeus, atingiu um novo pico. Embora a variante Ómicron revele, para já, taxas de mortalidade muito mais baixas, a verdade é que a transição de ano será marcada por um aumento da pressão sobre os sistemas de saúde e novas restrições à atividade económica.

Esta combinação de inflação mais alta, restrições impostas pela COVID-19 e constrangimentos nas cadeias logísticas levou a uma desaceleração do crescimento económico global, em geral, e na Zona Euro em particular, no quarto trimestre de 2021, algo que não deixará de influenciar as perspetivas para o início de 2022. Dito isto, estes impactos marginais deverão ser decrescentes à medida que a atual pandemia progride para uma situação de endémica, conduzindo ar uma normalização da atividade económica (leia-se um crescimento económico global menos exuberante do que na 1.ª metade e 2021, mas, ainda assim, acima da tendência de longo prazo), possivelmente já a partir do 2º trimestre de 2022.

Os receios em relação à inflação aumentaram, no seguimento da aceleração dos preços mais forte do que a esperada nos EUA, na Zona Euro e no Reino Unido. Tal veio dar mais força à visão de uma inflação persistente. Expectativas de inflação mais altas aumentam os riscos de a inflação se tornar uma self-fulfilling prophecy. Tendo esta realidade em mente, o aumento no crescimento anual de preços deverá manter-se até março-abril de 2022. Mas, na ausência de novos choques, as taxas de inflação deverão começar a recuar a partir de maio, permanecendo, no entanto, acima dos níveis que se verificavam antes da pandemia. O facto de o atual aumento da inflação continuar associado, principalmente, à evolução dos preços da energia e de um número relativo reduzido de bens vem dar sustento a esta previsão de uma moderação a partir de 2º trimestre do próximo ano.

A Reserva Federal (Fed) encontra-se algo pressionada para acelerar a redução gradual do seu programa de compras de ativos, o que poderia levar a um aumento, mais cedo do que o atualmente esperado, na federal funds rate, ou seja, ainda durante o primeiro semestre de 2022. Com riscos de inflação mais elevados, as curvas de rendimento deverão refletir, cada vez mais, as expectativas do mercado em relação a taxas de juro mais altas. Alguma redução dos atuais estímulos monetários justifica-se pela reabertura das economias, pela normalização em curso da atividade económica e pela persistência de taxas reais negativas. Mas as taxas não deverão ter muito espaço para subir dada a previsão de que a inflação deverá cair em 2022 e dado os atuais altos níveis de endividamento. No que diz respeito ao BCE, a conclusão do PEPP afigurasse-nos como bastante plausível, mas a sua taxa de juro de referência deverá manter-se inalterada.

O cenário macroeconómico para 2022 deverá, assim, caraterizar-se por:

Regresso a um ambiente de crescimento económico acima da tendência de longo prazo a partir da 2.ª metade do ano;

Inflação mais elevada do que no período pré-COVID-19, mas com um caráter benigno, ou seja, causada mais por constrangimentos ao nível da oferta do que a um sobre-aquecimento da procura;

Divergência nas políticas monetárias dos principais bancos centrais: Fed a retirar estímulos e a subir taxas, BCE a não alterar taxas e Banco Popular da China a manter uma postura acomodativa.

Perspetivas de mercado

Apesar de um cenário macroeconómico menos favorável, continuamos com uma visão mais otimista em relação aos ativos de risco (mais concretamente em relação às ações), do que em relação às obrigações governamentais. O mercado acionista deverá continuar a ser suportado por um sentimento, ainda prevalecente entre os investidores, descrito pelos acrónimos TINA (There Is No Alternative) e FOMO (Fear Of Missing Out). Outro fator que deverá continuar a dar suporte ao mercado acionista tem sido a persistência com que os investidores têm aproveitado cada correção para buy the dip, o claro otimismo revelado pelo mais recente inquérito global realizado pelo Bank of America e pela crença, ainda prevalecente, de que a aceleração da taxa de inflação acabará por se revelar um fenómeno temporário.

Ao nível das principais classes de ativos, iniciamos 2022 com a seguinte visão:

Ações

Sobre-exposição a ações europeias devido a valorizações mais atrativas do que as das suas congéneres norte-americanas e por um maior interesse dos investidores (leia-se fluxos de investimento) em relação às bolsas europeias.

Postura neutra em relação às ações dos EUA essencialmente porque vemos a Europa como mais atraente em termos de valorizações e porque a economia do Velho Continente é mais equilibrada em termos setoriais.

Visão neutra em relação aos mercados emergentes principalmente por causa de riscos específicos de certos países (por exemplo, China) e porque muitos bancos centrais dos mercados emergentes começaram a aumentar as taxas, o que reduzirá o crescimento e provocará condições financeiras mais restritivas.

Obrigações

Neutros em relação à dívida pública europeia porque vemos pouco espaço de manobra para uma mudança substantiva na política monetária do BCE. Subexposição à dívida governamental dos EUA devido a questões de valorização, uma vez que os riscos se encontram enviesados no sentido de um aumento de taxas.

Neutros em relação à dívida corporativa investment grade. Não obstante, a melhoria ocorrida nos fundamentos desta classe de obrigações, o nosso sentimento continua a ser cauteloso devido aos riscos de aumento das yields da dívida governamental.

Visão neutra em relação às obrigações de high yield, não só porque os spreads já não se encontram em níveis atrativos, mas também porque preferimos ter exposição a ativos de risco através do mercado acionista.

Exposição neutra em relação à dívida dos mercados emergentes. Embora o aumento dos preços da energia beneficie alguns emissores (Rússia, México, países do Médio Oriente, etc.), a desaceleração da China irá prejudicar a produção industrial (sobretudo, mas não só, no Sudoeste Asiático) e as exportações de matérias-primas, o que não deixará de ter repercussões negativas em economias como a brasileira.

Matérias-primas

Visão neutra derivada do sentimento de que esta classe de ativos alternativa, após o forte aumento nos preços de várias matérias-primas (como, por exemplo, o petróleo) se encontra particularmente vulnerável a quaisquer desenvolvimentos menos favoráveis.